Das partes e dos procuradores

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas82-124
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Comentário
Reprodução, quase literal, do art. 7º do CPC re-
vogado.
Conceito
Derivado do latim pars, partis, o vocábulo parte
sugere a ideia de porção, de elemento fragmentário
de um todo. No campo especíco da terminologia
jurídica signica “os sujeitos do contraditório insti-
tuído perante o juiz”, segundo Liebman (Manualle
di dirio processuale civile. Milano: Giurè, I, n. 41, p.
75). Apesar de o juiz ser também sujeito do proces-
so, a qualidade de parte está restrita às pessoas que
possuem interesses manifestados na causa. O ma-
gistrado, como órgão estatal, não tem a sua atuação
no processo impulsionada por algum interesse (que
se ligue a bens ou a utilidades da vida), mas, sim,
pelo indeclinável poder-dever de ministrar a tutela
jurisdicional necessária para promover a defesa de
direito ou interesse dos litigantes. Sob este aspecto,
é correto asseverar que o juiz é sujeito desinteressado
do processo.
O predicamento de parte deriva da titularidade
das situações jurídicas, ativas e passivas, que inte-
gram a relação processual (faculdades, poderes,
deveres, ônus, sujeições etc.); “ser parte signica,
então, ser titular dessa situação global perante o juiz,
o qual, sendo a encarnação do Estado no processo,
também é titular de poderes e deveres, além da auto-
ridade que ali exerce e que tem como correspectivo
a já referida sujeição das partes” (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1984. p. 7).
O indivíduo e as coletividades adquirem o status
formal de parte no momento em que passam a deter
a titularidade das situações jurídicas mencionadas,
mesmo que não tenham exercido nenhum dos po-
deres ou faculdades que a norma legal lhes atribui.
De modo geral, adquire-se a qualidade de parte por
quatro meios: 1) pela demanda, pois quem toma a ini-
ciativa da impetração da tutela jurisdicional assume
a posição de demandante (como autor, exequente e
o mais); 2) pela citação, uma vez que a pessoa dian-
te da qual o autor formula pretensões se converte
em réu, ou seja, em parte legítima para responder
à ação, podendo resistir, juridicamente, a essas pre-
tensões, ou subordinar-se à elas; 3) pela intervenção,
voluntária ou compulsória, em processo de tercei-
ros; 4) pela sucessão, espontânea ou coacta, da parte
originária.
Embora, em regra, a parte no processo seja titular
do direito material alegado em juízo, há casos, le-
galmente previstos, em que, por exceção, se atribui
legitimidade para alguém postular, em nome pró-
prio, direito alheio: trata-se do fenômeno a que se
convencionou denominar de substituição processual e
que consiste, na verdade, em uma procuração legal
para a lide (ad litem). Aqui, não há coincidência en-
tre as qualidades de parte na relação processual e de
titular do direito material, porquanto esse direito é
defendido por quem não lhe detém a titularidade.
Por esse motivo, temos formulado o seguinte
conceito de parte:
É (1) a pessoa (2) que deduz em juízo, (3) em
seu nome, (4) pretensões de direito material,
(5) próprio ou de outrem, (6) ou puramente
processuais, (7) e aquele em face de quem essas
pretensões são formuladas.
Dissemos:
(1) É a pessoa, porquanto o autor tanto pode ser
pessoa física ou jurídica. No tocante à pessoa física,
convém destacar a regra inserida no art. 70, do
CPC, segundo a qual todo aquele que se encontre
no exercício de seus direitos tem capacidade para
estar em juízo; quanto às pessoas jurídicas, serão
ativa ou passivamente representadas na forma
do art. 75, do mesmo Código, ou seja: a) a União,
pela Advocacia-Geral da União, diretamente
ou mediante órgão vinculado; b) os Estados e
o Distrito Federal, por seus procuradores; c) o
Município, por seu prefeito ou procurador; d) a
LIVRO III
DOS SUJEITOS DO PROCESSO
TÍTULO I
DAS PARTES E DOS PROCURADORES
CAPÍTULO I
DA CAPACIDADE PROCESSUAL
Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para
estar em juízo.
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autarquia e a fundação de direito público, por
quem a lei do ente federado designar; e) a massa
falida, pelo administrador judicial; f) a herança
jacente ou vacante, por seu curador; g) o espólio,
pelo inventariante; h) a pessoa jurídica, por quem
os respetivos atos constitutivos designarem ou,
não havendo essa designação, por seus diretores;
i) a sociedade e a associação irregulares e outros
entes organizados sem personalidade jurídica,
pela pessoa a quem couber a administração de
seus bens; j) a pessoa jurídica estrangeira, pelo
gerente, representante ou administrador de sua
lial, agência ou sucursal aberta ou instalada no
Brasil; k) o condomínio, pelo administrador ou
síndico.
(2) que deduz em juízo, porque está implícita nessa
armação o reconhecimento de que o juiz não
pode, em princípio, prestar a tutela jurisdicional
por sua iniciativa (ex ocio); para que a jurisdição
seja retirada de seu ontológico estado inercial, é
indispensável que o interessado, na medida de
seu interesse, e atendendo aos requisitos legais, a
invoque expressamente (CPC, art. 2º);
3) em seu nome, porque, conforme pudemos
demonstrar, em princípio a titularidade do
direito material (ad causam) atribui à pessoa a
titularidade da relação processual: desta maneira,
quem é parte na relação material, naturalmente, o
é na relação processual (ad processum);
4) pretensões de direito material, sabendo-se que, no
geral, a pessoa ingressa em juízo para promover
a defesa de um direito material (ou substancial),
seja para obter a reparação do dano sofrido, seja
para impedir que a ameaça de lesão se consume
etc., em que pese ser possível a existência de ação
sem direito material, como se dá, por exemplo,
nas ações declaratórias negativas.
5) próprio ou de outrem, uma vez que, embora
o ordinário seja a postulação, pelo autor, de
direito material de que se julgue titular,
situações extraordinárias, previstas em lei, em
que a parte postula, em seu nome, direito de
terceiro: é o fenômeno jurídico da substituição
processual, que traduz, sob o aspecto técnico,
uma legitimidade anômala;
6) ou puramente processuais, pois há casos em que
não está em jogo nenhum direito material, senão
que pretensões exclusivamente de natureza
processual. Podemos referir como exemplo
medida cautelar destinada a impedir que o
adversário, no curso do processo, viole penhora,
arresto, sequestro ou imissão na posse; prossiga
em obra embargada; pratique qualquer outra
inovação no estado de fato da causa;
7) e aquele em face de quem essas pretensões são
formuladas, porquanto a legitimidade do réu
independe da existência do direito alegado pelo
autor. Com isso, estamos a asseverar que se a
sentença vier a rejeitar os pedidos formulados
pelo autor, nem por isso o réu terá sido parte
ilegítima. O que se exige é que a lide tenha
“pertinência subjetiva”, vale dizer, que a relação
jurídica material envolva a pessoa que gura no
polo passivo da relação processual. A propósito,
como a ação traduz o direito público subjetivo de
invocar a prestação da tutela jurisdicional, e como
o Estado é detentor do monopólio jurisdicional,
sabe-se, modernamente, que ela não é exercida
“contra” o réu, mas contra o Estado e em face do
réu.
Se o autor, ou o próprio réu, for parte ilegítima,
o processo será extinto, sem exame do mérito, pois
aquele será carecedor da ação (art. 485, VI).
Não se pode confundir, entretanto, a legitimida-
de para a causa ou para o processo com o resultado
da entrega da prestação jurisdicional quanto ao mé-
rito. No passado, eram frequentes os casos em que
o juiz, entendendo inexistir a relação de emprego
alegada pelo autor, considerava-o carecente da ação
e extinguia o processo sem julgamento do mérito.
Ora, o deslize técnico perpetrado pelo juiz, em tais
situações, eram manifesto. Se o autor prestou, efe-
tivamente, serviços ao réu, este — e ninguém mais
— estará legitimado para responder às pretensões
postas em juízo por aquele. Se, ao nal do processo,
o juiz convencer-se de que não estavam presentes
os pressupostos constitutivos de alegada relação de
emprego, deverá rejeitar o pedido formulado pelo
autor (art. 490), e não declará-lo carecedor da ação,
fundando-se da suposta ilegitimidade do réu. Ilegi-
timidade passiva haveria, aí sim, se o autor houvesse
exercido a ação diante de pessoa diversa daquela
para a qual prestou serviços.
Dentre os diversos princípios concernentes às
partes, três merecem destaque:
1) da dualidade, que pressupõe a existência de,
pelo menos, duas partes (autor e réu), ou dois
grupos de interesses contrapostos, conforme
preferir-se. Note-se que não estamos a cogitar
da presença das partes em juízo, como imaginária
exigência para a validade do desenvolvimento
processual; se assim agíssemos, estaríamos a fazer
censurável concessão a superadas concepções
romanísticas do passado remoto e a negar essa
dualidade nos casos de revelia. A dualidade nada
mais expressa do que a exigência de que a relação
processual seja ontologicamente integrada por, no
mínimo, duas partes; havendo uma só pessoa,
provavelmente estaremos diante não de parte,
mas de interessado, pois não haveria processo,
senão que simples procedimento (“jurisdição
voluntária”);
2) da igualdade, de acordo com o qual o magistra-
do deve subministrar um tratamento igualitário
às partes cuja imposição legal emana do seu
dever de neutralidade, como órgão incumbido
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de solucionar, de maneira heterônoma e mono-
polística, o conito de interesses. Esse princípio,
acima de tudo, está inscrito no caput do art. 5º, da
Constituição Federal, e representa, sem dúvida,
uma das pilastras de sustentação de nosso Estado
Democrático de Direito (CF, art. 5º, I). O referido
mandamento constitucional encontra ressonân-
cia no art. 139, I, do CPC;
3) do contraditório, pelo qual se assegura não
apenas ao réu o direito de defender-se, com am-
plitude, como também ao autor e a terceiros. A
ampla defesa integra o elenco dos direitos e ga-
rantias que a Constituição Federal comete aos
indivíduos e às coletividades (art. 5º, LV) e consti-
tui traço característico do Estado Democrático de
Direito em que se funda a nossa República (art.
, caput).
Capacidade
A capacidade processual compreende as ca-
pacidades: a) de ser parte; b) de estar em juízo; e
c) postulatória.
a) Capacidade de ser parte (ou de direito)
Tem-na todo aquele que é sujeito de direitos.
“Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem ci-
vil”, declara o art. 1º do Código Civil. Parte, sob esse
ângulo, é, portanto, todo aquele que se encontra no
gozo de seus direitos.
Os incapazes, por exemplo, têm capacidade de
ser parte (podendo, pois, integrar a relação jurídi-
ca processual) embora não a possuam para estar em
juízo, vale dizer, para praticar atos processuais com
efeitos jurídicos. Falta-lhes, em síntese, a necessária
legitimidade para o processo (ad processum).
O processo civil (assim também o do trabalho)
atribui a capacidade de ser parte não só às pessoas
físicas, como às jurídicas, e, ainda, a determinadas
massas patrimoniais, como o condomínio, a massa
falida, as heranças jacente ou vacante, e, até mesmo,
ao espólio — que nem sequer possui personalidade
jurídica (art. 75).
b) Capacidade de estar em juízo (ou processual)
É regulada pelos art. 70 do CPC: “Toda pessoa que
se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade
para estar em juízo”. Figura como pressuposto de
constituição válida da relação processual (CPC, art.
485, IV).
Conforme vimos na letra anterior, no âmbito do
direito comum, certas pessoas, conquanto se en-
contrem no gozo dos seus direitos, não possuem
capacidade para exercê-los. É, mais ou menos, o que
se passa na órbita processual, em que a capacidade de
ser parte não se confunde com a de estar em juízo.
De modo geral, esta última só é cometida às pesso-
as que estejam no exercício dos seus direitos, razão
por que não possuem legitimatio ad processum, dentre
outros, os menores de idade, os portadores de enfer-
midade ou deciência mental, que não possuírem o
necessário discernimento para a prática de atos ju-
rídicos, assim como aqueles que, por motivos ainda
que transitórios, não puderem manifestar a sua von-
tade (Código Civil, art. 3º, I a III).
No processo do trabalho, a legitimidade ad proces-
sum é adquirida aos 18 anos de idade (CLT, art. 792);
se o trabalhador possuir 14 anos de idade, ou mais,
mas menos de 18, deverá ser representado em juízo
pelo pai, mãe, tutor, curador, ou, na falta destes, pela
Procuradoria da Justiça do Trabalho (CLT, art. 793).
Inexistindo, na localidade, órgão da Procuradoria,
ao juiz incumbirá nomear curador à lide (ibidem). O
mesmo se aplica quanto aos ébrios habituais; aos vi-
ciados em tóxicos; aos que, por deciência mental,
tenham o discernimento reduzido; aos excepcionais,
sem desenvolvimento mental completo (Código Ci-
vil, art. 4º, II e III).
Duas breves notas: se o trabalhador, menor de 18
anos, estiver sob tutela (em virtude de falecimento
dos pais; de terem estes sido declarados ausentes ou
decaído do pátrio poder), há necessidade de autori-
zação do juiz competente (em matéria civil) para que
a ação seja proposta, por força da regra contida no
art. 1.748, V, do Código Civil. A doutrina tem enten-
dido que, na situação referida, a legitimidade para
o processo somente é obtida mediante o concurso
dessas duas providências legais: a representação do
menor e a autorização judicial. Por outro lado, se o
trabalhador for curatelado (decorrente de interdição
originada por demência, surdo-mudez que o impe-
ça de manifestar a sua vontade etc.), será necessária
não apenas a mencionada autorização do juiz, para
o ingresso em juízo, como a xação, também por ato
do juiz civil, dos limites da interdição.
Para os menores de idade a incapacidade cessa-
rá: 1) pela concessão dos pais, ou de um deles, na
falta de outro, mediante instrumento público, in-
dependentemente de homologação judicial, ou por
sentença, ouvido o tutor, se o menor possuir de-
zesseis anos completos; 2) pelo casamento; 3) pelo
exercício de emprego público efetivo; 4) pela colação
de grau em curso de ensino superior; 5) pelo estabe-
lecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos tenha econo-
I a V).
Tanto a capacidade de ser parte, quanto a de
estar em juízo, por traduzirem pressupostos indis-
pensáveis para a constituição e o desenvolvimento
regulares da relação jurídica processual, devem ser
examinados ex ocio, em qualquer tempo e grau de
jurisdição, enquanto não transitada em julgado a
sentença de mérito (CPC, art. 485, § 3º). A referência
legal ao trânsito em julgado, como limite nal para
que o juiz possa se pronunciar, por sua iniciativa,
acerca dos aludidos pressupostos, deve ser ade-

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