Das perdas e danos

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas341-352

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27. 1 Introdução

Como sabemos, nunca é demais repetir o princípio estampado pelo art. 389 do CC, in verbis: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado". Perdas e danos representam os prejuízos e os danos causados pelo descumprimento obrigacional. Mas deverá ser uma atuação culposa do devedor para que possa ser responsabilizado. "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior", diz o art. 393 do CC, salvo se expressamente se responsabilizou por eles.

Portanto, se houver inadimplemento culposo por parte do devedor, surge o dever de indenizar, de reparar o dano, o prejuízo. Analise um exemplo prático que se encontra publicado pela Revista dos Tribunais, vol. 446, p. 69, que se situa no âmbito da culpa contratual: O proprietário de um terreno

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promete a uma associação de caráter religioso a doação daquele em troca da restauração de uma capela. O encargo é atendido, mas o promitente doador vende o terreno a terceiro, descumprindo a obrigação.

A associação comparece perante o juiz pleiteando a anulação da venda e as perdas e danos; o tribunal concedeu-lhe a última pretensão.

Transcrevo parte do acórdão:

"Como ficou acentuado na sentença, desde que a doação exigia a outorga uxória (art. 235, - novo, art. 1.647 - nº I, do CC) e sua lavratura por instrumento público (art. 541), possível era o arrependimento do promitente doador, "ressarcidas as perdas e danos resultantes do arrependimento" (art. 1.088), especialmente tratando-se de contrato benéfico, dependente da generosidade do doador.

Admissível o arrependimento, mas incabível a anulação da venda posteriormente feita, o que implicitamente resolve também a questão atinente à venda do que a autora considera ser um "cemitério", restando, portanto, à mesma tão-somente reclamar as perdas e danos a que se refere o dispositivo legal por último citado, tal como ficou decidido.

Essas perdas e danos, que representam indenização objetiva-da, correspondem às despesas feitas com as obras da restauração da capela, ao custo atual, não tendo cabimento as demais parcelas enumeradas nas razões de fls. - pela autora apelante, senão os honorários de advogado que a sentença exclui".

27. 2 Conceito

As perdas e danos são uma conseqüência do inadimplemento culposo do devedor. Representam os prejuízos sofridos pelo credor decorrentes do inadimplemento da obrigação do devedor. Significam, enfim, os prejuízos, os danos causados em virtude do descumpri-mento da obrigação.

Dano, no entendimento de Clóvis Beviláqua, "é toda diminuição dos bens jurídicos da pessoa. Se recai essa diminuição, diretamente, sobre o patrimônio, o dano é patrimonial; se fere o lado íntimo da personalidade (a vida, a honra, a liberdade), é moral".281

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Perdas e danos, portanto, vêm a ser a indenização282pecuniária que o devedor é obrigado a pagar pelo não-cumprimento das obrigações em face dos prejuízos sofridos pelo credor. "São as perdas e danos, portanto, - ensina Caio Mário da Silva Pereira - o equivalente ao prejuízo que o credor suportou, em razão de ter o devedor faltado, total ou parcialmente, ou de maneira absoluta ou relativa, ao cumprimento da obrigação".283E continua o acatado e saudoso mestre: "A este prejuízo, que corresponde à perda de um valor patrimonial, pecuniariamente determinado, costuma-se designar como dano matemático ou dano concreto".284"Rompi-mento do noivado autoriza perfeitamente o direito de indenização por perdas e danos, tendo em vista prejuízos sofridos e gastos para realização das núpcias frustradas, dispêndios estes que devem ser levados ao débito da parte causadora do evento, pelo princípio de que quem der causa a dano de outrem deve repará-lo" (in RT 461/214).

27. 3 O dano moral

"O vício do produto ou serviço, ainda que solucionado elo fornecedor no prazo legal, poderá ensejar a reparação por danos morais, desde que presentes os elementos caracterizadores do constrangimento à esfera moral do consumidor. Se o veículo zero-quilômetro apresenta em seus primeiros meses de uso, defeitos em quantidade excessiva e capazes de reduzir substancialmente a utilidade e a segurança do bem, terá o consumidor direito a reparação por danos morais, ainda que o fornecedor tenha solucionado os vícios do produto no prazo legal" (in RT 818/168).

Existem direitos fundamentais que se encontram arrolados no art. 5º da CF. São direitos fundamentais imodificáveis e inatingíveis pelo poder derivado através de emenda constitucional. Significa que não pode haver reforma, porquanto constituem cláusulas pétreas nos termos do § 4º do art. 60. Somente por meio de outro poder constituinte originário que será possível.

Atualmente, a tendência é, pois, no sentido de admitir o ressarcimento pelo dano moral, pois este afeta a mente, a reputação da vítima e não somente o patrimônio. "A nós, - escreve Caio Mário da Silva Pereira - que nos inscrevemos entre os que admitem a indenização do dano moral, não satisfaz plenamente a idéia de restrição à reparabilidade, que admitimos mais

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ampla".285Eis o que diz o art. 5º, inc. V da CF: "É assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem". Veja, ainda, o inc. do art. 5º da CF: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Como o dano moral afeta a mente, a reputação da vítima, mas não o patrimônio, não está em função do descumprimento de um contrato, mas em razão da responsabilidade extra-contratual.

Muito oportuna a observação do Prof. Sílvio de Salvo Venosa a respeito do dano moral. Eis suas palavras: "Era contraditório dizer, como fez nossa jurisprudência, que só é indenizável o dano moral se apresentasse reflexos patrimoniais. Se há reflexos patrimoniais, o dano é patrimonial. Não é porque o dano exclusivamente moral é difícil de ser avaliado economicamente que deve ser deixado de lado. Como já dissemos a respeito dos danos em geral, no tópico anterior, raramente a indenização substitui exatamente o dano sofrido. Geralmente, é um simples lenitivo para o credor não satisfeito. Também o dano moral funciona exatamente assim. Qual seria o sentido, então, de se proporcionar a indenização a uma paciente de cirurgia plástica, afetada em sua beleza pela imperícia do cirurgião? É claro que, se essa vítima fosse uma atriz, os danos seriam mais palpáveis. Mas o prejuízo estético afeta o psiquismo e a conduta social de qualquer pessoa, uns mais, outros menos. Uma indenização minora esse sofrimento. Nosso próprio Código Civil, do início do século, já dá um parâmetro absolutamente equilibrado para uma indenização moral, no artigo 1.548. Diz que a mulher agravada em sua honra tem direito de exigir do ofensor „um dote correspondente à sua própria condição e estado?. Trata-se de típica indenização por dano exclusivamente moral".286Aliás, atualmente a doutrina e a jurisprudência entendem ser o objetivo do contrato médico é uma obrigação de meio. Entretanto, quando se trata de cirurgia plástica visando ao embelezamento, à estética, essa obrigação de meio transforma-se em obrigação de resultado.

O dano moral, - escreve José Lopes de Oliveira - ao contrário do dano material, não é conversível em dinheiro. Mas com o ressarcimento do dano moral visa-se proporcionar ao ofendido uma satisfação, "e o único critério razoável para avaliá-lo é o arbítrio judicial, de que não nos devemos arrecear", restrito como fica ao mister, por excelência, das atribuições do Juiz, de

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completar ou integrar a lei, afeiçoando-a ao caso concreto".287"Em se tratando de danos morais, a fixação feita pelo julgador é tão merecedora de acatamento quanto o arbitramento que possa ser feito...

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