Os desafios da Justiça de Transição ante a consolidação do Estado Democrático De Direito: as dificuldades enfrentadas pelo processo transicional brasileiro expressas nas reformas institucionais para a implementação da democracia

AutorHenrique Ratton Monteiro de Andrade, Jessica Holl
Páginas814-845
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
Os desafios da Justiça de Transição
ante a consolidação do Estado
Democrático De Direito
As dificuldades enfrentadas pelo processo
transicional brasileiro expressas nas reformas
institucionais para a implementação da
democracia
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Resumo: Este artigo visa analisar os desafios para a
efetivação do Estado Democrático de Direito em um
contexto pós ditadura. Para isso, em sua primeira parte
é feita uma abordagem conceitual acerca das peculiari-
dades do Estado Democrático e do Estado ditatorial;
em seguida, parte-se para uma análise da importância
da Justiça de Transição no contexto de mudanças e dos
seus elementos basilares. Por fim, é feita uma reflexão
acerca das heranças ditatoriais e das conquistas demo-
cráticas, com especial enfoque no caso brasileiro.
! Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais,
bolsista do programa Jovens Talentos para a Ciência CAPES, mem-
bro do Grupo de Estudos de Direito Internacional CIJ GEDI CIJ da
UFMG
Os desafios da Justiça de Transição...
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Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Justiça
de Transição. Brasil.
Abstract: This article aims to analyze the challenges to
the effectiveness of the Democratic Rule-of-Law State
in a post dictatorship context. For that, in its first part, a
conceptual approach about the Democratic State’s and
the dictatorial State’s peculiarities is carried on; this is
followed by an analysis about the basic elements and
the importance of Transitional Justice in such context.
Lastly a reflection on dictatorial’s heritage and demo-
cratic’s achievements is presented, with special focus in
the Brazilian case.
Keywords: Democratic Rule of Law State. Transitional
Justice. Brazil.
1. Introdução
Conhecer a verdade não é simplesmente saber
de fatos ou dados, é um conhecimento mais interiori-
zado, mais profundo; é fazer jus a uma memória, a um
passado que não deve e não pode ser ignorado. Verda-
de vem do grego aletheia, em que o prefixo a indica ne-
gação e lethe significa esquecimento. Modernamente
essa palavra assume um significado mais importante:
segundo o pensamento de Heidegger, aletheia quer di-
zer desvelamento. Logo, verdade pressupõe o não es-
quecimento isto é, a memória#e o desvelamento de
circunstâncias e eventos passados cujo entendimento
ainda permanece obscuro para a história e para a soci-
edade como um todo.
Desvelar a verdade é, simultaneamente necessá-
rio e perigoso. É necessário por consistir um direito de
# Com relação ao conceito de memória, é possível análisá-lo sob três
perspectivas: memória impedida, manipulada e obrigada (RICOUER,
2007, p. 82-104).
Henrique Ratton Monteiro de Andrade & Jessica Holl
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todos o acesso a qualquer fato que ajude a construir a
história de seu povo. Entretanto, é perigoso, pois o
modo como essa história vai ser contada ao longo dos
anos deve ser pensado a fim de se evitar que alguns de
seus aspectos sejam deliberadamente omitidos enquan-
to outros sejam excessivamente exaltados. Sistemas
autoritários geralmente possuem versões oficiais que
são distantes da realidade por eles vivenciada. Muitos
acontecimentos são abafados no intuito de promover
seu esquecimento e outros são manipulados, de modo
que a nova versão favoreça o governo.
Quando esses regimes são desfeitos e intenta-se
instaurar um Estado Democrático de Direito, é necessá-
rio que haja um período transicional de reforma das
instituições sociais e políticas , de sorte que os lega-
dos autoritários não minem as chances de
(re)democratização do país. É nesse ponto que entra a
chamada justiça de transição, que objetiva proporcionar
as condições mais favoráveis para o desenvolvimento
dos elementos principais do novo modelo de Estado.
Assim, a justiça transicional exerce um papel
constante de memória e de desvelamento, posto que só
é possível consumar a passagem de regimes quando se
tem conhecimento dos eventos ocorridos anteriormen-
te. Nesse sentido, todo e qualquer abuso cometido de-
ve ser apurado, de forma a assegurar sua não recorrên-
cia. Contudo, são muitos os resquícios que ficam de um
regime totalitário. São muitas as instituições que ainda
trabalham conforme o modelo ditatorial. Elas estão
mascaradas em nosso sistema, e, mesmo que velada-
mente, ainda representam os perigos do retorno ao
modelo autoritário. São claros os exemplos observados
no contexto brasileiro: a insistência na adoção da no-
menclatura Revolução de 64, de modo a negar o uso do
termo golpe; a eleição de expoentes do poder coercitivo
Estatal, como o coronel Telhada da Rota, o que estabe-
lece uma ligação inadequada entre política e segurança
policial; e, ainda, declarações como a do então gover-
nador de São Paulo, Geraldo Alckimin sobre a desas-

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