Democracia em cidades multiculturais. ressignificando os sistemas de tomadas de decisão públicas à luz dos direitos humanos das minorias

AutorAndré Leonardo Copetti Santos - Evelyne Freistedt Copetti Santos - Gabriel Otacílio Bohn Edler
CargoPós-Doutor pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS, 2004) e pós-doutorando pela Universidade de Santiago do Chile (USACH) - Mestre em Direitos Especiais vinculado à Linha de pesquisa Direito e Multiculturalismo (2015) pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus Santo Ângelo/RS - Mestre em Direito...
Páginas169-209
Rev. direitos fundam. democ., v. 19, n. 19, p. 169-209, jan./jun. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
DEMOCRACIA EM CIDADES MULTICULTURAIS. RESSIGNIFICANDO OS
SISTEMAS DE TOMADAS DE DECISÃO PÚBLICAS À LUZ DOS DIREITOS
HUMANOS DAS MINORIAS
DEMOCRACY IN MULTICULTURAL CITIES. RE-MEANING THE PUBLIC DECISION
SYSTEMS IN THE LIGHT OF HUMAN RIGHTS OF MINORITIES
André Leonardo Copetti Santos
Pós-Doutor pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS, 2004) e pós-doutorando pela
Universidade de Santiago do Chile (USACH). Possui mestrado (1999) e Doutorado (2004) em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos e graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta (1988).
Atualmente é professor do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIJUÍ, IJUÍ,
RS e do Programa de Pós-Graduação em Direito da URI, Santo Ângelo, RS. Coordenador Executivo do
PPGD/URISAN.
Evelyne Freistedt Copetti Santos
Mestre em Direitos Especiais vinculado à Linha de pesquisa Direito e Multiculturalismo (2 015) pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus Santo Ângelo/RS. Foi Bolsista
CAPES/CNPQ. Graduada em Direitos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2006).
Gabriel Otacílio Bohn Edler
Mestre em Direito vinculado à linha de Pesquisa Políticas de Cidadania e Soluções de Conflito (2015), pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus Santo Ângelo/RS. Bolsista
CAPES/PROSUP. Advogado.
Resumo
O presente artigo, resultado de investigações realizadas nos Programas
de Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e Missões (URISAN) e da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), tem como escopo
principal analisar algumas possibilidades de ressignificação da
democracia nos espaços geopolíticos de cidades multiculturais, em
função da crise de representatividade que incessantemente vêm
sofrendo os sistemas democráticos representativos praticados no
âmbito nacional, especialmente pela impossibilidade de efetivação dos
direitos humanos ligados à diversidade étnica, cultural e
comportamental.
Palavras-chave: Democracia. Direitos Humanos; Cidade.
Multiculturalismo; Interculturalidade.
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Abstract
This article, a result of the investigations accomplished at the Regional
Integrated University of the High Uruguay and Missions (URISAN) and
the Regional University of the Northwest of Rio Grande do Sul (UNIJUÍ)
Law Postgraduate Programs, has as main scope to analyze some
possibilities of redefining democracy in geopolitical spaces of
multicultural cities, due to the crisis of representation that constantly
have suffered representative democratic systems practiced at the
national level, especially because the impossibility of realization of
human rights linked to ethnic, cultural and behavioral diversity.
Keywords: Democracy; Human Rights. City. Multiculturalism
Interculturality.
1 INTRODUÇÃO
Se a grande meta política dos primórdios da modernidade era combinar
democracia e igualdade formal, e o grande desiderato de governação do começo do
século XX foi aproximar democracia e igualdade material, é possível por em pauta que
uma das grandes incitações civilizatórias da contemporaneidade seja ajustar metas de
democracia, equidade, diversidade e minorias
1, pois é inegável que uma das principais
1 As concepções de maioria e minoria comumente associadas às distintas perspectivas sob as quais é
tomada a ideia de democracia na modernidade, geralmente traduzem um critério quantitativo. Se
pensarmos em democracia representativa, esse viés é ainda mais reforçado. Entretanto, cremos que
qualquer tentativa de ressignificação dos processos democráticos de tomada de decisão pública passe,
antes de mais nada, por uma ressimbolização das concepções de maioria e minoria, de modo a
distanciá-las de qualquer fundamento quantitativo. Pensar processos democráticos inclusivos de
minorias necessariamente importa em superar bases quantitativas. Em perspectivas não quantitativas,
podemos pensar maioria e minoria, respectivamente, como constânciainconstância ou devir; como
estado de poder e dominaçãoestado de falta de poder ou submissão; como abstração ou concretude;
como invisibilidadevisibilidade; como homogeneidadeheterogeneidade ou diversidade; como
estabilizaçãomovimento; como territorialização pela médiadesterritorialização da média; como
heteronomiaautonomia. Uma boa pista teórica para uma compreensão não quantitativa da dicotomia
maioriaminoria nos é dada por Deleuze e Guattari (1995). Para esses autores, a noção de minoria, com
suas remissões musicais, literárias, linguísticas, mas também jurídicas, políticas, é bastante complexa.
Minoria e maioria não se opõem apenas de uma maneira quantitativa. Maioria, para eles, implica uma
constante, de expressão ou de conteúdo, como um metro padrão em relação ao qual e la é avaliada.
Suponhamos que a constante ou metro seja homem-branco-masculino-adulto-habitante das cidades-
falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual qualquer (o Ulisses de Joyce ou de Ezra Pound). É
evidente que “o homem” tem a maioria, mesmo se é menos numeroso que os mosquitos, as crianças, as
mulheres, os negros, os camponeses, os homossexuais... etc. É porque ele aparece duas vezes, uma
vez na constante, uma vez na variável de onde se extrai a constante. A maioria, segundo eles, supõe
um estado de poder e de dominação, e não o contrário. Supõe o metro padrão e não o contrário. Uma
outra determinação diferente da constante seria então considerada como minoritária, por natureza e
qualquer que seja o seu número, isto é, como um subsistema ou como fora do sistema. Isto pode ser
visto em todas operações, eleitorais ou não, onde se dá o poder de escolha, com a condição que a
escolha permaneça conforme aos limites da constante (“vocês não têm que escolher uma mudança de
sociedade...). Mas, nesse ponto, tudo se inverte. Pois a maioria, de acordo com os pensadores
franceses, na medida em que é analiticamente compreendida no padrão abstrato, não é nunca alguém,
é sempre Ninguém Ulisses ao passo que a minoria é o devir de todo o mundo, seu devir potencial
por desviar do m odelo. Há, assim, um “fato” majoritário, mas é o fato analítico de Ninguém que se opõe
ao devir-minoritário de todo o mundo. É por isso que propõem Deleuze e Guattari, devemos distinguir: o
majoritário como sistema homogêneo e constante, as minorias como subsistemas, e o minoritário como
devir potencial e criado, criativo. O problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo instaurando uma
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características que diferencia a contemporaneidade globalizada de outros períodos é a
marcante presença de variedade e dessemelhança em espaços antes homogêneos,
em função da intensificação exponencial dos fluxos, especialmente de pessoas e
informações culturais.
O Estado nacional foi o espaço geopolítico histórico onde se desenvolveram os
dois primeiros movimentos de combinação governativa entre democracia e igualdade
formal e substancial, respectivamente. Entretanto, para o desafio contemporâneo
arranjar democracia, equidade, diversidade e minorias -, os Estados, que ainda
guardam em relação às suas principais características uma configuração moderna,
parecem dar sinais iniciais de debilidade institucional para o cumprimento de tal tarefa.
Uma das principais causas que pode ser apontada como geradora dessa
fragilidade estatal é o significativo aumento da complexidade social, que, por
consequência, tem gerado uma ampliação da complexidade estatal e uma quase que
inevitável debilitação paulatina de suas funções, para a consecução de seus objetivos
e fins.
As diversidades étnico-cultural, comportamental e de suficiências sociais
eram realidades existentes nos Estados-nação nos primeiros momentos da
modernidade, mas, hoje, em função da intensificação dos fluxos de pessoas,
mercadorias e informações, elas são palpáveis materialmente não somente no macro
espaço estatal, mas mais concretamente no âmbito das cidades. A ocorrência de uma
aceleração dos processos de diversificação nas cidades, notadamente nas grandes
metrópoles, como resultado de uma convergência de múltiplos fluxos de mobilidade
humana, determinados por uma variedade de causas, especialmente políticas e
econômicas, é um fator de alta impactação não só na ampliação da complexidade
social e estatal, mas também no equilíbrio dos sistemas democráticos e na sua
capacidade de ordenação das relações sociais.
nova constante. Não existe devir majoritário, maioria não é nunca um devir. Só existe devir minoritário.
Certamente as minorias são estados que podem ser definidos objetivamente, estados de língua, de
etnia, de sexo, com suas territorialidades de gueto; mas devem ser consideradas também como germes,
cristais de devir, que valem enquanto detonadores de movimentos incontroláveis e de
desterritorializações da média ou da maioria. Há uma figura universal da constância minoritária, como
devir de todo o mundo, e é esse devir que é criação. Não é adquirindo a maioria que se o alcança. Essa
figura é precisamente variação contínua, como uma amplitude que não cessa de transpor, por excesso e
por falta, o limiar representativo do padrão majoritário. Ver a respeito DELEUZE, GUATTARI (1995, p.
55-57).

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