Da tutela de urgência

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas308-333
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TÍTULO II
DA TUTELA DE URGÊNCIA
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução
real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer,
podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder
oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Comentário
Caput. Os pressupostos legais para a concessão
de tutela de urgência (cautelar ou satisfatia) são:
a) a probabilidade do direito (material); b) o peri-
go de dano (irreparável ou de difícil reparação; ou
c) o risco ao resultado útil do processo.
Probabilidade do direito. Embora possa haver di-
vergência doutrinária acerca da interpretação da
norma legal em exame, entendemos que o direito, no
caso, é o material vale dizer, aquele que será objeto
de postulação no processo principal. A probabilida-
de se refere àquilo aquilo que se apresenta razoável,
que pode ocorrer; no terreno processual signica o
direito passível de ser reconhecido em juízo. Des-
tarte, o juiz, convencendo-se dessa probabilidade,
terá avançado meio caminho para a concessão da
tutela. A avaliação desse requisito não implica pre-
julgamento — até porque nem sempre o magistrado
que conceder a tutela será o mesmo que realizará o
julgamento do mérito na ação principal. O que o juiz
faz, apenas, é examinar se há, em tese, um mínimo
de viabilidade jurídica de reconhecimento do direito
invocado pela parte — ou a ser por esta invocado —,
no processo principal.
Se se trata, por exemplo, de pedido que, costu-
meiramente, é rejeitado pelos órgãos jurisdicionais,
o juiz poderá deixar de conceder a tutela requeri-
da com base nesse fato, pois não se pode armar
existir, neste caso, probabilidade o direito vir a ser
reconhecido.
De igual modo, se o pedido de mérito estiver
em confronto com súmula vinculante do STF (CF,
art. 103-A) será insensato pensar na probabilidade
de o direito alegado vir a ser reconhecido em juízo.
Além disso, não nos esqueçamos que há pedi-
dos considerados juridicamente impossíveis, que, por
esse motivo, não podem ser acolhidos pelo pro-
nunciamento jurisdicional. Tratando-se de pedido
dessa espécie cumprirá ao juiz, nos autos da tutela
de urgência, indeferi-la, porquanto não estará carac-
terizada, aqui, a probabilidade do direito a que se
refere o art. 300, caput.
Já nas obras de Chiovenda se capta a preocupa-
ção do grande jurista europeu em demonstrar os
riscos de danos a que cam submetidos os litigantes,
desde o ingresso em juízo até a efetiva composição
da lide, considerando-se que o processo, assim como
as ações humanas em geral, é marcado pela tempo-
ralidade. Na visão objetiva de Chiovenda, o juiz, ao
proferir a sentença, deve procurar fazê-lo como se
estivesse decidindo no momento da própria “pro-
positura” da ação, pois as consequências na demora
da solução do litígio não podem ser suportadas por
aquele que invocou a tutela jurisdicional do Estado.
Efetivamente, se o Estado moderno tornou defesa
a autotutela de direitos subjetivos, ou seja, impediu
o indivíduo de realizar justiça pelas próprias mãos e
avocou, monopolisticamente, o encargo de dirimir
os conitos de interesses, é elementar que constitui
um seu dever criar condições para que a tardança
na dirimência desses conitos não ocorra em pre-
juízo dos direitos ou interesses de quem provocou
o exercício da função jurisdicional. A Hugo Alsina
não passou despercebida essa particularidade: “Si
el Estado al asumir la función de administrar justi-
cia prohibe e los individuos la autodefensa de sus
derechos, no puede, en situaciones como las enun-
ciadas, desentenderse de las consecuencias de la
demora que necesariamente ocasiona la instrucción
del proceso, y debe por tanto proveer las medidas
necesarias para prevenilas, colocándolas en manos
del juez u los litigantes. Tales son las llamadas medi-
das precautorias” (Tratado teorico e practico de derecho
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procesal civil y comercial. 2. ed. Buenos Aires: Biblio-
gráca Argentina, 1963, v. 5, p. 447 e seguintes).
Como sabemos, dentre os princípios informati-
vos do processo está o da celeridade na entrega da
prestação jurisdicional invocada. É bem verdade
que, em tema de processo do trabalho (para falarmos
apenas dele), esse princípio se encontra reduzido a
mero anseio, pois a solvência dos conitos entre em-
pregados e empregadores tem sido feita em espaço
de tempo muito superior ao desejável — sem que os
juízes possam ser responsabilizados por essa lenti-
dão. Considerando que não há possibilidade prática
de reduzir o tempo de emissão da sentença satisfati-
va — pois o congestionamento judiciário é crescente
—, instituíram-se as tutelas de urgência, que corres-
pondem, assim, não apenas ao instrumento ecaz de
que se pode socorrer a parte para evitar as con-
sequências deletérias da demora na composição da
lide, mas um vivo exemplo de que, em concreto, a
celeridade do procedimento (principal) está reduzi-
da a simples anelo de todos.
As providências de urgência representam, em úl-
tima análise, uma expressiva contraposição ao mito
da celeridade procedimental, de que tanto ouvimos
falar pela linguagem quase retórica da doutrina
nacional. Dentro dessa mesma relação, é possível
vaticinarmos que se, em futuro, tal celeridade tor-
nar-se real, efetiva, terão cessado, em grande parte,
as razões de fato e de direito que hoje justicam a
existência das tutelas de urgência.
Lembra Castro Villar que o perigo na demora não
deve ser entendido como o perigo genérico de dano
jurídico, mas especicamente, “o perigo de dano
posterior, derivante do retardamento da medida
denitiva” (Ação cautelar inominada. Rio de Janeiro:
Forense, 1986. p. 17).
É de grande importância para o assunto vericar-
mos, em seguida, qual deve ser a atitude do juiz na
apreciação do requisito do perigo de dano, decor-
rente da demora da solução denitiva da lide.
Realçando o nosso entendimento de que na
avaliação de um pedido cautelar o juiz não pode
ingressar no mérito da causa (exceto nas situações
que apontamos), devemos dizer que na apreciação
do alegado periculum in mora ele deve ater-se aos
fatos relacionados a esse pressuposto. Segundo o
magistério de Liebman, o perigo na demora não é
uma relação jurídica, traduzindo-se, isto sim, numa
situação de fato, complexa e mutável, da qual o juiz
extrairá dos elementos de probabilidade acerca da
iminência de um dano ao direito da parte (Unida-
de do procedimento cautelar. In: Problemi, apud
VILLAR, Castro, obra cit., p. 18) — direito ao proces-
so e não direito material, insistimos em esclarecer.
Adverte Lopes da Costa que o dano deve ser
provável, não sendo suciente para a concessão da
medida a possibilidade ou a eventualidade de dano,
justicando que “possível é tudo, na contingência
das cousas criadas, sujeitas à interferência das forças
naturais e da vontade dos homens. O possível abran-
ge assim até mesmo o que rarissimamente acontece.
Dentro dele cabem as mais abstratas e longínquas
hipóteses. A probabilidade é o que, de regra, se
consegue alcançar na previsão. Já não é um estado
de consciência, vago, indeciso, entre armar e ne-
gar, indiferente. Já caminha na direção da certeza.
Já para ela propende, apoiado nas regras da expe-
riência comum ou da experiência técnica” (Medidas
preventivas. 2. ed. Belo Horizonte, 1958. p. 43).
O art. 798 do CPC revogado, que versava sobre
o poder geral de cautela do juiz, dispunha que este
poderia determinar providências dessa natureza
(embora as considerasse, erroneamente, “provisó-
rias”) quando houvesse fundado receio de que uma
parte (errava mais uma vez a lei ao utilizar a ex-
pressão “antes do julgamento da lide”) causasse ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Além das impropriedades técnicas denunciadas, o
texto legal citado incidia no equívoco de supor que
a providência somente poderia ser concedida se a
lesão ao “direito” (ou interesse?) do requerente de-
corresse de ato da parte contrária, como se não fosse
possível emitir a providência toda vez que casse
demonstrado que o dano adviria de fatos naturais
(inundações, abalos sísmicos e outros fenômenos
dessa espécie). Não está em nossos desígnios, toda-
via, nos xarmos nas críticas ao enunciado do art. 798
do CPC anterior, e sim localizarmos nessa norma le-
gal o critério a ser observado, esmo nos dias atuais,
pelo juiz, para efeito de apurar a existência, ou não,
do perigo de dano.
Sem embargo, o risco de dano, externado pelo so-
licitante da tutela de urgência, deve ser fundado, ou
seja, palpável, perceptível, real e não simplesmen-
te imaginário, de modo a permitir uma constatação
— o quanto possível — objetiva pelo juiz. A não
ser assim, teríamos de admitir que um simples re-
ceio infundado da parte fosse suciente para tornar
exigível a outorga da tutela. Com perigo de dano o
legislador atual procurou afastar do campo de apre-
ciação judicial qualquer manifestação meramente
subjetiva da parte, de avaliação difícil, imprecisa;
quando não, impregnada de subjetivismo do pró-
prio juiz.
O perigo de dano não deve, por isso, ser produto
de um capricho ou sentimento meramente pessoal
da parte, e sim de justicado temor de dano, de tal
modo que o juiz não que em dúvida quanto a isso.
É claro que mesmo regido pela cláusula legal do
perigo de dano o magistrado haverá de realizar uma
prospecção, ainda que supercial, epidérmica, do
perigo alegado pelo requerente. Pondera Alber-
to dos Reis que nem faria sentido que o juiz, para
certicar-se da existência do direito (adapte-se para
perigo de dano) houvesse de empreender um exame
tão longo, tão reetido, como o que há de efetuar no
processo principal (A gura do processo cautelar, p. 26,

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