A execução das decisões emanadas da Corte Interamericana de direitos humanos e do sistema jurídico brasileiro e seus efeitos

AutorJuliana Corbacho Neves dos Santos
CargoGraduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia e mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília, linha de pesquisa proteção internacional à pessoa humana. É advogada da União desde 2003, lotada na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, onde atua na Assessoria Internacional
Páginas261-307
DOI: 10.5102/prismas.v8i1.1327
A execução das decisões emanadas da Corte
interamericana de direitos humanos e do
sistema jurídico brasileiro e seus efeitos
Juliana Corbacho Neves dos Santos1
Resumo
Em caso de conito material entre o conteúdo de uma decisão emanada
da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o de uma decisão prolatada pelo
Supremo Tribunal Federal, que versem sobre o mesmo objeto, qual deles produzirá
efeitos no Direito brasileiro? A Lei n° 6.683, de 1979, ou Lei da Anistia, foi exami-
nada pela instância internacional e pelo Supremo Tribunal e, como se evidenciou,
as decisões divergiram sobre a sua aplicação, notadamente quanto à punição dos
agentes que praticaram as violações de direitos humanos. Qual dessas decisões será
levada a produzir efeitos no plano interno, em detrimento da outra? Pretendo veri-
car as relações travadas entre as instâncias internacional e interna e propor cami-
nhos para responder a algumas questões postas e aferir se o sistema jurídico brasi-
leiro está apto a receber uma decisão internacional desaadora e que solução seria
possível ou provável. Assim, a hipótese deste estudo centra-se na necessidade de
norma que regule as relações existentes entre as duas instâncias. Para tanto, serão
utilizadas algumas ferramentas da teoria dos sistemas e serão analisadas normas de
outros países que tratam do tema. Anal, como poderia ser descrita a relação entre
Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos e ordenamento jurídico
brasileiro? Integração, interação ou antinomia?
Palavras-chave: Direito Internacional. Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos. Direitos humanos. Justiça internacional.
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia e mestranda em Direito
pelo Centro Universitário de Brasília, linha de pesquisa proteção internacional à
pessoa humana. É advogada da União desde 2003, lotada na Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, onde atua na Assessoria Internacional.
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Juliana Corbacho Neves dos Santos
1 Apresentação do tema
Em caso de conito material entre o conteúdo de uma decisão emanada
da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o de uma decisão prolatada pelo
Supremo Tribunal Federal, que versem sobre o mesmo objeto, qual deles produzirá
efeitos no Direito brasileiro? A resposta a essa questão não é tão simples quanto
pode parecer à primeira vista. Se o objeto dessas decisões for uma questão sobre a
qual o país estava debatendo, em meio a muitas posições conitantes, e ainda não
havia chegado a um entendimento compartilhado por uma boa parte das pessoas,
das instituições e dos órgãos públicos, como esses dois órgãos, um internacional,
outro nacional, lidariam com a controvérsia entre eles? Parece que a situação pode
se complicar ainda mais, dependendo do objeto do conito.
Em 26 de março de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
submeteu à apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos o Caso “Julia
Gomes Lund e Outros” (Guerrilha do Araguaia), que estava sob sua análise desde 7
de agosto de 1995. Conforme alegado pelos peticionários, a denúncia versou sobre
a detenção ilegal e arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de pelo menos 70
membros do movimento conhecido como Guerrilha do Araguaia entre os anos de
1972 e 1975 e da consequente falta de investigação desses atos, o que se relaciona
com a edição da Lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979, Lei da Anistia, e com o si-
gilo permanente sobre documentos a respeito dessa operação estatal. Em 2008, a
Comissão Interamericana emitiu o relatório de mérito do Caso, no qual formulou
recomendações ao Estado brasileiro. Por entender que as suas recomendações não
haviam sido cumpridas a contento, posteriormente, decidiu encaminhar o Caso à
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou audiência nos dias
20 e 21 de maio passado, na qual foram ouvidos os representantes das vítimas, suas
testemunhas e peritos, os representantes da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e os representantes do Estado brasileiro e, igualmente, suas testemunhas
e peritos. Cada parte apresentou suas razões e a Corte Interamericana passou à
elaboração da sentença.
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Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 8, n. 1, p. 261-307, jan./jun. 2011
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Em 14 de dezembro de 2010, foi divulgada pela Corte a decisão prolatada
no Caso em exame, datada de 24 de novembro de 2010. Quanto às questões pre-
liminares invocadas pelo Estado, a Corte Interamericana reconheceu parcialmen-
te apenas uma delas, para declarar a sua competência a partir da data em que o
Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte, ou seja, a partir de 10 de
dezembro de 1998. Com isso, o exame de mérito sobre os fatos referiu-se àqueles
ocorridos após essa data.
O Brasil foi condenado nessa decisão pelo desaparecimento forçado das
pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia e, portanto, pela violação aos
direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3), à vida (artigo 4), à
integridade pessoal (artigo 5) e à liberdade pessoal (artigo 7), bem como pela vio-
lação aos direitos às garantias judiciais (artigo 8) e à proteção judicial (artigo 25),
em razão da interpretação que foi dada à Lei da Anistia, que impediu a investigação
dos fatos e a punição dos responsáveis pelas condutas indicadas, e da demora na
tramitação da Ação Ordinária n° 82.0024682-5.
Em razão das violações das disposições da Convenção Americana sobre Di-
reitos Humanos apontadas, a Corte determinou que o Estado deve adotar medidas
para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identicar
os seus restos mortais e oferecer tratamento psicológico ou psiquiátrico às vítimas,
mediante requerimento, custeado pelo Estado. Foi determinada também a publi-
cação da íntegra da decisão no Diário Ocial e em um sítio eletrônico do Estado,
devendo car disponível na internet pelo período de um ano. A decisão deve ser
disponibilizada, em formato de um livro eletrônico, também em um sítio do Esta-
do. O resumo ocial da sentença proferida pela Corte deve ser publicado em um
jornal de ampla circulação nacional. Essas providências de divulgação da sentença
devem ser adotadas no prazo de seis meses, contados da data de noticação do
Estado.
Segundo a decisão, o Estado deve realizar um ato público de reconheci-
mento da responsabilidade internacional pelas violações indicadas no Caso, uma
cerimônia pública, com a presença de altas autoridades nacionais e das vítimas
do Caso, devendo o Estado acordar com elas as circunstâncias da cerimônia, que

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