Da Segurança Pública e da Responsabilidade do Estabelecimento Privado

AutorPedro Ribeiro do Val Neto
Páginas15-26

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A Constituição Federal estabelece que a segurança é um direito individual e social.

No “caput” do artigo quinto, voltado aos direitos individuais, está explicitado e repetido o conteúdo do direito individual à segurança: “... garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabili-dade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. No aspecto concernente à segurança pessoal materialmente considerada, o Estado Brasileiro obriga-se constitucionalmente a adotar medidas de segurança para a preservação da vida, da liberdade e da propriedade.

No artigo sexto, a expressão direito social tem como conteúdo o complexo de normas e princípios destinados a sujeitos de direito integrantes dos grupos sociais que classifica. Embora cinco dos seis artigos deste Capítulo II cuidem de direitos dos trabalhadores empregados, isto significaria que o dispositivo cuidou apenas dos direitos relacionados com os empregados protegidos pela soberania nacional?

Não nos parece. Ainda que se pretenda vincular a segurança contida nesse artigo sexto apenas às relações trabalhistas, tal exegese não resulta nem da estreiteza da interpretação literal, pois a assistência aos desamparados não pode significar obrigação do empregador: “... São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a assistência aos desamparados...”.

Ademais, se inspirado nos ensinamentos do respeitado mestre Cesarino Júnior – quem batizou sua cátedra com o nome “Direito Social” – o legislador constituinte pretendia disciplinar, no Capítulo II do Título II, pela denominação dada, apenas as relações trabalhistas. Mas este desiderato não foi atingido, pois a intenção do legislador sofreu as alterações

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decorrentes das marchas e contramarchas acontecidas durante a peregrinação de qualquer projeto de lei que vai chegar à redação final.

Em segundo lugar, resulta da interpretação sistemática e teleológica serem descobertos significados que o legislador não vislumbrou e, até mesmo, não pretendeu. Finalmente, sabe-se que as disposições trabalhistas da atual Constituição provieram de adendos que não estavam no texto original.

Assim, temos que a segurança social, de que trata o artigo sexto em comento, abrange muito mais que direitos do trabalhador, estendendo-se a empregados ou não, pois o Direito Positivo impõe regras a toda a socie-dade, ainda que por exclusão dos não alcançados pelas suas disposições.

No quanto interessa ao assunto em tela, isto é, à segurança das pessoas físicas brasileiras e estrangeiras pisando em território nacional, o Estado, em suas várias esferas de governo, tem o dever de proteger, dar segurança, à pessoa física, em todos os vários elementos integrantes da sua personalidade.

Competindo à União, Estados e Municípios zelar pela guarda da Constituição, nos expressos termos do art. 23 da Magna Carta, consequentemente a eles compete dar segurança a quem dela necessitar em território brasileiro.

Passemos agora a cuidar da transferência da responsabilidade do Estado ao particular, ou melhor, da inexistência dessa transferência.

Pretendem alguns, estribados no que chamam de risco do negócio que existe responsabilidade do estabelecimento aberto à frequência pública, quando a segurança pública é violada e clientes são despojados de seus bens. Clientes ou fregueses ofendidos física, patrimonial ou moralmente por terceiros em uma relação jurídica mercantil, especialmente nos casos ocorridos em estabelecimentos bancários, “shoppings” e supermercados.

Tais clientes ou fregueses, arguindo responsabilidade do fornecedor, postulam em juízo a indenização pelos valores (incolumidade física, dinheiro e objetos, tais como joias, celulares, etc.) que lhes são subtraídos durante sua permanência nesses locais; reembolso de despesas médicas decorrentes das violências às suas pessoas e lucros cessantes em virtude de sequelas físicas transitórias ou mesmo permanentes.

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Além dessas reparações, são sempre acrescentadas as indenizações por dano moral, assunto que adiante merecerá capítulo próprio.

Vejamos o caso, infelizmente frequente, de um assalto a uma agência bancária, quando são subtraídos valores de um cliente que já tinha em mãos o dinheiro de um cheque ali descontado. Dirão os apressados que há responsabilidade do banco em decorrência do risco do negócio, até porque, consoante dispõe a Lei 7.102/83, o estabelecimento bancário é obrigado a ter um sistema de segurança para poder funcionar nessa área de atividade. De acordo com a referida lei, esse sistema de segurança tanto pode ser desenvolvido pelo próprio banco, como contratado para ser fornecido por empresa especializada.

Mas onde está o risco do negócio? O serviço bancário não é uma ativi-dade da qual decorra obrigatoriamente um risco para a vida ou a saúde de quem o utiliza, como no caso dos cigarros, produto de uso reconhecidamente nocivo à saúde do consumidor, conforme aviso constante dos respectivos maços.

A atividade bancária produz a circulação econômica da moeda. O risco desse negócio pode ser financeiro ou econômico, mas nunca diretamente relativo à incolumidade física e aos objetos pertencentes às pessoas que frequentam os estabelecimentos bancários.

Se existe um risco econômico, tal risco não pode produzir efeitos jurídicos, enquanto não introduzido no sistema jurídico positivo: juridicizado, transformado em fato jurídico apto a produzir um efeito jurídico. À respeito discorre SERGIO CAVALIERI FILHO: “2.1 Fato jurídico – Para chegarmos ao exato lugar onde se situa a responsabilidade no plano geral do Direito, temos que partir da noção do fato jurídico. Dizia o grande Ihering que o Direito nasce dos fatos – facto jus oritur. Não é, todavia, qualquer fato social que faz nascer o Direito; somente o fato que tem repercussão jurídica. E esse fato é aquele que se ajusta à hipótese prevista na lei (fato abstrato).” (Programa de Responsabilidade Civil – 5a ed., Malheiros).

O banco efetua com o correntista um contrato de depósito oneroso e cujo adimplemento se consuma pela entrega do valor sacado. Não é contratada – entre o cliente e o banco – a prestação de serviço de segurança pessoal, nem pode resultar em responsabilidade extracontratual, substitutiva daquela que deveria ter sido fornecida pelo Poder Público.

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É sobejamente conhecida a jurisprudência infelizmente consolidada que atribui, a um banco ou a um estabelecimento comercial, a responsabilidade pelo dano sofrido por seus frequentadores...

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