Dano existencial: uma análise crítica do trabalho doméstico

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas218-223

Page 218

1. Introdução

Ao longo da história, é notável o uso do trabalho como meio de subsistência e de satisfação de necessidades biológicas. É nítida a evolução do trabalho no decorrer dos anos, tornando-se fonte de renda, proporcionando a satisfação dos anseios pessoais e transformando-se posteriormente em direitos sociais. Na medida em que o trabalho evolui, os direitos inerentes a ele também sofrem alterações, refletindo a crescente preocupação com a efetivação dos direitos laborais.

O princípio da proteção do trabalhador, por exemplo, surgiu como meio para se alcançar a igualdade subjetiva, buscando mitigar as situações de opressão do empregado pelo empregador, garantindo o respeito à dignidade da pessoa humana. As indenizações, por sua vez, surgem para inibir o descumprimento estratégico das normas trabalhistas pelos empregadores, que se sujeitam às sanções legais por acreditar que são menos onerosas que seu fiel cumprimento.

No entanto, inúmeras são as situações em que os empregadores ignoram os direitos trabalhistas, praticando condutas que atingem a dignidade a ponto de interferir negativamente em suas vidas fora do ambiente de trabalho, gerando dano à existência daquele trabalhador.

O dano existencial tem origem no direito civil italiano e diz respeito aos danos que afetam os direitos da personali-dade refletindo não apenas na lesão moral e física do sujeito lesado, mas comprometendo também suas relações com terceiros (ALMEIDA NETO, 2005, p. 32). Este conceito foi aos poucos sendo absorvido pelos Tribunais Brasileiros, e tem sido bastante utilizado na seara da Justiça do Trabalho.

Acredita-se que o dano existencial, também conhecido como dano ao projeto de vida, é mais comum no âmbito do trabalho doméstico, pois, ainda que as leis atualmente sancionadas busquem proteção a esta categoria, é inegável a existência de relatos de jornada extensa, principalmente daqueles empregados que residem junto de seus empregadores. A carga horária trabalhista se estende tanto que acaba não sobrando tempo para simples atividades diárias como lazer, convívio familiar, dentre outros.

Abordaremos na presente pesquisa, o Dano Existencial nas Relações de Trabalho Doméstico, conceituando-o e identificando as situações potencialmente geradoras desta modalidade de dano nas relações trabalhistas e como pode interferir na vida dos trabalhadores.

2. O dano existencial nas relações de trabalho

A Constituição Federal elencou no seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República. Desta forma, consagrou a obrigatoriedade da proteção máxima à pessoa por meio de um sistema jurídico-positivo formado por direitos fundamentais e da personalidade humana, buscando garantir, assim, o respeito absoluto ao indivíduo, de modo com que lhe seja proporcionado uma existência plenamente digna e protegida de qualquer espécie de ofensa, quer praticada pelo particular, quer pelo Estado.

A dignidade da pessoa humana, deste modo, é um valor soberano que consubstancia todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Esta, por sua vez, se consolida na medida em que são respeitados os direitos fundamentais e direitos da personalidade.

Na atualidade, incontestavelmente, todo e qualquer dano causado à pessoa deve ser indenizado, de forma a

Page 219

conceder uma eficaz proteção ao bem-estar do homem. Quando, por conseguinte, se afirma o respeito à dignidade da pessoa humana, igualmente está sendo afirmado o indispensável respeito a uma existência digna do ser humano. Tem-se a existência como o modo de ser atual, concreto, próprio do homem. Desta forma, a dignidade do ser humano é inegociável, necessitando de proteção máxima. E essa proteção é concedida pelo legislador constitucional na previsão dos direitos fundamentais.

Convém ponderar que a exploração demasiada da mão de obra humana, acompanhada ou não de contraprestação em pecúnia, causa prejuízos à existência do trabalhador. Por óbvio, se há demanda excessiva de trabalho, o empregador deveria contratar mais e não explorar os seus empregados, transcendendo a capacidade de um único empregado.

O dano existencial é considerado como a lesão injusta à vida de relação e aos projetos de vida que caracterizam certo indivíduo, por meio da alteração prejudicial do seu estilo de vida e de suas estruturas relacionais (ALMEIDA NETO, 2005, p. 32).

Esta lesão acaba afetando as expectativas de desenvolvimento pessoal, profissional e familiar de quem a sofre, incidindo sobre sua liberdade de escolher o seu próprio destino. Em texto publicado por Dimauro Marcelo de Oliveira, vamos encontrar o seguinte esclarecimento do que venha a ser projeto de vida:

[...] o conceito de projeto refere-se ao conjunto de atividades coordenadas e inter-relacionadas que visam cumprir um objetivo específico. Neste sentido, pode-se dizer que um projeto de vida é a direção que uma pessoa estabelece para a sua própria existência. Com base nos seus valores, um homem planeja as ações que irá tomar ao longo da sua existência com o objetivo de concretizar os seus desejos e metas [...] um projeto de vida implica a escolha de determinadas direções e a exclusão de outras, o que pode dar origem a um conflito existencial e levar a um estado de indecisão. (OLIVEIRA, 2010)

Como se nota, o projeto de vida possui valor essen-cialmente existencial, atrelado à ideia de realização pessoal integral. A busca da realização do projeto de vida, assim como o convívio social e familiar, revelam alto valor existencial, capaz de dar sentido à vida de cada um. É por isso que o afastamento de uma pessoa do convívio social e familiar, ou a destruição de forma injusta e arbitrária do projeto de vida desta, acarreta em um dano de difícil reparação.

O dano existencial representa uma espécie de dano moral e foi elaborada originalmente pela jurisprudência italiana, mas tem tido amparo nos tribunais brasileiros, sobretudo na esfera trabalhista (WENSENDONCK, 2011).

É prudente afirmar que, nos últimos anos, o número de decisões que condenam empregadores ao pagamento de indenizações por danos existenciais causados a trabalhadores tem aumentado. De modo geral, as indenizações por dano existencial são deferidas quando resta comprovado que o empregado labora em jornadas de trabalho excessivas que, por conseguinte, resultam na redução dos momentos de lazer e convívio social do trabalhador.

Ultimamente, as decisões dos Tribunais Trabalhistas em ações cuja pretensão é a indenização por dano existencial compreendem que, mesmo que as horas extras de trabalho tenham sido remuneradas, o trabalhador sofre dano existencial e deve receber a respectiva indenização se a jornada extraordinária extrapolar o limite legal de oito horas diárias de forma contínua e reiterada.

À guisa de exemplo, podemos citar o Recurso de Revista n. 10347420145150002 do Tribunal Superior do Trabalho, que condenou a empresa ré em indenização por dano existencial, por restar comprovado que a reclamante trabalhou em jornadas excessivas, exercendo sua atividade de trabalho inclusive em diversos domingos sem a devida folga compensatória.

TST — RECURSO DE REVISTA Data de publicação: 13/11/2015

Ementa: INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO EXTENUANTE. O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador. O Regional afirmou, com base...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT