O dano moral coletivo em sede de dano ambiental

AutorLívia Cunha de Menezes
Páginas570-602
570 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
O DANO MORAL COLETIVO EM
SEDE DE DANO AMBIENTAL
CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Lívia Cunha de Menez es1
Resumo: O dano moral coletivo é instituto em pauta nas discussões
no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao menos desde o ano de 2006,
quando do julgamento do Recurso Especial nº. 598.281/MG. Questio-
nado não apenas nas demandas ambientais, mas em todas as situações
em que se verica lesão intolerável a direitos metaindividuais, a gura do
dano moral coletivo avançou de forma signicativa em âmbito jurispru-
dencial, mas permanece controvertida na doutrina. O presente artigo
visa à análise das origens do instituto, dos argumentos veiculados tanto
pelos ministros do STJ quanto pelos doutrinadores, a m de identicar
o seu conceito e a função por ele desempenhada no contexto da atual
sociedade de risco.
Palavras-chave: dano moral coletivo, dano ambiental, direitos difusos.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 disciplinou de maneira inova-
dora e sistêmica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
direito difuso de terceira dimensão, essencial à sadia qualidade de vida.
Visando a maior proteção possível, o legislador constituinte originário
consagrou a tríplice responsabilidade em matéria ambiental – adminis-
trativa, penal e civil – e recepcionou a Política Nacional de Meio Am-
biente (Lei nº. 6.938/81) no tocante à responsabilidade civil ambiental
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Lavras. Ex-monitora da disci-
plina de Direito Ambiental e bolsista de iniciação cientíca do CNPq. Estagiária no
Ministério Público de Minas Gerais.
O dano moral coletivo... • 571
objetiva.
Quando se trata do dano ambiental, vericam-se, além de suas
inúmeras particularidades que o diferenciam do dano tradicional, suas
diversas facetas, vez que ele pode ser objeto de tutela individual ou co-
letiva, sob o prisma material ou extrapatrimonial. Assim, a aplicação
da teoria geral da responsabilidade civil clássica, que visa tutelar o dano
em uma perspectiva individual, não é mais suciente aqui, o que exige
esforços por parte dos operadores do Direito de modo a lidar com a
complexidade inerente ao trato dos direitos difusos e coletivos.
Não obstante a obrigação de indenizar os danos patrimoniais
e morais suportados por indivíduos determinados em decorrência do
evento maior causador de degradação ambiental, a jurisprudência evo-
luiu no sentido de reconhecer a existência de um dano extrapatrimonial
coletivo. O suporte jurídico para tanto tem recaído sobre o art. 1º da Lei
da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), que disciplina o cabimento
do pleito por danos morais e patrimoniais causados a qualquer direito
difuso ou coletivo, dentre eles o meio ambiente.
Contudo, tal questão ainda gera grandes discussões doutriná-
rias, apesar de relativamente pacicada na jurisprudência, em especial
no STJ. A título ilustrativo, a lógica de alguns autores entende ser inad-
missível a aplicação de uma categoria forjada especicamente para tute-
lar os direitos da personalidade humana às situações em que se discute
a transgressão a direitos de uma coletividade. Por outro lado, autores
ambientalistas armam que a categoria do dano moral coletivo é uma
necessidade no contexto da atual sociedade de risco, para que as lesões
intoleráveis a um direito tão caro à humanidade sejam sancionadas de
maneira integral.
Este trabalho tem por escopo traçar a evolução no entendimen-
to do STJ acerca da conguração do dano moral coletivo ou dano ex-
trapatrimonial, bem como trazer os principais argumentos doutrinários
que se posicionam a favor ou contra a existência dessa categoria autô-
noma de dano. Para isso, o artigo busca, em um primeiro momento,
contextualizar as discussões no panorama vigente da crise ambiental e da
sociedade de risco. Após, será exposta de forma breve as especicidades
da responsabilidade civil em matéria ambiental para, então, desaguar no
cerne deste estudo.
A m de alcançar os propósitos acima elencados, foi empre-
endido um levantamento de fontes bibliográcas em livros, artigos en-
572 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
contrados na rede mundial de computadores e em dissertações e teses
disponíveis nos repositórios institucionais de universidades, para além
do exame da legislação pertinente.
1. A CRISE AMBIENTAL E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO
DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
Desde o início da sua história, a humanidade interage com o
meio ao seu redor e o modica na medida em que dele retira os insumos
necessários à sua sobrevivência e nele descarta os resíduos gerados nos
processos produtivos. Todavia, a interação dos seres humanos com o
ambiente não se deu da mesma forma em todos os tempos e em todos
os locais do mundo.
Como lembra Moraes1, o homem primitivo mantinha relação
de respeito e misticismo com a natureza, retirando dela apenas o necessá-
rio à sobrevivência. Esse panorama includente, isto é, em que o homem
se via inserido no grande organismo vivo que é a natureza, se altera de
forma gradativa em função da sedentarização, do aumento demográco
das comunidades e das disputas por territórios e excedentes agrícolas2.
Séculos após, já no período histórico abrangido pela Idade Mé-
dia, o paradigma teocêntrico difundido pelo clero conduziu à formula-
ção de uma nova relação entre o homem e o meio ambiente, desta feita
sobre o prisma opositivo. Ora, Deus havia criado a natureza para servir
aos homens, logo nada mais conveniente a se fazer senão apropriar-se
dos recursos naturais3.
Após a transição para a Modernidade, os artistas, lósofos e
pensadores que encabeçaram o Renascimento e, em um segundo mo-
mento, o Iluminismo, procuraram dissipar as “trevas” em que se envol-
veu toda a produção cientíca durante a Idade Média. Para isso, prega-
ram a centralidade do homem no universo enquanto ser livre, dotado
de razão. Desta feita, o oposicionismo homem/natureza, anteriormente
sustentado pelo viés teocêntrico, passa a ser defendido com base no pen-
1
MORAES, Kamila Guimarães de. Obsolescência planejada de qualidade: funda-
mentos e perspectivas jurídico-ambientais de enfrentamento. Dissertação (mestrado)
– Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de
Pós-Graduação em Direito. Florianópolis, SC, 2013. P. 27.
2
MORAES, Kamila Guimarães de. Op. Cit. P. 28.
3
MORAES, Kamila Guimarães de. Op. Cit. P. 29.

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