Defensor do povo: origens do instituto do Ombudsman e a malograda experiência brasileira

AutorHelga Maria Saboia Bezerra
CargoDoutoranda na Universidad de Oviedo (España); Especialista em 'Derecho Español para Juristas Extranjeros' pela Universidad de Alcalá de Henares - España (2006)
Páginas46-73
Defensor do Povo: origens do instituto do
Ombudsman e a malograda experiência
brasileira
Helga Maria Saboia Bezerra*
1. Introdução
O objeto abordado neste trabalho está completando este ano duas centú-
rias. O primeiro ombudsman viu a luz através da Constituição sueca de 1809.
Para que a original f‌igura jurídica fosse conhecida extramuros, grandes
distúrbios tiveram que ocorrer. De fato, terminada a Segunda Guerra Mun-
dial, arrasados os países europeus pelo conf‌lito, surge um novo modelo
estatal. Persegue-se um alto nível de bem-estar social, proporcionado por
um Estado de grandes dimensões, encarregado de prestar diretamente o
máximo de serviços ao cidadão.
Importante conquista do século XX, esta ampliação do rol de servi-
ços públicos signif‌icou, entretanto, uma restrição da liberdade individual.
À expansão da estrutura da Administração pública correspondeu-lhe um
aumento de seus poderes discricionários, projetando-se sobre um número
cada vez maior de aspectos da vida do cidadão, ao qual a Administração
tentava controlar e dirigir constantemente.
Em consequência desse intervencionismo estatal, foram crescendo, em
similares proporções, os motivos de queixa sobre a conduta burocrática
dos Estados modernos. Desta maneira, a instituição do ombudsman cons-
* Doutoranda na Universidad de Oviedo (España); Especialista em “Derecho Español para Juristas Extran-
jeros” pela Universidad de Alcalá de Henares - España (2006); Graduada em Psicología (1993) e directo
(1998) pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Email: helgamsb@hotmail.com.
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tituiu-se em uma das mais importantes respostas para contra-arrestar os
perigos de uma cada vez mais tirânica Administração pública e garantir os
direitos e liberdades individuais.
No Brasil, desde os anos noventa do século passado, tem-se visto um
movimento de ombudsmania, com o surgimento de centenas de ouvidores
e ombudsmen públicos e privados.
Esta situação reclama um esclarecimento acerca dos limites deste ins-
tituto em sua gênese – o Ombudsman parlamentar sueco –, com o intuito
de demonstrar que, se foi adotado com certas modif‌icações pela maioria
dos países democráticos do mundo – inclusive em âmbito supra-estatal,
na f‌igura do Ombudsman Europeu –, no Brasil ainda não chegou, apesar de
que instituições de todo tipo tenham brotado aqui e ali, utilizando sua de-
nominação, reivindicando sua similaridade. A isso se propõe este trabalho.
2. A difícil conceituação de ombudsman
Desde que, em 1966, Walter Gellhorn publicou dois signif‌icativos
livros sobre o então já famoso grievance man1Ombudsmen and Others:
Citizen’s Protector in Nine Countries e When Americans Complains: Gover-
namental Grievance Procedures – a literatura mundial sobre o tema não
parou de multiplicar-se, à medida que mais e mais países incorporavam
o instituto.
Nos primeiros anos da década de setenta, dizia um autor francês, fa-
zendo menção detalhada das obras que, então, já enchiam as estantes das
bibliotecas sobre o tema: “A literatura jurídica consagrada ao ombudsman
alcança hoje dimensões consideráveis”2.
Nos últimos quarenta anos, foi tal a derivação do ombudsman aos mais
diversos países e às mais variadas línguas, que a tarefa de tentar oferecer
uma def‌inição unívoca do mesmo é praticamente impossível.
O estudo do tema mostra-se, assim, extremamente sutil e complexo,
como o é todo objeto do Direito comparado. Exige, desde o início, uma de-
limitação do campo de análise, que deve ser realizada desde a perspectiva
de bem def‌inidos contextos. Para compreender isto, basta olhar os índices
1 TIME, 1959.
2 LEGRAND, 1973, p. 851. [Tradução da autora deste artigo]
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