Danos Morais nas Relações de Trabalho

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Ocupação do AutorCoordenadora
Páginas189-198

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1. Danos morais: conceito e normatização

A temática dos danos morais se insere na órbita da responsabilidade civil e, como tal, refere-se ao conjunto de bens imateriais e/ou não patrimoniais que ensejam uma reparação por sua violação, enquanto interesses juridicamente protegidos.

Consoante Yussef Said Cahali:

[...] considera-se dano moral tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.1Para Carlos Alberto Bittar:

Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social2.

Em realidade, a expressão “dano moral” segue uma tradição do nosso direito, mas não resolve uma série de controvérsias a respeito da sua natureza, quando não concorre exatamente para o oposto, isto é, suscitar objeções ao reconhecimento e à reparação dessas espécies de danos, como argumentos positivistas contrários a reparação patrimonial da “moral” ou da “dor moral”, como se o conceito de moral do âmbito jurídico coincidisse totalmente com a moral ou a ética filosófica ou social.

É indiferente para efeitos de reparação que a violação recaia sobre um bem de ordem material, patrimonial ou moral. Enquanto interesse juridicamente protegido, é sempre passível de reparação, já que sua integridade é tutelada pela esfera jurídica. Assim, do mesmo modo que, diante de uma violação de um bem patrimonial não se indaga se este bem ainda era servível ao seu titular, bastando a sua mera violação, tampouco se deve indagar se o atingimento da esfera moral, realmente causou dor, ferimento da alma, angústia ou qualquer outro complemento psicológico. Basta o atingimento do bem moral em si, o dano dá in re ipsa.3

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Neste sentido, aos familiares de um empregado que faleceu em virtude de acidente do trabalho, não se exige a comprovação da dor, na ação por danos morais contra o empregador, pois aquela decorre de uma presunção absoluta. Do mesmo modo, ao empregado que é vítima de assédio moral ou de ato discriminatório deve ser garantido o ressarcimento dos danos à sua esfera moral, com base na mera comprovação do nexo causal entre a conduta do agente e a repercussão negativa em sua integridade psicofísica.

Não se pode provar a dor moral, porque esta se passa na esfera subjetiva do indivíduo, onde a pesquisa probatória não pode adentrar. Não será com atestados médicos ou com depoimento testemunhal que se demonstrará a dor, a angústia o desconforto, o sofrimento, a aflição; o dano à moral é aferido por meio de presunções hominis. O dano, porém, objetivamente afeta um direito da personalidade, e desta afetação poderá ser detectada e evidenciada a ofensa à moral, sem que para isso se precise adentrar ao psiquismo da vítima.4Moral é, portanto, o dano que atinge uma esfera não patrimonial, mas que, por ser um interesse juridicamente protegido, não isenta o causador do dano à sua reparação, bem como concede à respectiva vítima a persecução jurídica desta mesma reparação. Neste sentido é a regra geral do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

A norma do art. 186 do Código Civil opera como uma cláusula geral de reparação de danos não patrimoniais. O ato ilícito deve ser entendido em seu sentido mais amplo, incluindo tanto as hipóteses de responsabilidade objetiva quanto subjetiva, e desde os atos dolosos aos meramente culposos (negligência, imprudência e imperícia).

A Constituição Federal de 1988 previu entre os direitos fundamentais a reparação da esfera moral, em suas dimensões subjetiva e objetiva, assegurando, em seu art. 5º, V, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

No mesmo art. 5º, em seu inciso X, o legislador constituinte previu a reparação da esfera moral dos indivíduos quando violado qualquer direito da personalidade: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

Em nossa legislação há uma miríade de dispositivos legais de tutela da esfera moral, sendo que muitos deles serão citados ao longo deste trabalho. Entretanto, no campo da legislação do trabalho, ainda é incipiente o conjunto de normas que se referem direta ou indiretamente à tutela da esfera moral dos sujeitos da relação de emprego.

O art. 482 da CLT, v. g., considera hipótese de falta grave pelo empregado a prática de ato lesivo da honra ou da boa fama praticado pelo empregado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (alínea j), bem como o ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas pelo empregado contra o empregador ou superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (alínea k).

O art. 483 da CLT, por sua vez considera como hipóteses de rescisão indireta o tratamento do emprego com rigor excessivo por seu empregador ou superiores hierárquicos (alínea b); a prática pelo empregador ou seus prepostos de ato lesivo contra a honra e a boa fama do empregado ou de pessoa da família deste (alínea e) e a ofensa física do empregador ou preposto contra o empregado, salvo o caso de legítima defesa própria ou de outrem (alínea f).

Não obstante a insuficiente disciplina da tutela moral nas relações de trabalho na CLT, são plenamente aplicáveis as normas dos demais diplomas normativos sobre a regulamentação da matéria, em virtude da norma de abertura do art. 8º da CLT, a qual determina a aplicação subsidiária do direito comum ao direito do trabalho.

1.1. Dano moral subjetivo e dano moral objetivo

Os danos morais subjetivos se limitam à esfera psíquica do indivíduo, relacionando-se a repercussões intrínsecas aos aspectos internos do lesado, como a sujeição à dor e ao sofrimento.

Dano moral objetivo é aquele que afeta a estima do indivíduo no círculo social, em uma coletividade ou na sociedade, como a sua honra e a sua imagem. A imputação de um fato criminoso (calúnia) ou de um ato ofensivo à sua reputação (difamação) são hipóteses de circunstâncias que causam prejuízo à consideração objetiva da vítima em determinado círculo social.

1.2. Danos morais puros e danos morais reflexos

Os danos morais puros ou diretos correspondem ao conjunto de lesões aos atributos não patrimoniais da pessoa, como os direitos da personalidade, evidenciando-se o dano diretamente da violação de um destes atributos.

Os danos morais reflexos ou indiretos são aqueles valores não patrimoniais que são atingidos em virtude da violação de um bem patrimonial. São indiretos porque derivam de um fato lesivo a um interesse patrimonial, como a perda de um valor afetivo ligado ao bem patrimonial lesado.

1.3. Dano moral individual e dano moral coletivo

Os danos morais podem ser individuais ou coletivos. O dano moral individual é aquele que se limita ao círculo de atributividade jurídica de determinado indivíduo. Diz respeito à ofensa da esfera extrapatrimonial de um sujeito determinado, gerando-lhe um interesse jurídico subjetivo à reparação da sua esfera moral, cujo exercício e fruição é de sua exclusiva titularidade.

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Já o denominado dano moral coletivo consiste na lesão de bens extrapatrimoniais ínsitos a uma coletividade de pessoas; concernentes ao próprio grupo social, ou a coletividades difusas, coletivas e individuais homogêneas, cuja esfera moral não se confunde com as esferas individuais de seus membros ou com a mera soma dessas, posto que titularizados pela própria coletividade, globalmente considerada. Exemplo: dano à imagem de uma cidade; dano à honra de uma coletividade de empregados.

Como elucida Carlos Alberto Bittar:

Dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura...

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