Das infrações Político-administrativas

AutorEdson Jacinto da Silva
Páginas176-214

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As infrações político-administrativas capituladas no art. 4º são aquelas submetidas a julgamento pela Câmara Municipal e com cominação de sanção de natureza política, e independente das ocasionais responsabilizações no campo criminal e cível.

Segundo o art. 5º do mesmo Decreto-Lei, o processo de cassação do mandato do prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo 4º, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo.

A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das

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provas. Se o denunciante for vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o presidente da Câmara, passará a presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a comissão processante.

Quanto ao denunciante, este deve ser eleitor, ou seja, cidadão no pleno gozo de seus direitos civis e políticos, não tendo legitimidade ativa para o oferecimento da denúncia o Ministério Público ou qualquer outra instituição, como, por exemplo, os Partidos Políticos ou a Ordem dos Advogados do Brasil.

José Nilo de Castro entende ainda que o eleitor a que alude o inciso I, do art. 5º do Dec.-Lei nº 201/67, pode ser qualquer eleitor, não importando em qual zona ou seção eleitoral esteja inscrito, podendo ser a do Município a que pertence o denunciado ou de outro Município ou mesmo de outro Estado, já que a lei prevê que o autor da denúncia seja eleitor, não especificando que seja eleitor local.95No entanto, não comungamos da mesma opinião do autor acima citado, pois entendemos que só possui legitimidade para oferecer a denúncia aquele eleitor alistado no respectivo Município no qual tem liberdade e legitimidade para escolher os seus representantes e o direito de fiscalizar seus atos e denunciar as ilegalidades por eles cometidas.

Diante de dispositivo processual que cria este espaço de debate a ser analisado pelo presidente da Câmara no

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momento de receber ou não a denuncia, observa-se que ao fraudar-se a análise, fraudados estão os princípios constituídos do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da motivação das decisões futuras.

Com relação às provas dos fatos denunciados, o denunciante não necessita apresentá-las, mas apenas indicá-las. Isso porque, muitas vezes, tais provas são constituídas de documentos que o denunciante, embora tenha conhecimento, não possua acesso imediato, tais como os documentos que envolvem infrações político-administrativas do prefeito ou que são de uso exclusivo da Prefeitura, e que só poderão ser fornecidos mediante ordem judicial.

A denúncia também poderá ser formulada por um vereador, que ficará impedido, não podendo votar sobre a denúncia e integrar a Comissão Processante, mas poderá participar de todos os atos de acusação no decorrer da instrução processual.

Para substituir o vereador denunciante, será convocado o suplente do vereador impedido, o qual também não poderá fazer parte da Comissão Processante.

O mesmo Tito Costa entende que há um contrassenso no inciso I, do art. 5º do Dec.-Lei em comento.

Com efeito, se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar e de integrar a Comissão Processante. Seu voto será substituído pelo do suplente convocado. Se, no entanto, o denunciante for o Presidente da Câmara, transferirá a presidência para seu substituto, para a prática dos atos do processo, mas poderá votar para completar o quorum de julgamento. Será, nessa hipótese, acusador e julgador, ao mesmo tempo, o que não se concebe, por isso que se trata de posições conflitantes. Entendemos que a garantia constitucional da ampla defesa envolve, necessariamente, o direito a uma consideração motivada e ponderada acerca dos argumentos expendidos pelo acusado, em sua defesa, e em seu favor. Ora, essa consideração

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relativamente à defesa será absolutamente impossível se o julgador for o denunciante. Sua posição acusadora coloca-o em lugar de parte contrária, de titular de uma pretensão oposta à do denunciado: a pretensão punitiva. E o procedimento do art. 5º visa, justamente, a compor um conflito de interesse que se qualifica por uma pretensão punitiva resistida pelo acusado.96Portanto, se o vereador denunciante está impedido de votar sobre o recebimento da denúncia por ele apresentada, deve também permanecer impedido de participar sobre o julgamento definitivo da mesma, o que igualmente deverá ser aplicado quanto ao Presidente da Câmara que, da mesma maneira, não poderá participar de qualquer votação referente à denúncia por ele formulada, sob pena de se ferir os princípios norteadores do processo administrativo.

Sobre a denúncia escrita da infração político-administrativa, Tito Costa, em obra específica sobre o tema, esclarece que “a denúncia deve ser formalizada com clareza, expondo os fatos e indicando as provas. Embora não se possa exigir dela a precisão técnica de uma denúncia penal, necessário será, entretanto, que seja redigida de forma a permitir o ajustamento dos fatos à letra da lei e, assim, possibilitar ao acusado a elaboração de sua defesa”

Tito Costa ensina também que “nos processos de cassação de mandato eletivo há efetivamente uma acusação e alguém que é alvo dela: o acusado. A defesa do mandato, que advém do voto popular, é um direito e um dever do denunciado, razão pela qual há de estar cercada de todas as garantias. Dentre essas garantias ressalta a necessidade de existência de uma denúncia clara, com a narração de fatos típicos ajustáveis à figura legal da infração referida, como no processo penal”.97

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De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento ou não. Decidido pelo seu recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, e na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o presidente e o relator.

No processo político-administrativo de cassação de prefeito, a denúncia, nos termos do DL 201/67, deve ser recebida pela votação da maioria dos membros da Câmara Municipal, não exigindo a mencionada legislação que daquela participem somente vereadores desimpedidos, mas, sim, que os impedidos não integrem a Comissão Processante.

Com relação ao resultado da votação para o recebimento da denúncia contra o prefeito, embora os dispositivos do Decreto-Lei 201/67 mencionem que aquela poderá ser recebida pela Câmara mediante voto da “maioria dos presentes”, por outro vértice, não é este o posicionamento atual da doutrina e da jurisprudência pátria, posto que, pela de aplicação do art. 52, parágrafo único, e art. 86, ambos da Constituição Federal, que alteraram nesse aspecto a alusão do antigo texto.

A Constituição Federal de 1988, no parágrafo único do art. 52, refere-se à perda do cargo de Presidente da República dizendo que a condenação “somente será proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal”, e no art. 86, que a acusação somente será admitida “por 2/3 da Câmara dos Deputados”.

Isso posto, em face do princípio da simetria com o centro e com base nas normas constitucionais faz com que o Legislativo menor se limite a seguir as regras traçadas pela nossa Carta Magna.

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Assim, o legislador, ao aumentar o quorum, evita a instauração de processos de forma precipitada, com base em denúncias imponderadas, pondo em risco a imagem e a honra dos prefeitos municipais. Exige-se, agora, mais rigor na análise das denúncias apresentadas junto ao Poder Legislativo municipal.

Em vista das disposições constitucionais acima aduzidas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou a inconstitucionalidade do aludido preceito do Decreto-Lei 201/67, de modo a prevalecer a exigência constitucional federal e estadual de voto de dois terços dos membros da Câmara também para os municípios, na Ação Direta de Inconstitucionali-dade nº 26.279-0/2, j. em 30/8/95 pelo Tribunal Pleno, Relator Des. Cunha Bueno, por votação unânime, que tinha por objeto dispositivo da Lei Orgânica do Município de Cubatão-SP.

A mesma questão já foi objeto de análise, em várias oportunidades, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A título de ilustração, confira-se:

Mandado de Segurança – recebimento de denúncia contra o Prefeito pela Câmara Municipal – processo de cassação – “quorum” necessário – Dec.-lei 201/67 – maioria qualificada – princípio da simetria com o centro – Constituição Federal de 1988. Para o recebimento de denúncia contra o Prefeito Municipal pela Câmara, necessária a maioria qualificada dos vereadores. Aplicação do princípio da simetria com o centro, em atenção ao art. 86, da CF e § 3º, do art. 91 da Constituição Estadual.98Constitucional – Mandado de Segurança – Câmara Municipal – recebimento de denúncia contra prefeito – “quorum” exigido – Decreto-lei n.º 201/67 – maioria absoluta – simetria com a

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constituição da república – prevalência da disposição constitucional que prevê a necessidade do voto de dois terços – não recepção da legislação infraconstitucional neste aspecto. 1 – Sem embargo de o art. 5º, inciso II, do Decreto-lei n.º 201/67, condicionar o recebimento da denúncia ao voto da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal l, é se aplicar-se, pelo princípio da simetria ao centro, o quorum de dois terços previstos nos arts. 86 da Constituição da República e 91, § 3º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, concluindo-se que a legislação infraconstitucional, neste aspecto, não foi recepcionada pelo ordenamento constitucional. 2. Segurança concedida.99No julgamento da representação de inconstitucionalidade 0020460-2.2007.8.19.0000 (2007.007.00010), TJRJ -Relator o...

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