Democracia representativa: as críticas de Carl Schmitt

AutorAlexandre Franco de Sá
CargoDoutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra, Portugal
Páginas130-146
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p130
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: AS CRÍTICAS DE CARL SCHMITT
Alexandre Franco de Sá
1
Resumo:
O presente trabalho procura, por um lado, mostrar a base do conceito schmittiano de
representação. Ele mostra de que modo este conceito se liga essencialmente aos
conceitos de mediação e de decisão. A partir daí, o artigo mostra, por outro lado,
como o conceito de representação lhe permite desenvolver um pensamento político
que consegue compreender criticamente os problemas fundamentais das
sociedades democráticas contemporâneas.
Palavras-chave: Representação. Mediação. Decisão. Democracia.
O tema que me foi sugerido para a presente lição inaugural as críticas de
Carl Schmitt à democracia representativa tem inevitavelmente como pano de fundo
a interrogação em torno do modo como se confrontou com a “democracia”, a
“legitimidade política” ou o “Estado de direito” o pensamento de um autor de cariz
marcadamente autoritário, cujo envolvimento com o nazismo lhe valeu
independentemente da sua justiça ou injustiça o título de Kronjurist do Terceiro
Reich. A sugestão de um tal pano de fundo pressupõe, portanto, uma perspectiva
que parte do princípio de que se vai observar, com distanciamento, os contornos de
um pensador consideradoum “inimigo perigoso”: um inimigo que revelaria uma
mentalidade tirânica que, enquanto tal, não poderia deixar de ser recriminada
2
. Na
minha aproximação ao autor, gostaria, antes de mais, de dar um passo atrás em
relação a uma abordagem deste tipo. De uma forma geral, a abordagem de um
pensador político como um “inimigo perigoso” – como um representante do mal, da
injustiça, da violência ou da iniquidade tende a transformar-se num “ataque” que
frequentemente distorce e bloqueia o acesso a uma compreensão do seu
pensamento. No caso de Schmitt é possível encontrar numerosos exemplos de tais
1
Doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor no Departamento de
Filosofia, Comunicação e Informação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Director
do Curso de Licenciatura em Filosofia na Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. E-Mail:
alexandre_sa@sapo.pt
2
Cf., porexemplo, GopalBalakrishnan. The Enemy: an Intellectual Portrait of Carl Schmitt. London,
New York: Verso, 2000.
131
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.130-146, Jan-Jun. 2015
distorções. Para as evitar, umaabordagem do seu pensamento requer uma tentativa
de pensá-lo numa atitude em que a sua compreensão, nas suas articulações
internas e no seu contexto, se sobreponha à tendência para imediatamente o
defender ou condenar.
Ao longo do seu percurso como pensador político, Schmitt não foi certamente
um democrata nem um defensor da “democracia representativa”. Contudo, uma tal
afirmação de modo nenhum implica que Schmitt tenha de ser pensado como um
defensor de uma tirania autocrática, do mesmo modo que não esclarece o modo
como este pensou a democracia ou adoptou algumas posições intelectuais e
políticas específicas no contexto da República de Weimar. E o mesmo se pode dizer
em relação à sua subsequente adesão ao nacional-socialismo. É sabido que, depois
de se ter manifestado explicitamente contra o Partido Nazi em 1932, Schmitt se
apressa a aderir ao nazismo depois da chegada de Hitler ao poder, em Janeiro de
1933. No entanto, a evocação deste dado biográfico, por si só, diz muito pouco
sobre o que Schmitt esperaria do triunfo político do nazismo,ou sobre o significado
que atribuía à sua adesão.Que um pensador político como Schmitt (ou um filósofo
como Martin Heidegger, por exemplo) tenha escolhido aderir ao Partido Nazi no
contexto político alemão de 1933, é significativo para a compreensão do seu
pensamento. Contudo, esta compreensão deve partir dele próprio, dirigindo-se
depois para a consideração das escolhas e posições concretas a que ele conduziu,
e não partir destas como fundamento para o emprego de rótulos que tornam
dispensável justamente a necessidade de se confrontar com o próprio pensamento.
Tentando abordar o tema das críticas de Carl Schmitt à “democracia
representativa”, comecemos por considerar, antes de mais e num plano estritamente
conceptual, o conceito de representação. Este conceito é, para Schmitt, um conceito
central do pensamento político. Ele designa o modo como, de uma maneira geral, é
geradaa unidade política. Schmitt aborda desde muito cedo o problema político da
criação desta unidade, e a abordagem deste problema condu-lo, na qualidade de
pensador católico, ao estabelecimento de um paralelo entre o Estado e a Igreja
enquanto instituições que a propiciam. A partir deste paralelo, Schmitt enfatiza que a
unidade política não pode deixar surgir sempre como a unificação de algo que,
sendo intrinsecamente plural, conserva na sua unidade toda a sua pluralidade
intrínseca. Ao contrário do que se passaria no decurso de um processo dialéctico, no

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