Delitos de Posse e Ação Significativa - Crítica aos Besitzdelikte a partir da Concepção Significativa da Ação

AutorPaulo Cesar Busato
CargoUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Páginas75-111
Delitos de Posse e Ação Significativa – Crítica
aos Besitzdelikte a partir da Concepção
Significativa da Ação
Possession Crimes and Meaningful Action – Criticism of Besitzdelikte from
the Theory of Meaningful Action
Paulo César Busato
Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
Resumo: o presente trabalho se dispõe a discu-
tir criticamente a fórmula dos delitos de posse a
partir da teoria da ação significativa. Para isso,
neste artigo, será descrito o desenvolvimento
das teorias da ação no Direito penal do Civil
Law e do Common Law para chegar ao ponto
de conexão nas teses de Vives Antón e George
Fletcher a respeito do conceito de ação.
Palavras-chave: Delitos de Posse. Teoria da
Ação Significativa. Common Law, Civil Law.
Vives Antón. George Fletcher.
Abstract: this paper intent critically discuss
the possession crimes formula, from the theory
of meaningful action. To do so, describes the
development of the action’s theories in crimi-
nal law so the civil law as the common law to
reach the connection point in the thesis of Vi-
ves Anton’s and George Fletcher’s concepts of
action.
Keywords: Possession Crimes. Theory of Mea-
ningful Action. Common Law. Civil Law. Vives
Anton, George Fletcher.
1 Introdução
Uma das características mais marcantes do chamado moderno Direito
penal tem sido o emprego de técnicas de tipificação que produzem adian-
tamento de barreiras de imputação, limitando, com isso, as possibilidades
probatórias de defesa, com consequente recorte de Direitos individuais.
Recebido em: 09/11/2015
Revisado em: 1º/05/2016
Aprovado em: 02/05/2016
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n73p75
76 Seqüência (Florianópolis), n. 73, p. 75-112, ago. 2016
Delitos de Posse e Ação Significativa – Crítica aos Besitzdelikte a partir da Concepção Significativa da Ação
Dentre essas técnicas, merece destaque a fórmula de delitos de pos-
se (Besitzdelikte), que tem figurado em boa parte da recente legislação
produzida no Brasil, e que é responsável por um considerável volume dos
casos apreciados pelos juízos criminais.
O resultado é um claro processo de expansão do encarceramento,
que pode ser demonstrado numericamente e que está evidentemente vin-
culado ao emprego dessas técnicas. Por outro lado, as fórmulas dogmáti-
cas tradicionais pouco ou nada têm a oferecer em termos de rendimento
crítico destas técnicas de tipificação, essencialmente porque as possibili-
dades críticas estão associadas à questão da ação.
As teorias do delito tradicionais, por sua ancoragem em conceitos
ontológicos de ação, jamais produziram qualquer recorte da incriminação
do ato de possuir.
Nas fórmulas funcionalistas, precisamente o desprezo pelo conceito
de ação, tampouco pode produzir qualquer rendimento crítico a respeito
do tema.
Diante deste quadro, o que o presente artigo pretende demonstrar é
que a adoção de uma concepção significativa de ação, ancorada em bases
linguísticas que arrancam dos estudos de Vives Antón e George Fletcher
consegue oferecer sólida crítica aos delitos de posse desde um ponto de
vista da própria exigência de ação, demonstrando que tais fórmulas in-
criminadoras violam o chamado act requirement, convertendo-se pratica-
mente em incriminações de estados de pessoa.
É possível afirmar que uma concepção significativa de ação possui
uma capacidade de rendimento crítico que não é alcançada pelas fórmulas
tradicionais, consistindo um modelo mais desenvolvido, avançado, huma-
nista e ajustado a um Direito penal mínimo.
2 Técnicas de Tipificação como Instrumento de Expansão do
Encarceramento Penal
Não se pode afirmar com segurança, como já é comum na literatura
jurídico-penal e criminológica desde o estudo de Silva Sánchez (1999),
Seqüência (Florianópolis), n. 73, p. 75-112, ago. 2016 77
Paulo César Busato
que efetivamente existe um processo de expansão do Direito penal, a par-
tir da constatação simplória da existência de um número crescente de leis
contendo normas incriminadoras.
A despeito de que as próprias bases em que se ancora o estudo
mencionado sejam questionáveis (MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, 2014,
p. 85-99), mais importante parece ser o reconhecimento de que a revolu-
ção cibernética e os outros avanços tecnológicos próprios do nosso tempo
multiplicaram o número de relações sociais diárias que todos temos. Na-
turalmente, se um aumento no número de relações sociais em geral,
é certo que uma parte dessas mesmas relações será ilícita. Ou seja: um
aumento no número de relações sociais que remetem à intervenção pe-
nal, por si só, não serve para demonstrar a existência de um processo de
expansão do Direito penal simplesmente porque é natural que ele ocorra
onde aumentam as relações sociais em geral.
Seria necessário buscar – e não se tem notícia da existência – para
este fim, um estudo detalhado e comparativo sobre a proporção entre con-
dutas lícitas e ilícitas antes e depois do avanço tecnológico-cibernético.
Ou seja, para falar de expansão de Direito penal com base no número
geral de incriminações existentes, seria preciso demonstrar que hoje, di-
ferentemente do que antes, uma porcentagem maior do total de relações
sociais são ilícitas.
No que aqui interessa especificamente, seria necessário demonstrar que
no Brasil de hoje em dia dentro do total das relações sociais cotidianas teria
havido um aumento proporcional de relações sociais ilícitas, em contraposi-
ção a um decréscimo das lícitas, o que não parece ter sido demonstrado.
Por outro lado, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística, quando cotejados com os dados do Departamento Penitenciário do
Ministério da Justiça, oferecem a demonstração de uma efetiva expansão:
a do encarceramento.
Segundo os órgãos mencionados, no ano de 1990, a população bra-
sileira era de aproximadamente 143 milhões de habitantes. Destes, a po-
pulação que se encontrava recolhida em cárceres era de aproximadamente
90 mil pessoas.

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