Depositário infiel ? prisão determinada pelo Juiz do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas371-379

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Dispõe o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal:

Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

A Constituição Federal consagra a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, que, instado pelo juiz a entregar o bem, não o faz.

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Trata-se de exceção ao princípio da patrimonialidade da execução (art. 789 do CPC), tendo por escopo a prisão que é de índole processual, e não penal, forçar o depositário a entregar o bem que está sob sua guarda, garantindo-se a dignidade do processo e a efetividade da jurisdição.

Nesse sentido adverte Júlio César Bebber55:

A prisão civil (ou ameaça de prisão) embora constitua medida privativa de liberdade de locomoção física, não tem natureza jurídica de penalidade. Trata-se de técnica processual de coerção adotada com o escopo de constranger o depositário a restituir os bens depositados.

Como bem adverte Humberto Theodoro Júnior, "sem embargo de permitido o decreto incidental da prisão civil do depositário judicial que não restitui os bens sob sua custódia, não cabe ao juiz fazê-lo sem antes ensejar-lhe o direito de defesa esclarecimento sobre o desaparecimento dos objetos penhorados. A garantia do contraditório e ampla defesa não lhe pode ser negada, sob pena de grave ofensa aos incisos LIV e LV do art. 5º, da Constituição. Até mesmo a possibilidade de depositar o preço do bem penhorado deve ser admitida como defesa capaz de evitar a prisão, na espécie"56.

No CPC de 1973 (art. 902), o Juiz poderia fixar o prazo de prisão, não podendo exceder um ano.

O CPC atual, seguindo a tendência do entendimento firmado pelo STF, não disciplina mais a hipótese de prisão do depositário infiel.

Atualmente, a questão da possibilidade da prisão do depositário infiel se mostra polêmica na jurisprudência.

Dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José de Costa Rica, no art. 7, item 7:

Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vinha admitindo a prisão do depositário infiel diante da autorização constitucional, do relevante encargo que presta o depositário judicial e também da frustração da execução quando o depositário não apresenta os bens que lhes foram entregues para guarda. Nesse sentido, a Súmula n. 619 do STF:

A prisão de depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal mudou entendimento para fixar posicionamento no sentido de que a prisão do depositário infiel não é mais possível no

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ordenamento jurídico brasileiro diante do que dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7, item 7). Entendeu a Suprema Corte que os tratados inter-nacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil detém status de supralegalidade.

Como defende Gilmar Ferreira Mendes57, "diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela confiitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição Federal sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada pela adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civil e Polícitos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-lei n. 911, de 1º.10.1969. Tendo em visa o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja confiitante também tem sua eficácia paralisada (...)Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel".

Nesse sentido, o Informativo n. 531 do Surpemo Tribunal Federal58:

Prisão Civil e Depositário Infiel - 3

Em conclusão de julgamento, o Tribunal concedeu habeas corpus em que se questionava a legitimidade da ordem de prisão, por 60 dias, decretada em desfavor do paciente que, intimado a entregar o bem do qual depositário, não adimplira a obrigação contratual - v. Informativos ns. 471, 477 e 498. Entendeu-se que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7º, 7), conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do que previsto no art. 5º, LXVII, da CF ("não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;"). Concluiu-se, assim, que, com a introdução do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel. Prevaleceu, no julgamento, por fim, a tese do status de supralegalidade da referida Convenção, inicialmente defendida pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do RE n. 466.343/SP, abaixo relatado. Vencidos, no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que a ela davam a qualificação constitucional, perfilhando o entendimento expendido pelo primeiro no voto que proferira nesse recurso. O Min. Marco Aurélio, relativamente a essa questão, se absteve de pronunciamento. HC n. 87.585/TO, rel. Min. Marco Aurélio, 3.12.2008. (HC-87585)

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Na mesma sessão de julgamento, a plenária do STF determinou o cancelamento da Súmula n. 619 de sua jurisprudência, vencido o Ministro Menezes Direito, conforme se constata do referido Informativo n. 531, in verbis:

Prisão de Depositário Judicial Infiel e Revogação da Súmula n....

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