Das Garantias Eleitorais

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas357-370

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1 Noções

Durante o processo eleitoral, quanto mais se aproxima a data das eleições é normal o acirramento dos ânimos dos envolvidos, especialmente dos candidatos e seus cabos eleitorais, que tudo fazem para influir na vontade do eleitor, seja comprando ou trocando seu voto, frau-dando a votação, corrompendo mesários e escrutinadores ou utilizando outros meios ruinosos para a democracia. Por isso, é imperioso que a legislação eleitoral estabeleça regras para a garantia das eleições, tanto quanto ao processo em si, como para a vontade e exercício do direito do eleitor. Este ponto tratará dessas garantias, pois o voto, como forma de exercício da soberania nacional, deve ser exercido livremente. Para tanto, são previstas em lei várias medidas, como as apontadas a seguir, todas subordinadas à prova da condição de eleitor.

2 Garantia da liberdade do eleitor
2. 1 Garantia genérica a todos os eleitores
2.1. 1 Noções

Ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do voto (art. 234), sob pena de incidir em crime contra o serviço eleitoral (art. 297). O eleitor deve ter plena liberdade, inclusive física, para votar, não podendo ser impedido por razões de trabalho ou outra de qualquer natureza. As principais garantias são contra a prisão, valendo a regra de que nos cinco (5) dias que antecederem ao pleito até quarenta e oito (48) horas após o eleitor não poderá ser preso: “Art. 236 Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.”. Não se admite prisão de eleitor naquele prazo, salvo nas seguintes hipóteses: a) prisão em flagrante; b) prisão em virtude de condenação transitada em julgado; c) prisão por desrespeito ao salvo-conduto. Diz-se genérica a garantia por alcançar todos os eleitores, enquanto a garantia específica se limita aos candidatos, fiscais de partidos e membros da Mesa receptora de votos.

2.1. 2 Prisão em flagrante

Definem as hipóteses de flagrante os arts. 302 e 303339do Código de Processo Penal, para onde se remete o leitor, cuja doutrina o estuda em maior profundidade. Em flagrante

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delito próprio ou impróprio, o eleitor poderá ser preso validamente no período de garantia eleitoral.

2.1. 3 Prisão em virtude de condenação
2.1.3. 1 Noções

Segundo o dispositivo legal, admite-se a prisão fundada em sentença criminal condenatória por crime inafiançável. A simples leitura pode levar a interpretação incorreta, porquanto desde a edição do Código Eleitoral em 1965 ocorreram profundas alterações quanto à prisão, que é o principal atentado contra o direito fundamental de liberdade, por isso só pode ser admitida como última hipótese. Aliás, a norma constitucional é clara ao dispor que ninguém pode ser preso quando houver em lei previsão de liberdade provisória com ou sem fiança. Por isso, não basta, nem é essencial que haja sentença condenatória transitada em julgado para se admitir a prisão. É essencial que a prisão se mostre necessária, donde surgem as hipóteses que autorizam a prisão cautelar, como a decorrente de flagrante ou as prisões preventiva, temporária, de pronúncia e como pressuposto para recorrer. Ademais, a legislação pátria admite prisão civil por descumprimento de obrigação alimentícia ou por quebra da fidelidade de depositário. Por isso, o dispositivo do Código Eleitoral deve ser analisado à luz da vigente Constituição Federal, donde surgem alguns questionamentos, especialmente o cabimento, ou não, naquele prazo, das prisões cautelares e da prisão civil. Não há discussão sobre a validade de prisão fundada em sentença penal condenatória transitada em julgado e quando o juiz efetivamente a tenha decretado.

2.1.3. 2 Prisão penal cautelar

Por prisão cautelar penal, quer-se dizer a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão decorrente de pronúncia e a prisão como pressuposto para recorrer. Não se cuidará aqui de analisar os casos de cabimento de uma ou outra – por ser problema que pertence ao processo penal –, mas apenas saber se podem ou não ser decretadas e cumpridas no período entre cinco (5) dias anteriores ao pleito até quarenta e oito (48) horas após. Sabe-se que para essas prisões não se exige certeza da culpa, bastando indícios e comprovação da necessidade para a correta aplicação da lei penal em sentido amplo. Supondo-se que o juiz da Justiça comum tenha decretado a prisão preventiva para garantia da ordem pública que se encontra ameaçada pela presença do indivíduo solto, seria justo deixar de prendê-lo em razão do processo eleitoral?

A lógica parece autorizar resposta negativa. Se a ordem pública corre risco a ponto de autorizar o juiz a decretar a prisão preventiva do indivíduo, parece claro que o mandado poderá ser cumprido a qualquer dia ou hora, mesmo que seja dentro do período de garantia eleitoral. Em geral, os tribunais eleitorais não enfrentaram a questão, que, de fato, em maior escala compete à Justiça comum, a não ser que se cogite de prisão decretada por juiz eleitoral. As poucas decisões que se encontram sobre o tema são de tribunais de Justiça. Uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul parece apontar na direção de que a prisão preventiva não poderia ser efetivada no período de garantia, mas não trás maiores fundamentos:

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EMENTA: Habeas corpus com pedido de liminar. Candidato a Vereador denunciado pela prática, em tese, do delito capitulado no art. 121, § 2º, inc. II, c/c o art. 14, inc. II, ambos do Código Penal (tentativa de homicídio). Prisão preventiva decretada no Juízo comum por solicitação de Promotor de Justiça, e não de Promotor Eleitoral, a bem da persecução criminal e da garantia da ordem pública. Impetração objetivando a efetivação da garantia que veda a custódia de candidato nos quinze dias anteriores ao pleito, prevista no art. 236, § 1º, do Código Eleitoral. Liminar indeferida. Ausência de violação à garantia em apreço desde que a custódia do candidato ocorreu antes do lapso de quinze dias antecedentes ao pleito. Ordem denegada340.

Essa decisão sinaliza no sentido de que, se a prisão preventiva tivesse sido cumprida no período de garantia eleitoral, seria inválida. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás parece que se manifestou única vez sobre o caso, não admitindo prisão mesmo se decretada antes do período de garantia: “EMENTA: Prisão no dia de eleição. Ato ilegal. O mandado de prisão, embora expedido anteriormente, não pode ser cumprido no dia de eleição no município em que se realiza, salvo as exceções previstas no art. 236 do Código Eleitoral. Pedido procedente341.”. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais há uma decisão expressa considerando válida a prisão preventiva decretada três (3) dias antes das eleições.

EMENTA: Prisão preventiva. Homicídio qualificado. Constrangimento ilegal inexistente. Delito grave e de repercussão. Medida necessária para acautelar o meio social e preservar a credibilidade da Justiça. Existência também de risco à instrução. Acusado que, poucos dias depois dos fatos, compareceu à residência dos familiares da vítima, dirigindo-lhes ameaças. Ilegalidade decorrente da decretação da custódia de três dias antes da realização do 2º turno das eleições presidenciais já superada. Ordem denegada.342A ementa não especifica se a prisão se deu naquela data ou se apenas foi decretada, mas consta do corpo do acórdão:

(...) É bem verdade que a sua prisão três dias antes do segundo turno das eleições para Presidente da República contrariou o artigo 236 do Código Eleitoral, que dispõe que nenhuma autoridade poderá, desde cinco dias antes e até quarenta e oito horas depois do encerramento do pleito, salvo por prisão em flagrante delito, em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou por desrespeito a salvo-conduto. Entretanto, a esta altura, transcorridos mais de 30 dias do término das eleições, a ilegalidade já se fez superada. Pelo exposto, denego a ordem.

Logo, a prisão do paciente se deu a três (3) dias das eleições e nem por isso foi considerada ilegal pelo Tribunal mineiro, embora tenha saído pela tangente do fim da ilegalidade pelo encerramento das eleições. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal há uma decisão expressa reconhecendo que a prisão preventiva efetivada no período e garantia é ilegal. É o que consta do corpo do acórdão na parte do voto do desembargador Edson Alfredo Smaniotto343:

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O ilustre advogado Dirceu de Faria impetrou habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de Pedro Passos Júnior e Márcio da Silva Passos, ameaçados de serem presos preventivamente por ordem do MM. Juiz de Direito da Primeira Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília. DF, nos autos do Processo n. 35840-4/2002, em que aparecem denunciados, juntamente com Salomão Herculano Szervinsk, Vinício Jadiscke Tasso, Cláudio Custódio da Silva...

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