Das ações regressivas previdenciárias

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada, Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR e PUC/PR
Páginas269-308

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13.1. Da previsão legal e do questionamento sobre sua constitucionalidade

Conforme já abordado anteriormente, tanto no Capítulo 1 quanto no Capítulo 11 desta obra, a obrigatoriedade de o empregador contratar um seguro de acidentes de trabalho surgiu apenas com a publicação de o Decreto-lei n. 7.036/44, e já naquela época havia previsão sobre o direito de regresso por parte das seguradoras, em caso de infração do contrato de seguro. Eis a redação do art. 100 daquele diploma legal:

Art. 100. O empregador, ao transferir as responsabilidades que lhe resultam desta lei, para entidades seguradoras, nelas realizando o seguro, fica desonerado daquelas responsabilidades, ressalvado o direito regressivo das entidades seguradoras contra ele, na hipótese de infração, por sua parte, do contrato do seguro.

Parágrafo único. Não poderão ser motivo de seguro as sanções decorrentes da inobservância das disposições desta lei.

Posteriormente, o Decreto-lei n. 293/1967 repete a mesma previsão em seu art. 2a, mas sua revogação ocorreu em setembro do mesmo ano de 1967, pela Lei n. 5.316, que obrigou as empresas a realizar esse seguro perante a Previdência Social, sem concorrência de outras seguradoras, e sem qualquer menção expressa sobre o direito de regresso.

Até a edição da Lei n. 5.316/67, portanto, o seguro poderia ser livremente contratado pelos empregadores, a eles cabendo escolher se a seguradora seria o instituto de previdência ao qual se encontrava vinculado seu empreendimento ou outra da iniciativa privada. Tratava-se de um seguro privado, regido pela legislação civil, com a existência de contrato prévio fixando direitos e obrigações e ao qual se aplicava, inclusive, a Súmula n. 188 do STF:

O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro.

A partir do momento em que o legislador obrigou a contratação desse seguro com a Previdência Social, independentemente da vontade do empregador e da existência de contrato, passou aquele a ter natureza pública, servindo a contribuição para financiar os benefícios acidentários não apenas de seus próprios empregados (risco da atividade económica), mas de todos os segurados do sistema (risco social).

A CF/88, no inciso XXVIII do art. 7a, assegurou aos trabalhadores o direito ao seguro de acidentes do trabalho, a cargo do empregador, determinando no art. 201 que a Previdência Social atenderia a cobertura dos acidentes de trabalho (inciso I), razão pela qual a Lei n. 8.212/91 fixou as alíquotas contributivas (1%, 2% ou 3%) determinando apenas a Previdência Social como seguradora.

A Lei n. 8.213/91 tratou de regular os benefícios e serviços pagos pelo sistema e seu art. 120 tornou a prever a possibilidade da ação regressiva, instrumento processual que possibilitaria ao INSS recuperar os valores gastos com os segurados vítimas de acidentes de trabalho166 quando comprovada culpa por parte do empregador em decorrência da não observância das normas de segurança e saúde, sendo sua redação a seguinte:

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

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Em 1998 a Constituição Federal sofreu alterações pela Emenda Constitucional n. 20 (inclusive na redação do art. 201), e a previsão que atualmente consta na Carta Magna, arts. 7a, inciso XXVIII c/c o § 10 do art. 201, também obriga os empregadores ao pagamento de um seguro de acidentes de trabalho, mas possibilitando que, mediante lei, seja atendido concorrentemente pela Previdência Social e pelo setor privado, conforme transcrevo:

Art. 7a São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

[...]

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.

Enquanto não publicada lei a respeito do atendimento desse seguro por empresas do setor privado, prevalecem as disposições da Lei n. 8.212/91, sendo importante destacar que, em sua versão original publicada em 25.07.1991, cuidou de instituir o seguro no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, cujo objetivo era complementar o financiamento das prestações por acidente de trabalho (art. 22, inciso II).

Em 1997 a Lei n. 9.528 alterou a redação desse inciso e passou a determinar que essa contribuição devida pelas empresas passaria a financiar não apenas a complementação dos benefícios acidentados, mas sim sua totalidade, redação mantida quando das alterações promovidas também pela Lei n. 9.732/98, que criou alíquotas adicionais a esse seguro para o custeio também das aposentadorias especiais.167 Eis a redação vigente do referido artigo (destaque meu):

Art. 22. [...]

II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213, âe 24 âe julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:

  1. 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

  2. 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

  3. 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Insisto no entendimento já esposado no subitem 11.1 desta obra no sentido de que as alíquotas básicas de 1%, 2% e 3% permanecem destinadas a custear a totalidade dos benefícios acidentários e que os acréscimos instituídos pela Lei n. 9.732/98 servem ao financiamento da aposentadoria especial, os quais, inclusive, se encontram previstos nos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213/91.168

A lei que define o seguro de acidentes é, pois, a Lei n. 8.212/91, e a redação conferida ao inciso II do art. 22 desde 1997 não deixa dúvida no sentido de que as alíquotas (1%, 2% ou 3%) se destinam ao custeio de todo e qualquer benefício concedido aos trabalhadores que sofrem acidente do trabalho, sem qualquer exceção.

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Atividades económicas com risco acidentario leve pagam a alíquota básica de 1%, empresas de risco médio pagam 2% e aquelas de risco grave devem contribuir com a alíquota máxima de 3%, sendo possível percebermos, de plano, que uma atividade propícia à acidentalidade paga um seguro 200% maior que uma atividade com baixa acidentalidade. E não é demais registrar a previsão do § 3a do art. 22 (Lei n. 8.212/91) autorizando o Ministério da Previdência Social a redistribuir essas aliquotas conforme estatísticas acidentarias feitas por inspeção. Comprovando-se, pois, que determinado segmento está contribuindo com a alíquota mínima de 1%, mas com alto número de acidentes, encontra-se autorizado o Executivo a reenquadrá-lo para as aliquotas de 2% ou 3%, o que, inclusive, fez recentemente o Ministério da Previdência Social por meio dos Decretos ns. 6.042/2007 e 6.957/2009.

Trata-se, pois, de uma contribuição social com natureza tributária, vinculada totalmente ao custeio dos benefícios acidentários a que se propõe e que, desde janeiro/2010, vem sendo flexibilizada pelo Fator Acidentario de Prevenção - FAP, criado pela Lei n. 10.666/2003 e cuja metodologia de cálculo consta do Decreto n. 3.048/99 (art. 202-A) e das Resoluções CNPS ns. 1.308/2009,1.309/2009 e 1.316/2010.

Sobre o FAP trata o Capítulo 12 desta obra, sendo regra vigente a inclusão de toda e qualquer ocorrência acidentaria em sua composição de cálculo, bem como todo e qualquer benefício dela decorrente.

É certo, pois, que as empresas contribuem com uma alíquota básica que varia entre 1% e 3% conforme o risco acidentario e que essas aliquotas podem ser reduzidas (em até 50%) ou majoradas (em até 100%) conforme a frequência, a gravidade e o custo de toda e qualquer ocorrência acidentaria, independentemente da existência de culpa por parte do empregador.

Incorreta é a interpretação, portanto, de que toda a sociedade financia os benefícios acidentários porque a legislação é clara em determinar que estes são totalmente custeados pelas contribuições das empresas, a título do SAT. As demais contribuições (das empresas e dos trabalhadores) servem ao financiamento dos demais benefícios mantidos pelo sistema, dispostos na mesma Lei n. 8.213/91. Tanto é assim que não são todos os segurados do Regime Geral de Previdência Social que possuem direito a benefício acidentario, mas somente os que trabalham na condição de empregados, avulsos e segurados especiais.

Ocorre que o fato de a contribuição ser obrigatória e de o seguro ser atendido exclusivamente pela Previdência Social confere a esse custeio uma natureza tributária (assim já reconhecido, inclusive, pelo STF), mas não retira a natureza securitária do...

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