O debate sobre a constitucionalidade da execução das contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho

AutorMario Augusto Carboni; Carlos Alexandre Domingos Gonzales
CargoProcurador da Fazenda Nacional em Ribeirão Preto; Procurador da Fazenda Nacional em Ribeirão Preto/SP
Páginas1-12

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1 - Introdução

A questão da constitucionalidade da execução das contribuições previdenciárias de ofício pela Justiça do Trabalho é tema palpitante desde as modificações trazidas pela Emenda Constitucional n. 20/98, que acrescentou o parágrafo 3º, ao art. 114 da Carta Magna, regra hoje constante do inciso VIII do mesmo artigo por força da Emenda Constitucional n.º 45/2004, estabelecendo ser competente a Justiça do Trabalho para execução de ofício das contribuições sociais decorrentes dos seus julgados, bem como diante da edição da Lei 10.035/00 que alterou a CLT, tencionando estabelecer os procedimentos para realização segura desta nova competência pela Justiça Laboral.12

Ressalte-se que, como toda inovação e alteração legal-constitucional, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho em decorrência do inciso VIII, do art. 114, da Carta Magna de 1988, e da regulação de seus procedimentos estabelecidos pela Lei 10.035/00, são objeto de ampla discussão na seara juslaboralista, havendo vários aspectos e pontos polêmicos sobre a referida temática, que ora serão abstraídos para uma abordagem concentrada no terreno da constitucionalidade.

O debate da constitucionalidade da execução das contribuições previdenciárias no contexto da Justiça do Trabalho é realizado na esteira de uma análise crítica dos fundamentos subjacentes a cada concepção dissonante, concernentes às teses que Page 2 sustentam, de um lado, a constitucionalidade, e de outro, a inconstitucionalidade da cobrança de ofício pelo juiz do trabalho das contribuições sociais previdenciárias atinentes às sentenças que proferir, na conformidade do quanto propugnado pelo Poder Constituinte Reformador de 1998 e 2004.

Diante do conhecimento a respeito do embate teórico sobre a validade jurídicoconstitucional da competência da Justiça do Trabalho estampada no inciso VIII do art. 114 do Texto Maior, é possível estabelecer uma crítica sustentável no sentido de ser revelada uma razoável interpretação que possa atender ao direito fundamental resvalado pela investigação da proporcionalidade e ponderação dos bens e valores ligados à execução de ofício das contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho.

Torna-se oportuno esclarecer que o tema em lume e as considerações jurídicas apresentadas neste ensaio comportam inquestionável relevância social e política, na medida em que a execução das contribuições sociais previdenciárias se insere na esteira da preservação da higidez do custeio da Seguridade Social brasileira, especialmente da Previdência Social como direito fundamental, que garante, em última análise, os direitos previdenciários do trabalhador, representados pela concessão dos benefícios por morte, invalidez, idade avançada, proteção à maternidade e à gestante, proteção do trabalhador em desemprego involuntário, salário-família e auxílio-reclusão aos dependentes do trabalhador segurado de baixa renda, bem como pensão por morte.

2 - Breve histórico legislativo

O Estado pós-moderno revela nos últimos tempos uma preocupação acirrada em aperfeiçoar os meios legais necessários para evitar a sonegação fiscal, mormente quando se trata de garantir a sanidade das contas da Seguridade Social, tendo inclusive se utilizado das tipificações penais, como é o caso da Lei nº 9.983/2000 que, entre outros temas, trata da "Apropriação indébita previdenciária" (art. 168-A, do Código Penal) e da "Sonegação de contribuição previdenciária" (art. 337-A, do Código Penal).

No âmbito desta diretriz estatal, o processo trabalhista tratou de ser prontamente eleito para o mister de garantir a arrecadação das contribuições previdenciárias relativas aos julgamentos proferidos pela Justiça do Trabalho, e o instrumento normativo precursor foi a Lei nº 8.620/93 ao dispor que "o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social".

Todavia, com essa determinação legal, o magistrado trabalhista não detinha a necessária competência para sancionar a conduta omissiva do responsável pelo recolhimento das contribuições sociais previdenciárias.

O sentido do termo "determinará" se esgota na simples determinação. Ora, havendo Page 3 omissão, ao juiz caberia apenas notificar o órgão previdenciário (art. 44, Lei nº 8.212/91) a quem cabiam os procedimentos administrativos vinculados, nos termos dos arts. e 142 do Código Tributário Nacional, e a cobrança judicial da dívida ativa, com esteio na Lei nº 6.830/60, perante a Justiça Federal (art. 109, I, CF/88).

Ocorre que em 16 de dezembro de 1998, o Poder Constituinte Reformador determinou o acréscimo do § 3º ao artigo 114 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 20, o juiz do trabalho passou a deter a competência para "executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

Acresça-se que a Emenda Constitucional n.º 45, de 08 de dezembro de 2004, que tratou da "Reforma do Judiciário" e ampliou a competência da Justiça do Trabalho, manteve o mesmo teor do quanto disposto no mencionado § 3º do artigo 114 da Constituição Federal, transpondo a sua redação para o inciso VIII do mesmo artigo.

Cumpre anotar que as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e 195, II, ambos da Constituição Federal, referem-se às contribuições previdenciárias, a cargo respectivamente do empregador e do trabalhador, e que representam uma das formas de custeio da Seguridade Social.

As contribuições do empregador, denominadas de contribuições patronais, são aquelas incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe presta serviço, mesmo sem vínculo empregatício, como é o caso dos trabalhadores avulsos, os quais, apesar de não terem vínculo de emprego, também se inserem na competência da Justiça do Trabalho (art. 643 e 652, alínea "a", inciso V, da CLT). Já as devidas pelo trabalhador são extraídas da sua remuneração pelo empregador e por este recolhidas aos cofres da Seguridade Social.

Assim, diante da mencionada alteração do texto constitucional, o termo "determinará" passou a compreender não só o mandamento para o cumprimento da obrigação de fazer, qual seja, o recolhimento das contribuições sociais previdenciárias, como também a necessária sanção em caso de omissão.

A inovação constitucional, todavia, traz a lume diversas questões intrincadas para o debate doutrinário, e que têm imediatos reflexos na jurisprudência, relacionadas à constitucionalidade da própria alteração promovida pelo Poder Constituinte Derivado (art. 114, VIII, CF/88), bem como às contribuições previdenciárias executáveis pela Justiça do Trabalho em face do sentido da expressão "decorrentes das sentenças que proferir" e à natureza do próprio título executivo que ampara a execução.

Feitas essas considerações iniciais sobre a evolução legislativa e abstraídos os debates Page 4 infraconstitucionais decorrentes da execução de ofício das contribuições previdenciárias pelo juiz do trabalho, os quais são ligados especialmente à seara processual, passa-se nas linhas seguintes ao delineamento do tema central desta exposição.

3 - A inconstitucionalidade da execução das contribuições previdenciárias de ofício pelo juiz do trabalho

Os defensores da inconstitucionalidade da execução de ofício das contribuições previdenciárias pelo magistrado do trabalho, utilizam-se de interpretações jurídicas que para eles evidenciam, em síntese, haver a quebra da imparcialidade do juiz, a afronta aos princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal e da separação de poderes, esta no que tange ao início de ofício pelo magistrado da execução para cobrar as contribuições sociais, o qual estaria atuando assim, em tese, como parte.

Com relação à ofensa ao princípio da separação dos poderes, propugna a tese sobre a inconstitucionalidade ora em análise, que a Emenda Constitucional n.º 20/98, ratificada pela Emenda Constitucional 45/04, ao determinar que o magistrado do trabalho, de ofício apure as contribuições previdenciárias antes de executá-las, no sentido de realizar o respectivo lançamento, faz com o que o juiz invada esfera privativa do Executivo, porquanto o lançamento é ato típico da Administração, violando assim o princípio constitucional da separação dos poderes.

Sobre a matéria, manifesta-se Manuel Teixeira Filho3...

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