Das condições da ação

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas33-56

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1 Introdução

A ação é direito subjetivo indireto de exercício de outro (ou outros) direito subjetivo.

Para Caio Mário da Silva Pereira1o direito subjetivo possui os seguintes elementos: "sujeito", "objeto" e "relação jurídica". Razão assiste a este autor, o direito subjetivo é aquele que possui um sujeito ou titular. Não existe direito sem a presença de um titular para exercê-lo. Hominum causa omne ius constitutum est.2 Também não existe o direito subjetivo sem um "objeto". Assim, por exemplo, o objeto da compra e venda é o preço e a coisa. Segundo o citado autor, a relação jurídica que constitui o direito subjetivo é o vínculo que impõe a submissão do objeto ao sujeito. Contudo, a relação jurídica não consiste somente no vínculo que une uma pessoa, como titular, ao objeto do direito, mas, também na submissão de outras pessoas em cumpri-lo, quando integrarem o seu polo passivo, ou simplesmente respeitá-lo, quando a ele não estiverem vinculadas. Em suma a "relação jurídica" constitui a estrutura jurídica de organização de cada direito subjetivo. Assim, o objeto de cada direito subjetivo possui uma construção jurídica que lhe é peculiar, de forma que, por exemplo, o objeto de um direito subjetivo de natureza obrigacional (Livro I, da Parte Especial do Código Civil) distingue-se daquele de natureza real (Livro III, da Parte Especial do Código Civil).

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Portanto, não há relação jurídica sem que haja uma titularidade, como não há um titular sem que haja uma tutela legal atribuindo essa qualidade. De outro lado, não há relação jurídica sem que haja um objeto a ser tutelado.

Em verdade, os elementos indicados por Caio Mário da Silva Pereira, são exatamente aqueles sem os quais "inexiste" o "negócio jurídico." Por isso, ao lado da "titularidade" e do "objeto" devemos incluir, outrossim, o "consentimento."

Mas entendemos que a relação jurídica não estrutura apenas os pressupostos de constituição do direito subjetivo, mas, também, a sua "forma de exercício", que constitui-se em seu pressuposto de validade. Assim, a inobservância da forma de exercício conduz a nulidade absoluta ou anulabilidade do negócio jurídico necessária à criação de todo e qualquer direito subjetivo. De modo que, aquele que não observa as regularidades formais para a lavratura de uma escritura de compra e venda, pratica um negócio jurídico inválido ou nulo, e que, por isso, não poderá ser levado à registro.

Em suma, todo e qualquer direito subjetivo, possui a presença de três elementos essenciais de constituição que são: a titularidade, o objeto e o consentimento e um de validade que é a forma de exercício., todos eles estruturados pela "relação jurídica." Não há direito subjetivo que subsista sem a presença daqueles três primeiros pressupostos. Já a não observância da "forma de exercício" conduz à nulidade.

O mesmo objeto do direito subjetivo violado, constitui o objeto, ou pedido mediato, da ação. Por isso, os elementos de constituição do direito subjetivo (titularidade, o objeto, consentimento e a relação jurídica) constituem as condições da ação.

Quando a "forma de exercício" se dá por meio da ação, a sua forma é o processo, cuja inobservância estrutural produz apenas nulidade, razão pela qual, constitui os pressupostos processuais.

Para sabermos se determinado elemento constitui condição da ação ou pressuposto processual, basta subtraí-lo "in mente", se sem ele o direito subjetivo, que constitui o pedido mediato da ação, não

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subsistir, estaremos diante de uma condição da ação, se subsistir, estaremos diante de um pressuposto processual, posto que a não observância das formas do processo produz apenas a sua invalidade ou nulidade, não atingindo o pedido.

Não há uma "relação jurídica" sem que haja uma forma de exercício que submeta o sujeito passivo ao cumprimento do "objeto" a que está obrigado.

A "relação jurídica" constitui a estrutura do "direito subjetivo." Dessa forma, a "relação jurídica" constitui todo e qualquer direito subjetivo, fixando-lhe a "titularidade" e o "objeto", bem como estruturando-lhe a "forma de exercício" tanto material como coativa através da ação.

Na esfera civil, o direito subjetivo pode ser exercido materialmente, desde que o sujeito passivo da relação jurídica que o constitui cumpra voluntariamente a sua obrigação. Porém, não sendo cumprido voluntariamente pela parte obrigada, o titular do direito subjetivo em conflito terá, agora, direito a uma forma de exercício secundária e coativa para exercer o seu direito. É o direito de ação. Desse modo, a ação constitui-se em um direito subjetivo que consiste em exigir do Estado a solução de um conflito de interesse decorrente do inadimplemento do direito subjetivo que não pode ser exercido materialmente contra o sujeito passivo que se recusa a cumpri-lo voluntariamente. O direito subjetivo de ação consiste em uma "obrigação de fazer" onde figura como sujeito passivo o Estado e, como sujeito ativo, o titular do direito subjetivo não satisfeito voluntariamente. O direito subjetivo de ação consiste numa atuação do Estado, razão pela qual constitui-se em uma obrigação de fazer.

Na seara penal, a ação é o único meio de exercício do jus puniendi, ou seja, não pode este direito subjetivo, cujo único titular é o Estado, ser exercido materialmente, posto que não é auto-executável. A lei constitucional exige a propositura da ação penal para que o réu possa ter direito ao devido processo legal.

O jus puniendi do Estado, como todos os demais direitos subjetivos, possui um titular que é o Estado, um objeto que é a pena, e uma única forma de exercício que é a ação penal. É a ação penal a única forma de exercício do jus puniendi do Estado.

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2 Teorias sobre a natureza jurídica do direito de ação

Várias teorias surgiram ao longo dos tempos na tentativa de apontar a natureza jurídica do direito de ação.

Como ensina Moacyr Amaral Santos3: "Segundo a conceituação romana, de Celso, a ação era o direito de pedir o que nos é devido - Nihil aliud est actio quam ius, quo sibi debeatur, in iudicio persequendi."

Para os romanos tanto a ação como o processo eram parte do direito civil. Com base nessa noção Savigny (1779-1861), sustentou ser o direito de ação o próprio direito subjetivo material a reagir contra a ameaça ou violação. Esta teoria atravessou os séculos, sendo adotada pela maioria dos juristas até o século IXX e pelos juristas brasileiros até os anos de 1930. A principal característica dessa teoria é que a ação prende-se ao direito que busca tutelar. Para Savigni tratava-se a ação do direito material em exercício.

Na metade o século IXX Muther passa a distinguir o direito da ação. Para ele a ação consiste no direito à tutela do Estado e atribuída a quem seja ofendido no seu direito. Sustentava que a ação é proposta contra o Estado. Contudo, embora admitisse ser a ação um direito público subjetivo, distinto do direito cuja tutela se pede, tem como pressuposto necessário este direito e sua violação.

Por volta dos anos de 1885, Adolpho Wach cria a teoria do direito concreto à tutela jurídica, passando a sustentar a autonomia do direito de ação, pregando que ela não tem por base um direito subjetivo ameaçado ou violado, uma vez que ela pode ser proposta, outrossim, para se obter uma simples declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Contudo, embora autônomo, a ação é direito concreto, só atribuída a quem tem razão. Para o mencionado autor a ação dirige-se contra o Estado e contra o réu, entretanto, a tutela deve concretizar-se em uma tutela favorável.

Posteriormente, Chiovenda passa a sustentar que a ação é direito autônomo como pregava Wach, porém, ela não se dirige contra o Estado

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mas contra o adversário: é o direito de provocar a atividade jurisdicional contra o adversário. Atribuía assim ao direito de ação um caráter potestativo. O réu nada pode fazer senão se submeter à ação proposta pelo autor. A função jurisdicional se limita a atuar a vontade da lei, através da provocação do titular da ação.

Mais ou menos na mesma época com Degenkolb, na Alemanha e Plosz, na Hungria, surge a ação como direito abstrato. Para estes autores, o direito de ação não se condiciona ao Direito Material invocado, pois isso importa em reconhecer que ela só existiria se fosse acolhida pela sentença. Sustentam estes autores que mesmo sendo julgada improcedente, negando o direito pleiteado pelo autor, existe o direito de ação. Por essa razão, para eles o direito de ação independe da existência efetiva do direito invocado. Como relata Julio Fabbrini Mirabete4

citando Frederico Marques: "Não importa a existência ou não do direito material, o réu não pode impedir que o autor ingresse em juízo com a ação; o direito de ação é independente do direito material, que pode existir ou não quando proposta a ação."

Na Itália, embora combatida por Chiovenda, a teoria da ação como direito abstrato encontra em Alfredo Rocco um defensor. Este autor acrescentou a ideia de que o Estado impede os indivíduos de fazerem justiça com as próprias mãos, tomando para si a tutela dos direitos. Sustentou ainda a existência de dois interesses presentes na ação: o interesse tutelado pelo direito e o interesse na tutela daquele pelo Estado. Aquele interesse tinha como conteúdo os direitos subjetivos pertencentes ao autor, enquanto que este seria o direito de remover as dificuldades opostas pela parte obrigada em cumprir aqueles direitos subjetivos.

Posteriormente surge Ugo Rocco também sustentando ser a ação um direito abstrato, passando...

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