Dano Moral Coletivo

AutorMarcelo Freire Sampaio Costa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFPA
Páginas266-292
Capítulo 14
Dano Moral Coletivo
14.1. Considerações preliminares
O ptamos por nalizar esse estudo com a apresentação do instituto do dano moral coletivo(673), tão caro e importante
ao desenvolvimento da tutela coletiva laboral.
Aliás, pode-se dizer que o dano moral coletivo foi forjado pela jurisprudência laboral, especialmente em razão
das ações coletivas laborais aviadas pelo Ministério Público do Trabalho, notadamente voltadas a combater a chaga do
trabalho escravo.
14.2. Tripé justicador do dano moral coletivo
Construímos a ideia(674) da existência de três vetores (tripé justicador) que justicam o reco nhecimento da
ocorrência de danos excedentes da esfera da individualidade. São eles:
— dimensão ou projeção coletiva do princípio da dignidade da pessoa humana;
— ampliação do conceito de dano moral coletivo envolvendo não apenas a dor psíquica;
— coletivização dos direitos ou interesses por intermédio do reconhecimento legislativo dos direitos coletivos
em sentido lato.
Senão veja-se.
14.2.1. Da dimensão coletiva da dignidade da pessoa humana
Conforme salientado anteriormente, o dano moral ou extrapatrimonial, em consonância com os recentes eúvios
emanados pela Carta Maior de 1988, representa a violação do direito da dignidade da pessoa humana(675), em suas
vertentes individual e coletiva.
A dignidade da pessoa humana alcança, além do secular reconhecimento de uma dimensão ontológica construída
a partir da noção de autonomia da vontade do ser humano, novéis esferas de proteção, conforme inclusive deixou antever
a forma como restou positivado constitucionalmente, como fundamento da República e do Estado Democrático de
Direito (art. 1o, III), o princípio da dignidade da pessoa humana.
Essa citada projeção comunitária ou social do princípio da dignidade da pessoa humana representa a existência
de um dever geral de respeito no âmbito da comunidade dos seres humanos(676). Em suma, seja a dimensão singular ou
coletiva, a proteção da dignidade implica uma obrigação geral de respeito ao ser humano, individual ou coletivamente
agrupado.
(673) Cf. COSTA, Marcelo Freire Sampaio. Dano moral coletivo nas relações laborais. De acordo com o novo CPC, op. cit.
(674) Aliás, para nossa satisfação acolhida expressamente por alguns julgados no Superior Tribunal de Justiça. Cf., por exemplo, Superior Tribunal
de Justiça. 2a Turma. REsp n. 1.397.870-MG. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. DJE 10.12.2014.
(675) Nesse sentido, dentre tantos, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 131.
(676) SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004. p. 52. No mesmo sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão
jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de losoa do direito e direito
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 23.
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No momento em que a majoritária doutrina salienta que o dano moral coletivo signica uma “injusta lesão da
esfera moral de uma dada comunidade”(677), desencadeadores de um sentimento de repulsa e indignação, signica
dizer, em outros termos, ter restado violada a citada obrigação geral (portanto, viés coletivo) de respeito pela pessoa
humana. Isso representa, em outras palavras, violação da projeção coletiva da dignidade da pessoa humana. Os citados
sentimentos de repulsa e indignação representam apenas e tão somente eventuais consequências da citada violação.
O Tribunal Superior do Trabalho, na primeira vez que apreciou pedido de dano moral coletivo, raticou posicio-
namento similar ao ora apresentado, porque reconheceu ter havido lesão à ordem jurídica(678) em razão da homologação
de acordos na jurisdição nitidamente prejudiciais aos direitos “indisponíveis dos trabalhadores”, senão vejamos:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABA LHO DA 3a REGIÃO. DANO MORAL COLETIVO. REPA-
RAÇÃO. POSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO OBRIGAÇÃO NEGATIVA. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA.
RESCISÃO DE CONTRATO ATRAVÉS DE ACORDOS HOMOLOGADOS NA JUSTIÇA. LIDE SIMULADA. Resta delineado nos autos que
a postura da empresa, em proceder ao desligamento dos empregados com mais de um ano de serviço, através de acordos ho-
mologados na justiça, atenta contra a dignidade da justiça. A ação civil pública buscou reverter o comportamento da empresa,
na prática de lides simuladas, com o m de prevenir lesão a direitos sociais indisponíveis dos trabalhadores. Incontroverso o
uso da Justiça do Trabalho como órgão homologador de acordos, verica-se lesão à ordem jurídica, a possibilitar a aplicação
de multa em razão do dano já causado à coletividade. Houve o arbitramento de multa de R$ 1.000,00 por descumprimento
das obrigações negativas determinadas na ação civil pública: abster-se de encaminhar os empregados à Justiça do Trabalho
com a nalidade de obter homologação de rescisões do contrato de trabalho e de utilizar-se do judiciário trabalhista como
órgão homologador das rescisões contratuais, sem real conito entre as partes. Tal cominação não impede que o dano moral
coletivo inigido em face da prática lesiva de homologação de acordos trabalhistas, utilizando-se do aparato judiciário com
m fraudulento, seja reparado, com multa a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, pelos danos decorrentes da
conduta da empresa. Recurso de revista conhecido e provido, para restabelecer a R. sentença que condenou a empresa a pagar
o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de indenização a ser revertida ao FAT.(679)
O sentimento de repulsa e desapreço social exsurgido por intermédio da ocorrência do dano moral coletivo mostra-
-se, como mencionado anteriormente, mera e possível consequência da citada violação do dever geral de respeito geral
pela pessoa humana, individual ou coletivamente considerada.
Também no precedente citado do Tribunal Superior do Trabalho, a violação da ordem jurídica, havida em razão
da ofensa de um círculo indisponível de direitos de uma coletividade de trabalhadores, foi consequência do menoscabo
à projeção coletiva do princípio da dignidade da pessoa humana, considerando este, como ressaltado anteriormente,
representar dever de respeito geral da pessoa humana, individual ou coletivamente agrupada.
14.2.2. Da ampliação do conceito de dano moral envolvendo não apenas a dor psíquica
Em decorrência do moderno paradigma constitucional de ampla proteção do ser humano(680), imperioso afastar a
ultrapassada concepção vinculativa da ocorrência do dano moral ou extrapatrimonial à esfera subjetiva da dor, sofrimento
e emoção, pois tais aspectos são eventuais e possíveis consequências(681) da violação perpetrada. Em outras palavras,
deve ser excluída a ideia, “tão difundida quanto errônea, de que o dano moral é a dor sofrida pela pessoa”(682). A dor, de
fato, “é apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial”(683) de uma dada pessoa, consequência essa, diga-se
mais uma vez, meramente eventual.
(677) BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. In: Revista Direito do Consumidor, São Paulo, RT, n. 12,
p. 54, out./dez. 1994.
(678) Entende-se, também, que a citada lesão à ordem jurídica não deixa de ser consequência da violação à cláusula geral de proteção da pessoa,
densicada por intermédio do viés coletivo da dignidade da pessoa humana.
(679) RR-1156/2004. Tribunal Superior do Trabalho. 6a Turma. Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. DJ 17.11/2006. (Os grifos não constam do original.)
(680) Aliás, tal linha de raciocínio encontra albergue no inciso XXXV, do art. 5o da Carta Magna, que dispõe acerca da impossibilidade de excluir da
apreciação do Poder Judiciário toda e qualquer “lesão ou ameaça a direito.
(681) “Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame
e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”. CAVALIERI FILHO,
Sérgio. Op. cit., p. 80.
(682) GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3, p. 82.
(683) Idem.
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