Dano Moral e Problema de Verdade:Questões para o Direito, para a Lógicae para a Ciência

AutorMaria Francisca Carneiro
CargoPós-doutora em Filosofia (Universidade de Lisboa)
Páginas17-21

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"You will not mistake my meaning or suppose that I depreciate one ofthe great human studies ifI say that we cannot learn law by learning law. Ifit is to be anything more thanjust technique it is to be so much more than itself: apart of history, apart ofeconomics and sociology, apart ofethics anda philosophy oflife ".

Lord Radcliff in The Love and its Compass

1. Introdução ou aspectos de teorias da verdade e da justiça em face dos prejuízos morais

A discussão sobre o dano moral é sempre, também, uma reflexão sobre o problema da verdade sobre a moral e sobre o comportamento, sendo que esta e aquela, por seus turnos, são tidas como elementos essenciais da justiça, como se vê em diversas escolas da teoria geral do direito1.

As preocupações com a verdade são, em último reduto, uma das motivações primeiras2 do conhecimento que move a história da ciência.

Assim sendo, as teorias da verdade encontram-se embasadas nos primórdios da racionalidade; todavia, convenciona-se adotar, como marcos teóricos, as ideias de Aris-tóteles, em suas múltiplas interpretações; a formulação do lógico polonês Alfred Tarski, sistematizadas no início do século XX; e, mais recentemente, as teorias de Newton da Costa3. Desse modo, pode-se falar, por exemplo, em verdade por equivalência, verdade por correspondência, verdade pragmática e quase-verdade, sendo que a questão, longe de se exaurir, torna-se tão profícua quanto puder avançar o pensar metodológico.

Dentre tantas teorias sobre a verdade (lembremo-nos, de passagem, da farta consequência decorrida da celeuma haurida entre Popper e Khun sobre o tema), qual é mais "verdadeira"? Para Newton Freire-Maia4, se formos absolutamente rigorosos, em critérios cientificamente estritos na apreciação da validade de proposições, nunca poderemos ter plena "certeza" acerca do conteúdo de verdade dessas mesmas proposições.

A quase-verdade, formulada por Da Costa5, condiciona a validade dessa verdade a um determinado domínio e, nesse sentido, ela é relativa e alicerça-se em estruturas pragmáticas.

Evidentemente, o problema teórico da verdade engloba questões de grande porte filosófico, como decidibilidade, recursividade, trivialidade, coerência e consistência. Vamos nos ater, por ora, às indagações acerca de aspectos da verdade neurobiológica e legitimação dos procedimentos aceitos em juízo para o pleito, a prova e a liquidação dos danos morais, sob o prisma doutrinário.

Por certo, não é objetivo deste escrito retomar o substancioso edifício teórico da responsabilidade

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civil, tampouco reprisar a consolidação pretoriana do dano moral, assuntos sobre os quais é notável e ampla a bibliografia nacional e estrangeira.

Pretendemos, nestas passagens, relacionar, por transitividade, com a questão jurídica dos danos morais, dois aspectos recentes, um da ciência e outro do próprio direito, onde pinçaremos algumas descobertas havidas das pesquisas sobre as bases neurobiológicas do comportamento moral.

Ao final, refletiremos até que ponto os achados da ciência podem de fato contribuir para aclarar a verdade sobre os danos morais e se, com efeito, as lógicas subjacentes que viemos empregando a esse desiderato mostram-se cabais e suficientes.

Desnecessário dizer ser esta uma reflexão de cunho transdisci-plinar que enceta dois talhes metodológicos: um, da parte da imagem profana do direito, para adotarmos a expressão criada por Paulo Ferreira da Cunha6, no sentido que este estudo traz ao pensamento jurídico elementos provenientes de outras áreas, vale dizer, estranhos à perspectiva intrajurídica. O outro talhe epistêmico caracteriza-se por referir-se, em algum sentido, a uma certa imagem e visão intelectualizada do direito7 na medida em que a sua composição é precipuamente teórica.

2. Verdades biológicas acerca do dano moral

Uma das tendências verificadas na contemporânea doutrina estrangeira sobre o dano moral é a classificação em tipos ou subespécies8. Esse desdobramento por certo tem dupla finalidade: tanto favorece a caracterização prática do dano, nos autos, como também estimula o estudo teórico minucioso das subespécies.

Porém, em nosso país, as condenações do dano moral tendem a ser feitas em um montante global, unitário, onde raramente se constata o esmiuçamento dessa sorte de prejuízo em subespécies como danos psíquicos, danos morais, danos biológicos etc. É provável, inclusive, que esse entendimento apresente-se congruente com a integralidade da personalidade humana, em sua inteireza, tutelada pela Constituição Federal. Por certo, a não fragmentação conceitual tem sua razão de ser.

De qualquer modo, sendo o dano moral caracterizado como a dor, o sofrimento e a humilhação que a pessoa sofre na sua esfera íntima ou social, ou como a afetação à sua honra, seu sistema de crenças e valores, acarretando uma diminuição no âmbito proje-tado pela personalidade humana, é inequívoca a vinculação existente entre o dano moral e as ciências da mente.

Hodiernamente, as ciências morais dividem-se em três linhas distintas, a saber: a neurocognição, o neodarwinismo e a etologia. Vamos nos ater, principalmente, no presente estudo, a alguns aspectos da neurocognição, configurados como resultado de pesquisas sobre o comportamento moral9.

Para a Moral Network Theory10 o desenvolvimento moral é, primeiramente, uma forma de aquisição de conhecimento e depende basicamente da educação, da metodologia e da relação ensino-aprendizagem. Contextualizado em uma ética naturalista, para essa vertente de pensamento o comportamento moral é um elemento ecológico, indispensável ao convívio e à vida dos grupos.

Mas há também, em decorrência dessa facção, o naturalismo metaético, que vê na experiência e nos objetivos razões do comportamento, a partir dos dados conhe-cidos como mental inner states. Já por essas breves considerações, pode-se antever o potencial das ciências cognitivas e suas contribuições à ética, à bioética e aos direitos morais.

Investigações sobre a composição das redes neurais11 objetivan-do o reconhecimento das emoções humanas, modelaram com sucesso exemplos de percepção social tais como espanto, alegria, prazer, relaxamento, sonolência, aborrecimento e raiva, sendo que a esses estados correspondem expressões faciais, bem como concentrações neuronais e atividades no córtex cerebral...

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