Das disposições gerais

AutorEduardo Gabriel Saad
Ocupação do AutorAdvogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
Páginas531-602

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Art 442

Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 8.949, de 9.12.94 — DOU 12.12.94).

Notas

1) Evolução histórica do contrato e sua importância na sociedade moderna: Um dos traços distintivos da sociedade moderna, quando posta em confronto com a antiga, é o relevante papel que nela desempenha o contrato. Através dele, vasta gama de interesses se harmoniza, prevenindo ou solucionando conflitos entre pessoas ou grupos. Na família dos contratos, tem papel de destaque o contrato de trabalho, cujas linhas fundamentais vamos encontrar na locatio conductio operarum, do velho Direito Romano, colocada ao lado da locatio rei (locação de coisa) e da locatio conductio operis (locação de obra).

No Código de Napoleão, de 1804, aparece a locação de serviços ao lado da locação de obra, mas só no Código Comercial francês, de 1807, é dado destaque à locação de serviços. Nele desponta o contrato de trabalho, vinculando às empresas variado grupo de prestadores de serviços (corretores, prepostos etc.). Nosso Código Comercial de 1850 refletiu as tendências e as características do Direito napoleônico. Nele é que vamos achar o embrião do nosso contrato de trabalho, antes que o Código Civil de 1916 desse guarida ao contrato de locação de serviços.

Nos fins do século XIX, o Direito do Trabalho lutava bravamente contra o individualismo do Direito clássico. A par de profundas modificações na estrutura social, a Revolução Industrial fez brotar relações jurídicas com que não sonhara o homem dos séculos XVII ou XVIII. No cadinho das lutas sociais e ideológicas do século XIX, moldaram-se novos institutos jurídicos que, a pouco e pouco, estruturaram o moderno Direito do Trabalho. No começo do século passado, com Lotmar, teve início o movimento que levou o contrato de trabalho a emancipar-se definitivamente do quadro civilista.

Sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho ainda se travam discussões. É um contrato de sociedade? De troca? Entendemos — com Sanseverino (“Curso de Direito do Trabalho”, LTr Editora, 1976, p. 120 e segs.) — que o contrato de trabalho, ao desligar-se da categoria contratual da locação, deva ingressar numa outra. É ele uma categoria distinta, autônoma. No mundo de amanhã é indubitável que o contrato de trabalho passará por grandes transformações e terá papel de relevo no novo modelo social e, consequentemente, na dinâmica da empresa.

Despiciendo dizer que o contrato de trabalho é uma espécie do gênero contrato. Este é conhecido desde os tempos mais primitivos, enquanto, aquele — o contrato de trabalho — data de pouco mais de cem anos.

De fato, era o trabalho subordinado conhecido do direito antigo, mas foi a revolução industrial que lhe deu amplas dimensões e tornando-o instituto fundamental do direito do trabalho.

Em nosso País, a primeira lei que cuidou expressamente do assunto é de 13 de setembro de 1830, no Império.

Passando pela Lei n. 108, de 11.10.1837, pelo Código Comercial de 1850, pelo Decreto n. 2.827, de 15.3.1879, e pelo Decreto n. 213, de 22.2.1890, chega-se ao Código Civil de 1916.

Neste último Código, chamava-se contrato de locação de serviços o que hoje se denomina contrato de trabalho.

A influência das leis civis e comerciais sobre a relação de trabalho cessou, em definitivo, com a superveniência da CLT, em 1943.

1.1) Contratos e o Código Civil

O Código Civil (CC/02), bem como o antigo (CC/16), não define o contrato.

É certo que Clovis Beviláqua, referindo-se a essa lacuna do Código Civil, adiantou que os elementos do ato jurídico são os mesmos de um contrato, isto é, os elementos essenciais (divididos em estruturais e substanciais), acidentais e naturais.

Deflui desse entendimento que o contrato tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.

Clovis não foi feliz nesse remendo do Código. Primeiro, porque os contratos só têm, como objeto, direito patrimonial, ao passo que os atos jurídicos podem ter outros objetos; segundo, porque o silêncio do legislador acerca da conceituação do contrato revela ser seu desejo que a matéria fosse tratada pelos doutrinadores.

O Código Civil Italiano diz, em seu art. 1.321, o que é um contrato — verbis:

“Il contratto è l’accordo di due o piú parti per costituire tra loro un rapporto giuridico patrimoniale” (“O contrato é o acordo entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica patrimonial”).

Em doutrina, também italiana, define-se o contrato como “uma declaração de vontade ou um conjunto de declarações de vontade, com o fim de produzir determinados efeitos, garantidos e reconhecidos pelo ordenamento jurídico, enquanto lícitos e correspondentes efetivamente à vontade declarada” (Messineo, “Manuale de diritto civile e commerciale”, vol. I, § 34).

Se o Código Civil é omisso quanto à conceituação do contrato, o mesmo não ocorre com a Consolidação das Leis do Trabalho — CLT.

Seu art. 442 reza — verbis: “Contrato individual do trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”

Liga-se a esse conceito o art. 444, também consolidado ao assentar que “as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.”

Este dispositivo faz-nos ver o quanto a autonomia da vontade é restringida no contrato de trabalho, cujo objeto sofre profunda ingerência estatal.

De outra parte, é inquestionável que a definição legal de contrato de trabalho é sobremodo imperfeita.

Se o contrato corresponde à relação de emprego, é o mesmo que dizer que ambos se equivalem e isto não constitui uma definição. Uma coisa não explica a outra. Ademais, é irrefutável que o contrato de trabalho tem como objeto a prestação de serviços e, de conseguinte, com ele não se confunde.

Em doutrina, uma das melhores definições de contrato de trabalho nos é dada por Délio Maranhão (in “Instituições de Direito do Trabalho”, Ed. LTr, 20. ed. 2002, I tomo, p. 236):

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“Contrato de trabalho stricto sensu é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinado.”

Chegou-se a dizer que inexiste o contrato de trabalho, mas contrato de adesão. Tal teoria institucionaliza a relação de trabalho por considerar, praticamente, o trabalhador parte ou membro da empresa.

Essa corrente de pensamento não prosperou e a doutrina inclinou-se a reconhecer que a prestação de serviços ou a relação de trabalho deriva, efetivamente, de um contrato de trabalho.

Enfatizando: a obrigação fazer assumida pelo empregado tem, como fonte, o contrato do trabalho.

Sustenta Giuliano Mazzoni (in “Manuale di diritto del lavoro”, Giuffré Editores, 4. ed., 1971, p. 183) que “ segundo uma opinião, relevante na doutrina estrangeira, para haver uma relação de trabalho não é necessária a estipulação do contrato de trabalho, mas é suficiente a inserção do trabalhador na empresa ou, como se diz, a simples assunção do fato”. Admite-se que, em certos países, a assunção de fato toma o lugar do contrato de trabalho, mas tal não se coaduna com os lineamentos gerais do direito do trabalho italiano.

Nem com o nosso — acrescentamos nós.

O traço que distingue o contrato de trabalho dos demais contratos é a subordinação jurídica, é o dever do empregado de realizar o serviço consoante as instruções e determinações do empregador.

Dir-se-á que há contratos no direito civil que têm, por igual, como um de seus elementos configuradores, a subordinação jurídica. Exemplo: mandato.

Contrapomos a este argumento as seguintes palavras de Evaristo de Moraes Filho (in “Introdução ao Direito do Trabalho”, 5. ed. LTr Editora, 1991, p. 283):

“No mandato, o mandatário prende-se a instruções concretas, limitadas, especiais, próprias para a realização de determinado ato, de certa operação ou algum negócio. No contrato de trabalho, pelo contrário, a subordinação hierárquica e administrativa é geral, ampla, indeterminada, de todas as horas e às vezes imprevisíveis, fazendo-se sentir durante toda a execução do contrato. A subordinação aqui é, não só de grau (quantidade) como também de qualidade diferente.”

Parece-nos, outrossim, que nenhum outro contrato registra, como o de trabalho, sujeição ao mesmo número de normas cogentes de emanação estatal ou de pactos coletivos, denunciando irrefreável intervencionismo do poder público nas relações de trabalho a fim de: a) proteger o trabalhador contra o maior poder econômico do empregador; b) exigir, no ambiente de trabalho, medidas tendentes a resguardar a vida e a saúde do trabalhador; c) providências contra a fadiga e consistentes sobretudo no repouso intrajornadas, semanal e anual.

É bem de ver que a falência da teoria geral do contrato fundada no individualismo foi...

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