Dano moral - Inquérito - Justa causa - Poder potestativo

AutorJuíza Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale
Páginas95-101

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SENTENÇA RELATÓRIO

Cuida-se de ação trabalhista ajuizada por José António Alvarez Soto, já qualificado, em face de Banco do Brasil S.A., igualmente qualificado, postulando as verbas declinadas na inicial (fls. 01/15), tendo o Reclamante, ainda, ajuizado outra ação trabalhista, que fora apensa por dependência. Juntou procuração e documentos. Conci- liação rejeitada. Alçada fixada. Regularmente notificado, o reclamado compareceu à audiência e apresentou contestação (fls. 230/259 e 533/558), tendo a Reclamante se manifestado às fls. 881/900 e 946/959. Reconvenção de fls. 860/863 e contestação à mesma às fls. 866/880. Ata de fls. 1020/1022, onde consta o depoimento de três testemunhas, além do encerramento da instrução e as razões finais. Não houve conciliação. É o relatório, passa-se a decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO

I - SÍNTESE DOS AUTOS EM RELAÇÃO AO MOTIVO DA DESPEDIDA DO AUTOR

Inicialmente o Reclamante ajuizou ação pugnando pela declaração da nulidade de sua despedida, afirmando que a mesma fora fundada em motivos falsos, não lhe tendo sido dada a oportunidade de defesa, razão pela qual ofendida restou a cláusula do devido processo legal. Posteriormente, o Reclamante, diante da motivação do ato da sua despedida pelo Reclamado nos autos da primeira ação, resolveu intentar outra ação trabalhista, desta feita, para postular por danos morais, afirmando que a pecha que lhe foi indicada pelo Banco ofendeu a sua honra.

Em suas defesas, o Réu sempre se manifestou no mesmo sentido, afirmando que despediu o Reclamante por justo motivo, fundando-se em inquérito administrativo interno onde, segundo alega, foi assegurado ao investigando, o contraditório e a ampla defesa, não tendo havido qualquer infração à Carta Política de 1988.

II - BREVE ANÁLISE SOBRE O "PODER POTESTATIVO" DO EMPREGADOR

Muito se comenta e até se afirma que o empregador detém poder potestativo de despedir o empregado sem a apresentação prévia de motivos, mesmo diante da redação do art. 7º, I da Constituição Federal de 1988, que em sua literalidade dispõe que: São direitos do trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Mais adiante, o indigitado Dispositivo Legal, estabelece que a indenização compensatória pela despedida arbitrária será estabelecida pela Lei Complementar, que até os dias atuais, não obstante quase vinte e quatro anos após a promulgação da Constituição, ainda não foi sequer votada.

Somente a título de argumentação, outros países ocidentais há muitos anos já possuem regras protegendo a relação de emprego contra as despedidas arbitrárias, como a Itália, Portugal, Alemanha e Espanha, Estados que somente permitem a despedida de empregados pelo empregador, desde que este tenha um motivo forte, social e formalmente justificável para o ato, com rígido controle prévio, o que não inibe a discussão acerca dos motivos a posteriori, inclusive com a possibilidade de reintegração, caso seja reconhecida a nulidade da depedida. Outros paíse, a exemplo da França, não possuem controle a priori, mas tão-somente posterior, embora também seja possível em tal Estado estrageiro a reintegração no emprego, ante a nulidade da dispensa pelo não acolhimento da justa causa, ou pela inobservância do rito.

Aqui no Brasil, como já afirmado ao norte, embora a literalidade da primeira parte do art. 7º, I do Texto Constitucional, ainda persiste a ideia segundo a qual o empregador possui direito potestativo de despedir o empregado, ainda que sem motivo algum, em denúncia vazia.

Com tal posicionamento doutrinário e jurisprudencial dominante não concorda esta Magistrada, pois, não é crível que um suposto direito potestativo possa ensejar uma indenização, como alude o referido dispositivo constitucional. Qualquer indenização no nosso Ordenamento Jurídico somente é devida desde que tenha havido dano moral ou patrimonial a ser ressarcido, caso contrário, aquela será considerada mero enriquecimento ilícito, de forma que a interpretação segundo a qual ao empregador é dado o direito potestativo de despedir o empregado sem motivo, desafia até a literalidade do art. 7º, I da CRFB/88.

Não bastasse isso, aludida interpretação dominante, não se coaduta também com o princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais, presente no art. 5º, § 1º da CRFB/88 e muito menos com a regra contida no art. 122 do Código Civil, segundo a qual entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Ora, se supostamente ao empregador é dado o direito de despedir o empregado, tornando, como estatui a referida regra, sem efeito o negócio jurídico, não é possível que tal condição possa restar ao seu único talante. Acreditar que que esse direito é ilimitado, ou mesmo potestativo, é menosprezar diversos princípios, tais como a boa-fé objetiva e o próprio devido processo legal, nas suas versões formal e substancial.

Infelizmente tanto a doutrina quanto a jurisprudência dominantes se posicionam em sentido diametralmente oposto, tanto que o próprio C. Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento consolidado, reunido em torno da OJ n. 247 da SDI-1, segundo a qual: "a despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade", isso porque a Corte Maior Trabalhista parte do pressuposto já analisado, segundo o qual é dado ao empregador o direito potestativo de despedir, ainda que sem a apresentação de motivos.

No caso do empregado público, essa "verdade" é ainda mais aviltante, pois ofende o caput do art. 37, da CRFB/88, quando esta fala da necessidade de observância dos princípios da impessoalidade (homenageado pelo concurso público) e da publicidade, além de ignorar por completo a regra contida na Lei n. 9.784/99, que em seu art. 2º, caput estabelece que a Administração Pública

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deverá sempre observar o princípio da motivação, e as empresas públicas e sociedades de economia mista pertencem à Administração Pública Indireta.

III - DEVIDO PROCESSO LEGAL

Apesar do cenário doutrinário e jurisprudencial já visto, o Reclamado resolveu, por ato interno, regulamentar a despedida por justo motivo de seus empregados e, segundo o seu LIC (fls. 277 e ss.) a apuração da falta será perpetrada por sindicância interna do Banco, ou inquérito administrativo, para ser mais clara, de forma sumária ou ordinária, mas sempre com a possibilidade de defesa.

Informou o Banco-Réu ao Juízo, que o Reclamante sempre teve oportunidade de se defender, tanto quando foi entrevistado e automaticamente comunidado que tramitava em face de si inquérito para a apuração de diversos atos de improbitade - para dizer o mínimo -, assim como na interpelação. Também informou o Banco que o inquérito que investigava o Autor era do tipo sumário e não ordinário, haja vista as provas já colhidas internamente, que ensejavam o indigitado procedimento.

Dos autos não consta qualquer comunicação do Reclamado para que o Reclamante pudesse se defender, tanto que as defesas daquele afirmam que este obteve tal...

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