Delitos cibernéticos: implicações da lei 12.737/12

AutorWanderlei José dos Reis
CargoJuiz de Direito em Mato Grosso Mestrando em Direito Constitucional (Universidade de Lisboa) Doutorando em Direito
Páginas6-9

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I Considerações iniciais

Consabido que o direito penal ostenta um caráter dúplice: servir à sociedade, protegendo-a de condutas danosas de seus membros; e servir às pessoas, limitando a atuação punitiva estatal – o jus puniendi. A interface entre suas duas utilidades, igualmente calcadas na constituição, é que lhe dá o perfil, não sendo o direito penal um fim em si mesmo.

Neste sentido, cabe ao direito penal a proteção dos bens jurídicos mais relevantes para o meio social, ou seja, este ramo do ordenamento jurídico tutela o que é basilar para a própria existência da sociedade, que é o direito à vida; a liberdade; o patrimônio; a propriedade imaterial; a organização do trabalho; o sentimento religioso e o respeito aos mortos; a honra, imagem e privacidade; a dignidade sexual; a família; a incolumidade pública; a paz pública; a fé pública; a administração pública; o meio ambiente e tantos outros bens.

Por este viés, observa-se que a concepção de bem jurídico deve estar atrelada aos valores da realidade social que, em um dado momento histórico-cultural, é alterada, principalmente quando há uma ruptura com o modelo social até então existente. Assim, a partir dos anos 90 do século passado, com a disseminação da internet, ocorreu o que se conhece como “revolução digital”.

No Brasil, a popularização da internet originou-se no final da década de 90 e início do século XXI. Segundo dados do Ibope, no ano de 2002, o Brasil contava com 7,68 milhões de usuários, contudo, com base na última pesquisa realizada por este instituto, em 2013, tem-se que atualmente o país já conta com mais de 102,3 milhões de usuários.

Cumpre esclarecer que a internet é um conjunto de redes de computadores ligados entre si através de roteadores e gateways, cujo principal objetivo é transmitir informações, diminuindo as distâncias e dissipando as fronteiras traçadas pela geografia.

Nota-se que a internet instituiu um processo de globalização e diminuição das distâncias. Fatos e culturas que muitas vezes eram restritas a determinadas regiões ganham notoriedade mundial e se tornam relevantes. Essa onda digital de informações trouxe a possibilidade de armazenamento de dados indus-triais e individuais, dados relativos a contas bancárias, números de cartões de crédito, senhas de acesso, trocas de experiências interpessoais, criação e difusão do comércio eletrônico e, consequentemente, certo comodismo.

Neste passo, o mundo moderno requer do direito um acompanhamento atento às mudanças e transformações ocorridas no seio da socie-dade, notadamente no que atine ao ramo da informática, que se encontra em franco desenvolvimento. Por sua vez, por conta desses avanços tecnológicos, a internet se tornou um campo propício para a prática de novos delitos, principalmente ligados à honra, cabendo destacar que essas condutas já se amoldam aos delitos existentes previstos no capítulo V do título I da parte especial do Código

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Penal, quais sejam, calúnia, injúria e difamação.

Por outro lado, há certas situações em que o agente utiliza o dispositivo de informática para obter algum tipo de vantagem, ou seja, nestes casos, o aparelho digital não é o meio para o cometimento da infração e, sim, o objeto desta.

Pode-se exemplificar a prática com o caso da atriz global Carolina Dieckmann, que, em maio de 2012, teve seu e-mail invadido por crackers1. Eles se apropriaram de fotos íntimas da atriz e este conteúdo foi divulgado na internet após a atriz não ceder às chantagens dos criminosos, que pediam dez mil reais pela não publicação das imagens.

Com efeito, até então, não havia em nosso ordenamento jurídico a tipificação de crimes cometidos via internet, o que obrigava o magistrado a se utilizar da analogia para aplicar a legislação que versava sobre condutas semelhantes já tipificadas. Assim, a violação de e-mail era enquadrada como crime de violação de correspondência, previsto na Lei 6.538/78, que, em seu art. 40, estatui que é crime de-vassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem, estabelecendo a pena de detenção, de até seis meses, ou o pagamento não excedente a vinte dias-multa.

Dessa forma, o legislador editou a Lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que teve um período de vacância de 120...

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