Das nulidades processuais

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas57-80

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1 Introdução

O direito impõe regras que devem ser obedecidas por todos os membros da sociedade que a elas se submetem. A violação das regras jurídicas configura conduta ilícita suscetível de sanção. A consequência jurídica decorrente da violação das regras de direito é a sanção. São muitas as sanções, dentre elas podemos citar a pena criminal, a obrigação de reparação do dano e, também, a anulação do ato praticado em violação às regras impostas pelo direito. Portanto, a nulidade de um ato antijurídico ou ilícito, ou seja, praticado contra as regras impostas pelo direito, possui natureza jurídica de sanção. Esta nulidade decorre de lei e, por vezes, deve ser declarada pelo juiz para produzir o efeito de invalidar o ato.

Dependendo do grau de violação da regra jurídica violada, o legislador impõe uma espécie de sanção que pode ser mais grave, como a nulidade absoluta do ato, ou mais branda, como a sua anulabilidade.

A nulidade absoluta torna o ato inválido de pleno direito.

Já a anulabilidade não produz o vício do ato sem que o interessado manifeste o seu interesse na declaração judicial do vício em determinado prazo imposto por lei. A anulabilidade proporciona a validade jurídica do ato inquinado, até que o interessado pleiteie a sua invalidação. Por isso, diz-se que se trata de um ato sob condição resolutiva.

A declaração de nulidade absoluta possui efeito ex tuc, como se o ato nunca tivesse existido. Evidente que em alguns casos será impossível restituir-se o statu quo ante, caso em que outras sanções poderão incidir, como a obrigação de reparar o dano. Porém, estas

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outras sanções decorrem da conduta ilícita e não da anulação do ato ou negócio jurídico, já que uma sanção não pode gerar outra.

Outra questão é saber se o ato nulo necessita ou não ser declarado como tal pelo juiz para perder a eficácia. Para Fernando da Costa Tourinho, o ato nulo produz regular efeito até que seja efetivamente declarado nulo. Sustenta o autor1: "O ato existe, mas de maneira imperfeita, defeituosa, e, em face dessa atipicidade, ele pode tornar-se ineficaz se vier a sofrer a sanção de nulidade. Enquanto o juiz não lhe declarar a imprestabilidade, ele continua gerando efeitos. Mas, se o juiz observa e lhe decreta a ineficácia, o ato se diz nulo." Data vênia, o ato ou negócio jurídico nulo não produz efeitos válidos, produzem apenas efeitos aparentes, ou seja, enquanto não descoberto o seu vício ele produzirá efeitos como se fosse um ato jurídico perfeito. Porém, o ato nulo não é acolhido pelo mundo do direito, tanto que a declaração de sua nulidade não se condiciona a qualquer tipo de prazo preclusivo, prescricional ou decadencial. Se o ato nulo produzisse efeito jurídico, ele seria desconstituído e não anulado. Se o ato nulo produzisse efeito jurídico, qual a vantagem teria alguém de seguir as regras ditadas pelo direito? Ora, se ou posso esconder uma carta na manga e vencer um jogo de cartas, por que devo submeter-me ao fator sorte? Ademais, não é o ato nulo que produz efeitos jurídicos, e, sim, a conduta ilícita que lhe deu causa. Todo ato ilícito gera, dentre outras sanções, a obrigação de reparar o dano dele decorrente.

Observou-se no Capítulo anterior, ao se tratar do aspecto histórico, que a impugnação de uma sentença, desde o Direito Romano até há bem pouco tempo, sempre esteve ligada à ocorrência de nulidade. Assim, não se pode traçar os parâmetros ou contornos da ação rescisória sem antes passar pelo estudo, ainda que superficial, das nulidades, principalmente das nulidades processuais reguladas no Capítulo V, do Título V, do Livro I, do Código de Processo Civil brasileiro, que, aliás, trata-se, nas palavras de Moniz de Aragão1, de "um dos mais árduos capítulos do código." Já para Hélio Tornaghi2: "talvez seja um dos mais pobres e infelizes."

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A lei processual não aponta com precisão os casos em que o ato processual é nulo ou anulável, ao contrário do que ocorre com o Código Civil (arts. 166 e 171). Quanto ao ato inexistente, nenhum desses ramos do Direito dá qualquer notícia, ficando a matéria a cargo da doutrina. Uma comparação entre o Direito Civil e o Direito Processual, no tocante à regulamentação jurídica das nulidades, pode demonstrar os aspectos que diferenciam o instituto nestas duas searas do Direito.

2 Nulidades no Direito Civil

Para a doutrina, os vícios que conduzem ao ato inexistente são: a falta do consentimento, objeto e causa.

Já os vícios do ato ou negócio nulo constam do art. 166, do CC, e são: a) a incapacidade absoluta; b) o objeto ilícito, impossível ou indeterminável; c) a ilicitude do motivo determinante, comum a ambas as partes; d) a não observância da forma prescrita em lei; e) a preterição de alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; f) o objetivo de fraudar lei imperativa; g) a nulidade taxativamente declarada; h) a proibição legal da prática do ato sem cominação de qualquer sanção.

A simulação foi excluída como hipótese de anulabilidade, passando ser tratada pelo novo Código Civil, com ressalvas, como hipótese de nulidade absoluta (art. 167, do CC).

Quanto aos vícios que dão origem aos atos ou negócios anuláveis, nos termos do art. 171, do CC, são: a incapacidade relativa e os vícios da vontade, tais como o erro, dolo, coação. Para simplificar o entendimento das nulidades, pode-se dizer que o negócio ou ato jurídico inexistente é aquele que não possui determinado elemento necessário à sua subsistência. Tudo no universo possui um determinado elemento necessário à sua existência. Esse elemento é tão importante que, se desaparecer por algum motivo, seu portador deixará de existir. Uma pessoa, por exemplo, não existe sem possuir o elemento vida. A vida, portanto, é o elemento essencial para a existência de uma pessoa. Tanto que, após a morte, ela é chamada de cadáver ou simplesmente corpo, não será mais pessoa.

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O mesmo sucede no mundo do Direito. No universo jurídico, existem milhares de entidades ou institutos criados por lei e que devem possuir determinados elementos, sem os quais deixam de existir. Esses elementos, segundo Washington de Barros Monteiro3, são: o consentimento, o objeto e a causa. Aqui, não concordamos, em particular, que a inexistência da causa produza o ato ou negócio jurídico inexistente. Causa é o que motiva o ato jurídico. A falsa causa é hipótese de erro e, consequentemente, de anulabilidade, e não de inexistência. Assim, se um indivíduo deixa herança para alguém por lhe ter salvado a vida, a inverdade da causa não invalida a constituição do herdeiro. Em lugar da causa entendemos deva figurar a titularidade, pois ninguém pode transferir mais direito do que tem (nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet). Assim, se é vendido um imóvel por alguém a quem este não pertence, estará sendo efetuado um negócio inexistente.

O exemplo tradicional de ato inexistente por falta de objeto é o do casamento entre pessoas do mesmo sexo, já que tal ato jurídico tem por objeto a união entre duas pessoas de sexos opostos. Desde os romanos a palavra casamento significa ou expressa a ideia de união entre homem e mulher. De Modestino: Nuptiae sunt conjunctio maris et foeminae, consortium omnis vitae: divini et humani juris communicatio (D. 23,2, fr. 1). De Justiniano: Nuptiae sive matrimonium est viri et mulieris conjunctio, individuam vitae consuetudinem continens. Por esse motivo, a doutrina denomina de casamento inexistente a união entre pessoas do mesmo sexo.

Outro exemplo de ato inexistente, ministrado por Washington de Barros Monteiro4, é o contrato de compra e venda em que não exista a fixação do preço. Ora, se não há fixação de preço pode-se até falar em doação, mas nunca em contrato de compra e venda. Já o negócio ou ato jurídico nulo, embora reúna todos os elementos necessários à sua existência, possui a falta de outros elementos necessários à sua eficácia.

Realmente, existem elementos cuja falta não leva à inexistência de um ser, mas retira-lhe a eficácia. Suponha-se que um jogador de futebol tenha perdido uma das pernas em um acidente automobilístico.

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Evidentemente, este homem não deixará de existir, mas perderá a sua eficácia como jogador. O mesmo ocorre no mundo jurídico, a falta de determinados elementos indicados pela lei torna o negócio ineficaz ou nulo. Ocorre que, ao contrário do homem que pode exercer muitas outras atividades além do esporte, o negócio jurídico existe exclusivamente para possuir eficácia jurídica. Por esse motivo, se essa qualidade é perdida, ele passa a figurar como um ato inexistente perante o mundo jurídico. Assim, pois, são idênticas as consequências decorrentes do negócio jurídico nulo e do inexistente, posto que ambos são sancionados com a ineficácia jurídica absoluta. Por esse motivo os romanos não os diferenciavam.

Os elementos que retiram a eficácia jurídica do ato jurídico estão enumerados no art. 166 do Código Civil.

O negócio jurídico anulável reúne todos os elementos necessários à sua existência e eficácia, porém os possui eivados por alguma mácula de menor importância, que pode comprometer sua eficácia, se arguida. Para explicar o ato anulável, pode-se fazer a seguinte comparação: existe elemento cuja falta não produz nem a inexistência nem a ineficácia de um ser ou coisa; mas, debilita a sua eficácia de tal modo que o interessado pode preferir optar pela ineficácia plena. Suponha-se...

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