A Defesa jurisdicional - coletiva - dos direitos das crianças e dos adolescentes

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas191-210

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2. 1 Aspectos históricos do processo coletivo 24

É a partir da compreensão das formas extrajudiciais e/ou judiciais de defesa individual de direitos, bem como de suas respectivas falhas ou omissões, que se pode valorizar a necessidade da efetiva implantação do processo coletivo no Brasil pelo maior uso das ações coletivas na tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes.

É possível afirmar que o Poder Judiciário, ao receber a importante missão de promover a proteção coletiva da comunidade infanto-juvenil, por meio do acolhimento dos pedidos propostos nas ações coletivas assumiu a condição de instância decisiva e fundamental.

O processo coletivo assume importância na medida em que - compreendido e utilizado racionalmente - servirá como instrumento social capaz de suprir, corrigir, reforçar e implantar, por meio de decisões judiciais de largo e abrangente alcance social, medidas e atividades de conteúdo jurídico-político na defesa global e integral dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Assim, assimilar as bases do processo coletivo, sobretudo sua evolução histórica e os aspectos estruturais do paradigma norte-americano das class actions,25 torna-se imprescindível para que possa ser empregado, com mais eficiência no sistema jurídico nacional, especial-mente na defesa dos direitos ou interesses difusos e coletivos das crianças e dos adolescentes.

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Embora com pouco tempo de duração, pois data de pouco mais de 20 anos de existência no Brasil, se comparado com o processo civil tradicional, o processo coletivo, por meio das ações civis públicas patrocinadas pelo Ministério Público, sempre foi mais utilizado na defesa do meio ambiente.

A partir do comprovado sucesso na tutela ambiental, os novos paradigmas do processo coletivo ambiental foram lançados para proteção de outros interesses difusos e coletivos. Nessa vertente, as crianças e os adolescentes receberam, por meio do ECA e da CF, um excelente instrumento de proteção de seus direitos e interesses coletivos.

O processo coletivo aplicável na defesa do meio ambiente, saúde, educação, consumidor, minorias sociais, patrimônio público possui origem comum, ou seja, foi implantado no Brasil a partir das bases do sistema norte-americano das class actions. Urge, portanto, que seja conhecido e, a partir daí, empregado eficientemente na defesa dos novos direitos infanto-juvenis.

Cada país ou grupo social possui história particularizada, valores, hábitos, costumes e regras jurídicas diversas da realidade brasileira. No entanto, é possível o aproveitamento de institutos jurídicos alienígenas, embora com correções e adequação à realidade nacional. A despeito das diferenças e dos valores sociais próprios da cultura norte-americana, o processo coletivo brasileiro foi copiado do paradigma da Rule 23. A origem das ações coletivas brasileiras, portanto, e do sistema norte-americano.

Para uma idéia inicial, é possível afirmar que as ações de classe norte-americanas (class actions), conhecidas no Brasil, como ações civis públicas, na imensa maioria das vezes ajuizadas pelo Ministério Público, foram incorporadas ao sistema jurídico, por meio da Lei nº 7.347/85. É a partir da entrada em vigor da Lei da Ação Civil Pública, assim, que se pode defender a idéia do surgimento do processo coletivo brasileiro. Embora existissem outras ações de natureza coletiva, tais como a ação popular e as ações diretas de inconstitucionalidade, o marco inaugural da ruptura entre o processo civil individual e o processo coletivo, foi a existência da referida lei.

O Brasil possui razoável quantidade de ações coletivas, criadas a partir da CF. Cada uma das leis extravagantes que criaram as respectivas ações regulamentam vários e particularizados aspectos de nature-za técnica. Porém, diferentemente do processo civil tradicional, não existe processo coletivo unificado, seja por uma consolidação ou mesmo pela estruturação da matéria num Código escrito. É possível

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apontar os seguintes exemplos: ações diretas de inconstitucionalidade (ADIN), ações declaratórias de constitucionalidade (ADCT), ação popular, mandado de segurança coletivo e a ação civil pública etc. Significa dizer que, os interesses difusos e coletivos podem ser defendidos por meio de ações judiciais diversas da ação civil pública, bem como a regulamentação pode ser encontrada em várias leis esparsas.

Cada tipo de ação coletiva ensejaria uma análise mais detalhada. Porém, todas podem ser utilizadas pelos diversos operadores do Direito, resguardas as especificidades processuais e legislativas, na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, inclusive na tutela coletiva dos novos direitos.

O trabalho será concentrado na ação civil pública ou coletiva, especificando-se o enfoque para a proteção jurisdicional dos direitos e interesses jurídicos das crianças e dos adolescentes.

As ações judiciais coletivas, segundo LEAL, existiam no período medieval, há mais de 800 anos, inclusive na práxis anglo-americana. Destaca ainda o autor que, embora não possuíssem as atuais características, inclusive com relevantes diferenças em relação à forma de organização e representatividades dos grupos sociais, as bases de sua existência são bastante antigas.26Na linha histórica LEAL explica a evolução do instituto jurídico-processual a partir do sistema medieval, passando pelo sistema inglês e o norte-americano até sua inclusão no Direito brasileiro, por meio da Lei nº 7.347/85. Destaca ainda que a evolução não ocorreu de maneira regular e uniforme, sendo que ocorreram avanços e retrocessos. Somente no século XX, a partir do surgimento das ações de classe do sistema norte-americano, da necessidade de proteção dos direitos das massas e da notória insuficiência das ações de cunho individual é que as ações coletivas, passaram a ser estudadas com maior profundi-dade.27CAPPELLETTI e GARTH destacam que, incluindo a defesa dos direitos difusos como uma das ondas renovatórias do processo, apesar das falhas existentes nas ações de classe do sistema norte-americano em virtude da ligação política dos autores coletivos com os entes estatais, dos custos econômicos e das dificuldades doutrinárias no trata-

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mento da matéria, ainda constituem excelente paradigma para os demais países, inclusive o Brasil.28No tocante à origem, em relação à similar portuguesa denominada de ação popular, equivalente à ação civil pública brasileira, ensina MARTINS:

"É afirmado pela generalidade da doutrina que as origens da class actions de direito americano se encontram na regra da equity inglesa que admitia, perante hipóteses em que o número de pessoas interessadas na lide fosse tão amplo que tornasse efectivamente impraticável a participação de todos no processo ou quando numerosos sujeitos se encontrassem na mesma situação jurídica perante um adversário comum, a possibilidade que alguns sujeitos participassem no processo como representantes de classe e a extensão do caso julgado a todos os membros dessa classe, mesmo que não tivessem participado de facto no processo (...)29"

Identificada a origem histórica - produto do sistema legislativo norte-americano - da ação civil pública, uma das mais utilizadas ações coletivas, principalmente pelo Ministério Público, é preciso compreender o sistema legislativo vigente nos Estados Unidos da América do Norte para que o sistema brasileiro de tutela coletiva, especialmente voltado para a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, adquira maior eficiência.

Antes, é preciso lembrar que o processo coletivo brasileiro como um dos meios de proteção e defesa dos novos direitos difusos e coletivos, por meio da ação civil pública, é relativamente novo e, ainda, de pouco emprego no plano jurisdicional. No plano doutrinário, começou a ser discutido, com mais intensidade e cientificidade, a partir da década de 1970, sobretudo pela difusão no Brasil, dos estudos de CAPPELLETTI e GARTH.30DINAMARCO aponta os seguintes requisitos inerentes às três principais ações de classe norte-americanas, a partir do aprofundado estudo da Rule 23. Destaca inicialmente que os requisitos legais de cada ação coletiva variam nos diferentes Estados da federação norte-americana. Porém assegura que as bases dos sistemas estaduais são traçadas a partir do modelo federal em vigor, desde 1966, por meio da edição da Rule 23. Em seguida, ensina que as ações de classe - ajuiza-

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das primeiramente com pedido individual e posteriormente transfordas primeiramente com pedido individual e posteriormente transformada pelo juiz de Direito em ação com pedido coletivo - possuem os seguintes requisitos: existência de classe numerosa de pessoas e impraticabilidade de reunião dos membros; existência de questões comuns de fato e de direito; pedidos idênticos dos integrantes das numerosas classes; presença de representante adequado da classe, tanto no pólo ativo como no pólo passivo das relações estabelecidas juridicamente.31No plano legislativo brasileiro, foram a ação popular (1965)32 ea ação civil pública ambiental (1981)33 os marcos regulatórios iniciais de sua existência. Nos termos já apontados, foi com a entrada em vigor da LACP (1985) que teve início a regulamentação legislativa das bases iniciais do processo coletivo.

Com a entrada em vigor da CF (1988), do CDC (1990)34 edoECA (1990) o processo coletivo brasileiro recebeu melhor tratamento legislativo-processual, inclusive com maior força, decorrente de sua inclusão no texto constitucional vigente. Assim, a base operacional de qualquer ação coletiva deve conjugar as normas da CF, LACP, CDC e do ECA.

Em relação à defesa coletiva dos novos direitos das crianças e dos adolescentes, muito embora seja antiga a necessidade do respectivo instrumento jurisdicional de proteção...

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