Das Infrações de Responsabilidade

Autorde Araujo Lima Filho, Altamiro
Páginas379-412

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PREFEITOS E VEREADORES - CRIMES E INFRAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

DAS INFRAÇÕES DE RESPONSABILIDADE

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

Antes de qualquer abordagem acerca das infrações político-administrativas — ou mais convenientemente infrações de responsabilidade —, temos que, preliminarmente, procurar definir um posicionamento acerca da vigência, ou não, dos dispositivos contidos no Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, e que cuidam da matéria. Entendimento nesse sentido, passa, necessariamente, pelo plano constitucional. E a Lei Maior, como é sabido, apresenta-se como o pacto político básico e fundamental de uma nação — parte dela, ou conjunto de várias delas — através do qual verifica-se a auto-organização em bases políticas a conferir-lhe status de órgão independente e possibilitador de movimento no concerto mundial com a qualidade de Estado.437É evidente que essa Lei Fundamental deve cercar-se de certas reservas para a sua própria perpetuação, em tese, mesmo porque todo o conjunto jurídico surgente daí em diante ser-lhe-á obrigatoriamente harmônico e dependente.438Em vista dessa realidade

437. O insigne Lente Palhares Moreira Reis, da Faculdade de Direito do Recife, em excelente abordagem acerca dos diversos conceitos de Estado, finda por dizer que “o Estado é uma forma específica de sociedade humana, situada de modo estável em território determinado, submetida a uma ordem política originária, fundada num sistema jurídico e com propósito de realizar o objetivo comum de segurança e desenvolvimento.” — Palhares Moreira Reis, O Estado e seu Ordenamento Jurídico, Editora Universitária, Recife, 1975, p. 44.

438. Novamente nos socorremos do Mestre Palhares Moreira Reis, quando ensina que “O problema inicial do estudo das Constituições está na relação entre a Constituição política e a constituição (ou realidade) social de um determinado povo. Todos os grupos sociais organizados, dente estes se destacando as comunidades e as sociedades ou associações, são agrupamentos de indivíduos perfeitamente constituídos do ponto de vista social e seus meios de atividade, seus interesses e seus ideais são resultantes, por sua vez, de fatores determinantes geográficos, históricos, econômicos e culturais. Neste sentido é a lição de BURDEAU:

‘Da combinação destes diversos fatores, da preponderância ou da impotência de alguns dentre eles, resulta uma maneira de ser da sociedade, que a distingue das demais, e cujas constantes são suficientemente duráveis e atuantes para que se possa deduzir um esquema teórico. Este esquema é a constituição social’ (GEORGES BURDEAU, ‘Traité de

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fática não será difícil compreender o trauma causado, em qualquer Estado, como decorrência de alterações bruscas ou mudança integral na Lei Básica. A substituição completa de tal ordenamento, regra geral, implica em verdadeira quebra de amarras de conseqüências melindrosas, notadamente no que respeita à chamada legislação infraconstitucional. De forma simplista — contudo simplória — poder-se-ia dizer que mudando uma Constituição mudam-se todas as demais leis que dela derivam. Contudo, a prática quotidiana — notadamente em países sul-americanos, onde adotamos o péssimo hábito de substituir Constituições de conformidade com o quadrante do vento — tem revelado a necessidade premente de procurar-se harmonizar legislações anteriores com as novas Cartas Políticas editadas (a maioria da quais, infelizmente, pela força impositiva das armas).

Science Politique’, Paris, Lib. Gen. de Droit et de Jurisprudence, 1949, vol. III, pp. 13/14). Esta constituição social do grupo é preexistente à sua constituição política e, eventualmente, lhe sobrevive. Desta se distingue por ser mais espontânea, menos artificial e voluntária. Por isso mesmo a Constituição política de um determinado povo deve ter sempre em conta a sua constituição social, não havendo, entretanto, entre estas — ou ao menos não devendo existir —, nem relação de ordem hierárquica, nem, muito menos de antagonismo (...) Quando, hoje em dia, se discute sobre a Constituição, ênfase é dada ao aspecto jurídico do problema, pois a Carta Magna de um determinado Estado é sempre uma lei de carga mandamental mais ampla, em relação às demais peças do ordenamento jurídico. É a regra maior de direito representando o que de mais importante se contém na Idéia de Direito do grupo; é a Ordem Social abstrata passando a uma situação concreta por uma decisão política do grupo, aceita por todos com o indispensável caráter de obrigatoriedade. Super-Lei, tem a Constituição um destacado lugar no topo da hierarquia das normas de Direito — seja do ponto de vista material, seja apenas formalmente — servindo de ponto de referência para a validade destas (A supremacia da Constituição, no seu sentido material traz como conseqüência primeira, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos da administração, vem como dos decisórios judiciais; enquanto a supremacia formal se reporta à exigência de processos especiais para a sua modificação ou reforma).” — Palhares Moreira Reis, O Estado e seu Ordenamento Jurídico, Editora Universitária, Recife, 1975, pp. 78-83

Por seu turno, o Professor Marcelo Caetano, magistra que “a Constituição de um Estado é o conjunto de normas fundamentais que regulam a atribuição e o exercício do Poder político, definindo a competência dos seus órgãos, as funções específicas destes e os direitos dos indivíduos e das sociedades primárias com força obrigatória para todos os poderes constituídos e vinculativa dos seus atos.” — Marcelo Caetano, Direito Constitucional, Forense, Rio de Janeiro, 1977, v. I, p. 397.

Abordando o mesmo tema, o ilustre José Afonso da Silva, assenta que “A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.” — José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 1993, 9ª ed., pp. 39-40.

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Entre nós, verbi gratia, durante mais de duas décadas de regime autoritário-militar, emasculou-se, a partir de 1964, uma Constituição através de papéis autodenominados de Atos Institucionais — e aos quais fomos obrigados a submeter-nos — e se produziu, a partir deles, uma farta produção legislativa através de decretos com força de lei; ficando, tudo, acima da própria Lei e do Judiciário, ao qual se vetou, pura, cínica e simplesmente, a apreciação. Ventos novos sopraram, entretanto. O País, nesta nova fase, vem reaprendendo lentamente os passos da Democracia, mais uma vez! E o inicial foi através do exercício da Assembléia Nacional Constituinte elaboradora da nova Carta Magna vigente a partir de 1988, já bastante retificada em sua tão curta existência, pelos casuístas de plantão: mais de sessenta Emendas, em apenas vinte anos de existência. Dentre as últimas encontra-se a de nº 56, de 2007.439A vigência da nova Constituição conduz-nos, necessariamente, à problemática de saber quais leis até então vigorantes, perderam, ou não, a sua validade e conseqüente aplicabilidade. É problema afeto, bem o sabemos, aos ilustrados constitucionalistas, mas ao qual não nos podemos furtar, apesar das nossas imensas limitações em tal campo.

Regra geral, um novo Pacto Político, como afirmamos linhas atrás, tende a receber — até mesmo por problema prático, afinal não se pode elaborar inteiramente e de uma única vez toda a legislação de um país — não poucos regulamentos jurídicos infraconstitucionais vigentes quando da ordem constitucional anterior. Isto, evidentemente, na medida em que não conflitem eles com a novel Lex Fundamentalis. A sobrevida da legislação anterior sob o novo ordenamento constitucional — a que se denomina recepção — verifica-se em função do princípio da continuidade da ordem jurídica, porquanto seria inadmissível uma total e completa vacatio legis. Permite-se, por essa via, o que se poderia chamar de processo de manutenção do produto legislativo existente e não conflitante vertical e horizontalmente com a nova ordem; ou, na elocução sintética e bastante apropriada de José Nilo de Castro, o “processo abreviado de criação do direito”.

É a partir deste prisma que nos ateremos, por agora, na apreciação do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, em especial no que

439. Quando da publicação da 2ª edição do nosso trabalho (ano de 2000) já contávamos com vinte e uma Emendas, para oito apenas anos de existência.

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respeita aos seus artigos 4º usque 8º, frente à Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. As correntes doutrinárias e jurisprudenciais nacionais enfrentam-se sobre o assunto, todas com muito brilho, defendendo, basicamente, seis posições distintas, quais sejam: a) o regulamento em apreço é inconstitucional, à luz da própria legislação de exceção que lhe dera origem; b) o diploma legal ora apreciado foi derrogado no que respeita aos artigos e anteriormente até mesmo à Constituição de 1988, com a abrogatio do Ato Institucional nº 4; c) o Decreto-Lei em referência teria sido recepcionado, pela nova Constituição, exclusivamente em seus artigos 1º, 2º e 3º, ao tratar dos crimes especiais cometidos pelos Prefeitos, com ligeiras alterações quanto ao processo e o julgamento dos mesmos em decorrência do disposto no artigo 29, inciso X, da CF e da Lei nº 8.038, de 1990; apresentando-se como inconstitucional quanto ao mais, vez que a nova...

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