Contabilização de debêntures perpétuas com participação nos lucros. o 'caso tec toy

AutorEliseu Martins - Alexsandro Broedel Lopes
Páginas267-279

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A Consulta

Indaga a Consulente quanto à contabilização de suas debêntures perpétuas com participação nos lucros emitida por companhia aberta.

Essas debêntures têm a característica de não serem passíveis de liquidação por deliberação dos credores na continuidade da empresa e têm direito, como única remuneração, a determinada participação nos lucros.

São, pois, debêntures com condições atípicas.

Resumo do Parecer

Nosso Parecer é que debêntures perpétuas com remuneração baseada unicamente na participação dos lucros da emissora não deve ser contabilizada no grupo de exigibilidades. Inicialmente, entendemos que esse tipo de instrumento financeiro não possui a característica essencial para a classificação como passivo, que é sua exigibilidade em data futura. Exigibilidade do principal ou dos juros. No caso es-pecífico da Consulente temos um título atípico no mercado financeiro que é a debênture perpétua que remunera seus detentores única e exclusivamente com participação nos resultados da emissora. O principal do referido título somente será exigido no caso de insolvência da emissora. No entanto, pelo postulado contábil da continuidade, os procedimentos contábeis na empresa devem ser realizados dentro da premissa de que a empresa continuará suas operações normalmente. Ou seja, dentro da continuidade normal da empresa, o principal das referidas debêntures não é exigível -assim, não pode ser contabilizado como passivo.

Baseamos nossas conclusões na análise da literatura contábil nacional e internacional. Analisamos as normas contábeis brasileiras por intermédio da Resolução n. 750 do Conselho Federal de Contabilidade, a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade emitida pelo IPECAFI e referendada pelo Ibracon e Deliberação CVM n. 29/86, bem como pela legislação societária pátria. Analisamos, ainda, as normas do International Accounting Standards Board (IASB)

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e do Financial Accounting Standards Board (FASB).

Concluímos assim que as referidas debêntures devem ser classificadas dentro do grupo do patrimônio líquido uma vez que esses títulos somente revestem o detentor de direitos residuais sobre os lucros da empresa, não permitindo outro tipo de direito ou demanda sobre seus ativos. As debêntures não têm prazo de vencimento (são perpétuas), não ensejam nenhum tipo de pagamento periódico e somente poderão ser resgatadas a critério da emissora. O debenturista não possui qualquer outro direito sobre ativos ou fluxo de caixa da empresa emissora. A emissora somente pagará participação no resultado aos debentu-ristas quando houver lucro. Ou seja, o principal não é exigível em condições normais. A única hipótese para pagamento do principal é a insolvência da emissora. Ocorre que a contabilidade é realizada dentro da presunção de continuidade. Ou seja, todo o processo contábil é realizado assumindo que a empresa continuará em operação por tempo indeterminado. Os ativos, por exemplo, são contabilizados pelo custo histórico e não pelo valor de realização - o que seria o caso se a empresa fosse avaliada em condições de liquidação. Assim, não faz sentido reconhecer um passivo que somente será exigido em caso de descontinuidade para a empresa. Muitas ações preferenciais têm preferência de recebimento no valor residual na extinção da sociedade, e nem por isso são classificadas como passivo exigível. No Brasil, mesmo as ações preferenciais resgatáveis são assim reconhecidas. O direito dos debenturistas é nitidamente residual uma vez que para que seja apurado resultado - base para a remuneração eventual - são deduzidas as participações dos outros interessados (como as despesas de juros referentes aos credores da empresa).

Dentro das Normas Internacionais de Contabilidade - direção para a qual a contabilidade brasileira caminha inexoravelmente - as demonstrações contábeis devem representar a realidade econômica subjacente às transações e não sua forma jurídica. O caso em questão ilustra bem esse ponto. A transação realizada pela Consulente não é trivial e, portanto, merece um entendimento cuidadoso. A forma do título é o de um instrumento de dívida - debêntu-re. No entanto, suas características econômicas fazem com que se assemelhe muito mais a um instrumento de capital. Assim, entendemos que essa deverá ser sua contabilização. A contabilização do referido título como instrumento de dívida irá distorcer de forma significativa a realidade econômica da empresa representada por suas demonstrações contábeis. Seu balanço patrimonial irá representar uma dívida que de fato não existe, comprometendo assim todas as análises subsequentes realizadas com base em suas demonstrações.

Entendemos, assim, que a maneira mais adequada de contabilizar esses títulos emitidos pela Consulente é dentro do patrimônio líquido e não como elemento componente de suas exigibilidades.

A análise e O Parecer
I Introdução

A Consulente informa que emitiu debêntures perpétuas dentro de três séries com as seguintes características:1

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Indaga a Consulente a respeito de qual o adequado tratamento contábil para as referidas debêntures. Especificamente, a Consulente questiona se os referidos títulos devem ser classificados dentro do grupo de exigibilidades no passivo ou como parte integrante do patrimônio líquido. Neste Parecer analisaremos essa questão detalhadamente.

Na próxima seção discorreremos a respeito das características essenciais do título emitido e suas particularidades. Essa seção se faz necessária devido às características ímpares do título emitido pela Consulente que demanda análise cuidadosa para que sua essência possa ser determinada.

Na terceira seção discorreremos acerca do tratamento dos referidos títulos dentro das normas contábeis brasileiras e internacionais.

Na quarta e última seção concluímos o Parecer.

II Caracterização do título emitido pela Consulente - Debênture perpétua com participação nos lucros

O caso específico envolve transações com instrumentos financeiros que possuem características de capital e de dívida con-comitantemente. Consideramos que esse tipo de transação pode envolver relativa complexidade conceitual, o que demanda detalhamento cuidadoso de suas características operacionais para que uma compreensão equivocada de sua essência econômica não gere uma interpretação errônea quanto à sua natureza contábil. Como entendemos que o objetivo de toda análise contábil é respeitar a lógica dos fatos, entendemos que alguns esclarecimentos sejam necessários.

Nesse sentido concorda o Professor Dr. Heleno Taveira Tôrres2 quando discute a complexidade técnica das operações realizadas no mercado financeiro:

"Todo esse conjunto de instrumentos financeiros, de negócios bursáteis e de operações com as entidades de previdência privada complementar, na natural complexidade que os envolvem, quando relacionados com a aplicação da legislação tributária, vê ampliadas suas problemáticas, em virtude dos conflitos entre os critérios de qualificação e inovação dos contratos atípicos. Difícil conflito de valores, cujo equilíbrio exige evidente esforço de qualificação técnica,3 pois, de um lado, a garantia constitucional de autonomia privada reclama liberdade contratual e segurança jurídica, pelo respeito à força normativa dos contratos; e de outro, o exercício de uma tribu-

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tação fundada nos princípios da legalidade estrita e de excessiva formalidade, a cobrar identificação objetiva dos distintos efeitos de cada um dos negócios jurídicos e sujeitos envolvidos" (grifos acrescentados).

Apesar de referir-se ao direito tributário, entendemos que os comentários do ilustre jurista se aplicam a todos os ramos do direito que envolvem operações complexas com contratos atípicos. Nesse mesmo sentido, o Professor Heleno continua nos ensinando como o conhecimento limitado da essência econômico-financeira dos negócios realizados no mercado financeiro pode levar a entendimentos equivocados sobre sua real natureza:

"Somente uma precisa caracterização dos conteúdos de tais negócios pode assinalar o reconhecimento da prevalência ou não dos conceitos e formas do direito privado no âmbito da tipificação tributária, definindo assim, os limites de equiparações ou terminologias sobremodo genéricas usadas com frequência pela legislação quando não de desconsiderações de atos ou negócios jurídicos fundados exclusivamente na desconfiança ou no simples desconhecimento dos critérios ou formas de diversas possibilidades de operações.4 Estamos, portanto, no estudo dos limites entre a autonomia privada e o exercício de competên-cias tributárias.

"Identifica-se, assim, o principal desafio posto aos estudiosos dessas searas, pelas exigências de coincidir os valores da legalidade em matéria tributária ante aquela natural vocação inovadora da autonomia privada, haja vista a grande quantidade de negócios atípicos e a presença de negócios fiduciários ou indiretos por razões eminentemente lícitas e mercadológicas, estimulados pela necessária criatividade dos seus agentes, com a finalidade de inovar a carteira dos produtos, acomodar-se às mudanças e oferecer aos respectivos clientes maior confiança e rentabilidade...

"Ao fim e ao cabo, o que se tem, em matéria tributária, são grandes incertezas e considerável insegurança jurídica para os operadores e usuários dos diversos contratos e atos promovidos nesses segmentos. E o melhor exemplo disso revela-se na dificuldade enfrentada pelos diversos julgadores, em processos administrativos ou judiciais, quanto à adequada compreensão das peculiaridades encontradas e especialidades da matéria" (grifos acrescentados).

Dentro desse conceito, entendemos essencial...

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