A delação premiada à luz da presunção da inocência

AutorErica do Amaral Matos
CargoAdvogada criminalista, graduada em direito pela USP
Páginas26-38
26 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 657 I ABR/MAIO 2019
cAPA
Erica do Amaral Matos ADVOGADA CRIMINALISTA, GRADUADA EM DIREITO PELA USP
A DELAÇÃO PREMIADA À LUZ
DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA*
É inegável: o instituto da colaboração tornou-se realidade no
ordenamento jurídico. Indaga-se: qual será o legado deixado pela
operação Lava-Jato no universo das garantias fundamentais?
As nações somente serão felizes
quando a moral sã estiver intima-
mente ligada à política.
Contudo, leis que dão prêmio à
traição, que ateiam entre os cida-
dãos uma guerra clandestina, que
fazem nascer suspeitas recíprocas,
sempre se oporão a essa união tão
necessária da política e da moral.
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Um instrumento que de-
veria funcionar de for-
ma excepcional e res-
trita tem se tornado,
ao revés, ferramenta
para expandir o poder puniti-
vo do Estado, distanciando-se
do estado democrático de di-
reito, seja pela violação ética
do incentivo a traições, seja
pelo desrespeito a garantias
constitucionais dos cidadãos
envolvidos (ou não) naquela
operação Lava-Jato, aproxi-
mando-se, ao contrário, de um
direito inquisitorial.
Não se pretende criticar a
investigação em si. Seus mé-
ritos e sua importância são
reconhecidos, inclusive, no
julgamento de crimes e de
sujeitos que, como se sabe,
sempre estiveram à margem
da justiça criminal. Pretende-
-se, outrossim, analisar de
forma crítica e distanciada de
paixões seus efeitos e conse-
quências. Ou, em outras pa-
lavras: em havendo méritos,
qual o preço a pagar?2
1. PLEA BARGAIN X
COLABORAÇÃO PREMIADA
Plea bargain, no direito
norte-americano, é o instituto
que mais se assemelha à hoje
conhecida delação premiada
brasileira, sendo certamen-
te uma inspiração para esta.
Com origem nos países do
common law, a “barganha”
trata de um acordo entre o ór-
gão acusatório e o réu que, ao
se declarar culpado das acu-
sações, é beneficiado quando
da cominação da pena. Du-
rante essa fase pré-proces-
sual, o acusado, além de se
declarar culpado (guilty plea),
pode se declarar não culpado
(not guilty plea) ou contestar
a acusação (no contest plea).
Diferentemente do siste-
ma do civil law, adotado no
Brasil, naquele modelo anglo-
-saxão as partes têm o prota-
gonismo, restando ao juiz o
papel de fiscalização das suas
ações. Por essa razão, pode o
Ministério Público dispor do
Rev-Bonijuris_657.indb 26 22/03/2019 13:38:43

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