Delineamento das Concessões

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas139-171

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2. 1 Considerações sobre a concessão em sentido amplo

O vocábulo concessão, conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro1, é usado no Direito Administrativo com diversos sentidos, em razão de possuir diferentes objetos, tais como a delegação de execução de serviço público ao particular, a execução de obra pública ou o simples uso de bem público, com ou sem possibilidade de exploração comercial.

A professora2também ressalta que inexiste uniformidade de pensamento sobre uma definição do instituto da concessão, percebendo-se três linhas doutrinárias bem definidas, uma mais ampla, uma intermediária e uma restrita, tomando por critério diferenciador o fato de abarcar um maior número de objetos ou não na relação jurídica.

Na primeira escola, de origem italiana e de pouca aceitação no Brasil, ensina a doutrinadora que a concessão é conceituada como qualquer tipo de ato, unilateral ou bilateral, por meio do qual a Administração Pública outorga direitos ou poderes ao particular.

Noticia Vera Monteiro3, referindo-se ao escólio de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que na Itália o termo:

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não só envolve a outorga de prêmio por ato público, como também é o ato administrativo que concede ao condenado perdão do seu crime ou, ainda, a outorga de poderes ao funcionário público em virtude do ato administrativo de nomeação para o cargo público em órgão estatal.

Tal concepção ampla, portanto, abarcaria num mesmo conceito as várias hipóteses de atos e contratos administrativos diferenciados pela tradição do Direito Administrativo brasileiro.

A segunda escola, intermediária, parte de uma divisão entre concessão constitutiva e concessão translativa e admite três categorias em sentido amplo: a concessão de serviço público, a concessão de obra pública e a concessão de uso de bem público.

A terceira corrente doutrinária, mais restritiva, conceitua a concessão somente como aquela modalidade pela qual a Administração Pública outorga a execução de um serviço público ao particular.

Pela maneira de entender de Odete Medauar4, a explicação do contrato de concessão deve ser feita pela exposição de suas modalidades, porém em número de quatro, em vez de três, como adotado pela maioria dos outros doutrinadores.

Assim, para ela a concessão “se apresenta sob quatro modalidades no ordenamento brasileiro”, sendo a concessão de serviço público, concessão de serviço público precedida de obra pública (ou concessão de obra pública), concessão de uso de bem público) e concessão de direito real de uso.

Para Hely Lopes Meirelles5, o conceito de concessão também é construído pela exposição das suas características básicas (bilateralidade, comutatividade, onerosidade e personalismo) e das diferentes espécies de contratos dele componentes, que, para o autor, são apenas três, pois deve ser excluída a concessão de direito real de uso, nos seguintes termos:

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Contrato de concessão é o ajuste pelo qual a Administração delega ao particular a execução remunerada de serviço ou de obra pública ou lhe cede o uso de um bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. Daí a tripartição da concessão em concessão de serviço público, concessão de obra pública e concessão de uso de bem público, consubstanciadas em contrato administrativo bilateral, comutativo, remunerado e realizado intuitu personae. [itálico no original, grifos nossos]

Edmir Netto de Araújo6, partindo da explicação do significado da palavra “concessão”, conclui que no conceito jurídico de concessão devem ser incluídas, basicamente, duas espécies de relações jurídicas estabelecidas pelo poder público e o particular; a outorga do uso privativo do bem público e a execução de um serviço público:

Como se vê, em qualquer caso, o sentido é o da aquiescência de alguém que detém poder ou direito sobre algo (titularidade), para a ação de outrem. Assim, o Poder Público, titular do patrimônio e dos serviços públicos, concede ou permite (ou até simplesmente autoriza) ou uso privativo de bem público por particular, ou o desempenho de serviços públicos delegáveis (pois há serviços públicos indelegáveis), a particulares ou outras entidades públicas. [negrito no original, grifos nossos]

A importância da doutrina supratranscrita reside exatamente no fato de que, muito apropriadamente, o doutrinador realçou o sentido do instituto concessão: ser uma concordância daquele que detém o poder de prestar um serviço público ou um direito real de transferi-los ao exercício de outra pessoa.

Esse é o cerne do conceito de concessão, apesar das inúmeras utilizações equivocadas do termo, com diversos sentidos e variações entre os doutrinadores quanto à inclusão da concessão de obra pública na concessão de serviço público ou exclusão da concessão de uso de bem público do conceito de concessão.

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José Cretella Júnior7, tal como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, anotou que o vocábulo concessão “tem trazido dificuldades no campo do Direito Público”, e “doutrina, a lei e a jurisprudência têm concorrido para semelhante confusão”. Porém:

Por outro lado, qualquer que seja a aplicação deste vocábulo – concessão – nele sempre existe um sentido comum, que é o da transferência ou outorga a terceiro de poderes, no todo ou em parte, vantagens, utilidades que pertencem ao concessionário, reservando-se, entretanto, o concedente, alguns dos direitos, vantagens ou utilidades. [itálico no original, grifos nossos]

Com efeito, o doutrinador8separa posteriormente o conceito de concessão em dois sentidos, o lato e o técnico.

No sentido lato, a concessão pode ser conceituada como “atos que, em determinados casos concretos, constituem em favor de determinadas pessoas uma nova condição jurídica ou um novo direito subjetivo”.

No sentido técnico, “preciso, concessão é transferência, temporária ou resolúvel, por uma pessoa coletiva de Direito Público, de poderes que lhe competem para outra singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta execute serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral”. [grifo nosso]

A menos que se compreenda o termo “serviços” de forma muito ampla e, em consequência, não como especificamente serviços públicos, o aludido doutrinador acaba por adotar uma definição jurídica de concessão que contempla apenas a concessão de serviço público, portanto a corrente doutrinária mais restrita.

Tomando-se em consideração os diferentes pensamentos expostos, o conceito de concessão pode ser construído como a relação jurídica contratual, regida pelo direito público, por meio da qual o poder público

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transfere ao particular o exercício de uma atividade que lhe competia realizar ou o exercício de um direito sobre bem de seu domínio.

Este conceito é amplo e considera a concessão um gênero, cujas espécies que nele podem ser abarcadas sãs as três mencionadas, sendo que a concessão de serviço público e a concessão de obra pública amoldam-se à transferência do exercício de uma atividade que competia ao poder público realizar, e a concessão de uso de bem público amolda-se ao exercício de um direito sobre bem de domínio do poder público.

Tal conceito é adequado à lição de José Cretella Júnior9, para quem “o vocábulo concessão serve para dar o gênero próximo de diversos institutos do direito administrativo que, em suas linhas gerais, apresentam um traço comum insuprimível – a transferência, pelo poder público, de algumas prerrogativas, às pessoas de direito privado.”.

Para reforço do conceito ora colocado, não é demais atentar ao conceito em sentido amplo construído por Maria Sylvia Zanella Di Pietro10:

“(...) contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais.” [negrito no original]

Nesse contexto, considera-se que a concessão de direito real de uso é apenas uma subespécie, ou seja, espécie de concessão de uso de bem público.

Percebe-se que os conceitos de serviço público, obra pública e uso de bem público qualificam o “núcleo concessão” dos conceitos de cada uma das citadas espécies, o que é reservado para os tópicos seguintes, até para se contribuir no desvendamento da natureza jurídica da concessão florestal, que, adianta-se, assemelha-se mais a uma subespécie de concessão de uso de bem público do que à concessão de serviço público.

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Feitas tais considerações iniciais, adentramos nas classificações para as várias espécies de concessão.

2. 2 Classificações de concessão

No tradicional magistério de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello11, depara-se com uma primeira classificação para o gênero concessão; a concessão translativa e a concessão constitutiva de direito.

Para o doutrinador, a primeira é “ato administrativo (...) pelo qual o concedente atribui ao concessionário inalterados os poderes e deveres que lhe cabem para exercê-los e cumpri-los em seu lugar, a fim de praticar ato jurídico” [grifo nosso]; e a segunda é “ato administrativo constitutivo de direito a concessão pela qual o concedente delega ao concessionário poderes para utilizar ou explorar bem público, mas os atribui em qualidade inferior e quantidade menor do que os tem”.

Em primeiro plano, relevante apontar que o doutrinador conceitua a concessão sempre como “ato administrativo”, portanto manifestação unilateral de vontade, e não como contrato, bilateral, estando sua classificação neste ponto prejudicada diante do entendimento doutrinário atual, o que é verificável, por exemplo, pela lição de Maria Sylvia Zanella Di...

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