Da Revelia no Direito Processual do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas641-660

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1. Introdução

A revelia é um instituto processual que sempre desafiou a doutrina e a jurisprudência. Apesar de a discussão ter grande relevo teórico, o tema tem enfoque prático, pois diariamente, na Justiça do Trabalho, o juiz enfrenta a angústia de ter de julgar processos à revelia e, muitas vezes, depara-se com pretensões fora da razoabilidade ou não resta convencido quanto à verossimilhança das alegações. De outro lado, muitas vezes o juiz se depara com pedidos excessivos, decorrentes da expectativa da parte de que ocorra a revelia.

Na Justiça do Trabalho, constantemente o reclamado revel sofre os pesados efeitos de uma condenação julgada à revelia, e, muitas vezes, a decisão contém injustiça manifesta. O autor, por sua vez, fica frustrado com o não comparecimento do réu e a expectativa de não encontrá-lo para executar a futura decisão.

A doutrina designa a expressão contumácia para a inatividade das partes quando há o chamamento judicial para comparecimento em juízo. A revelia é a contumácia do réu em não atender ao chamado judicial para defender-se.

No nosso sentir, a revelia não é rebeldia, pena ou ônus para o réu. “Trata-se de uma preclusão qualificada que gera uma situação processual (fato processual) decorrente da inatividade do réu em oferecer resposta à pretensão do autor que acarreta consequências processuais favoráveis ao demandante e desfavoráveis ao demandado.”

Alguns chegam a dizer que, quando há o julgamento à revelia, há uma decisão fictícia ou até mesmo ausência de jurisdição.

Não temos dúvida de que a melhor forma de compreender a lide é por meio da atividade das partes, tanto que o Direito Processual do Trabalho, assim como o Direito Processual Civil, adota o princípio da oralidade. Também é com a presença das partes que, muitas vezes, se atinge uma solução consensual para o conflito, ou se chega mais próximo da realidade do litígio.

A necessidade de intervenção do réu no processo, conforme nos mostra a história, dependeu da evolução da natureza jurídica do processo. Antigamente, quando se

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entendia que o processo tinha natureza jurídica privada, o comparecimento do réu era fundamental1. Hoje, praticamente em todas as legislações, o processo tem natureza jurídica pública, o que faz a jurisdição atuar mesmo sem a presença do demandado.

O tema da revelia sempre atormentou os operadores do direito. Conforme Calmon de Passos2: “O comparecimento e a atuação do réu, em juízo, sempre foram objeto de preocupação no campo do direito. Nos primeiros tempos de Roma, não se conheceu o processo à revelia. Resultado de uma convenção, a litiscontestatio exigia a presença das partes litigantes, pelo que se conferia ao autor o poder de obrigar o réu a vir a juízo, mediante o emprego da força (manus injectio), salvo se apresentasse um garante, o vindex, que, segundo parece, se obrigava a assegurá-la. Ao emprego da força, entretanto, devia preceder o simples convite para comparecimento em juízo. Só no caso de desatendimento autorizava-se a violência, recomendando a lei a presença de testemunhas para a hipótese de pretender o demandado reagir ou escapar. Não bastava, contudo, o simples comparecimento. Exigia-se por igual a atuação do réu; se acaso, mesmo presente em juízo, permanecia indefesus, o magistrado autorizava o autor, se tanto pedisse, à imissão na posse da coisa litigiosa ou na herança. Já nos fins do período republicano, a falta de comparecimento produzia a vitória do autor presente, ou a absolvição do réu, se a ausência fosse do autor.”

2. Do conceito de revelia no Direito Processual Civil e no Direito Processual do Trabalho

A doutrina costuma designar a expressão contumácia para a ausência das partes em juízo. Há certo consenso na doutrina de que contumácia é gênero, do qual a revelia é espécie. Quando o autor não comparece, diz-se que há contumácia do autor, e quando o réu deixa de comparecer, diz-se que há revelia. No dizer de José Augusto Rodrigues Pinto3, “a contumácia transmite o significado mais geral de ‘não comparecimento da parte a juízo’, enquanto revelia nos vem o sentido mais particular de não comparecimento do réu para a defesa, daí expressar Gabriel de Rezende Filho que ‘a contumácia do réu denomina-se revelia’. E, considerando-se que a contumácia pode verificar-se em qualquer momento do desenrolar do processo, ainda mais precisa se torna a conclusão de Pontes de Miranda: ‘Revelia é a contumácia quanto à contestação’.”

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“Revelia” vem do espanhol “rebeldía”. Como bem adverte Pontes de Miranda4:

“Por vezes, os legisladores não prestam atenção às diferenças entre as palavras e as empregam confusamente. O revel não esteve presente, e portanto não contestou, nem poderia contestar o rebelde, o revel. Mas quem compareceu e pois não foi revel pode contestar. De duo vieram muitas palavras, como duvidar (dubitare), duelo, duelar (duellare), rebelar, revel, que é um rebelde, alguém que desatende à citação.”5

Ensina Cândido Rangel Dinamarco6:

Revelia, instituto próprio do processo de conhecimento e do cautelar, é a inércia consistente em não responder. Não tem lugar no processo executivo, em que, com a citação, o demandado recebe a intimação para pagar, cumprir, depositar, etc., e não a oferecer resposta; nem no monitório, em que ele é chamado apenas a pagar a soma devida ou entregar o bem móvel litigioso (arts. 621, 629, 632, 652 e 1.102-b). O conceito amplo, que abrange a inércia em qualquer espécie de processo, é a contumácia, gênero do qual a revelia é espécie.”7

Sob a ótica do CPC de 1973, entendíamos correto o conceito acima mencionado do mestre paulista. Entretanto, o CPC de 2015, expressamente, atrela o conceito de revelia à falta de contestação (art. 344). Esse entendimento se robustece considerando que tanto as exceções de incompetência e suspeição, bem como a reconvenção devem ser articuladas no corpo da própria contestação, segundo a sistemática da atual legislação civilista. Com efeito, dispõe o art. 344, do CPC:

“Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.”

A CLT disciplina a matéria no art. 844, que tem a seguinte redação:
“O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto à matéria de fato.” (o grifo é nosso)

Pelo confronto entre os arts. 344 do CPC e 844 da CLT, de plano, nota-se que o dispositivo celetista faz alusão à revelia como sendo o não comparecimento do reclamado à audiência. Não há como se interpretar a revelia, sob o prisma do Processo do Trabalho, com a revelia no processo civil, pois, enquanto neste a revelia se caracteriza com a ausência de contestação (art. 344 do CPC), naquele a revelia configura-se com a ausência da parte (reclamado) à audiência. Como a CLT tem

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regra específica, não há como se aplicar os conceitos do Direito Processual Comum (art. 769 da CLT). Sob outro enfoque, o art. 844 da CLT é peremptório ao asseverar que a ausência do reclamante “importa o arquivamento” e a “ausência do reclamado importa revelia”, revelando a especificidade do instituto no Direito Processual do Trabalho. Além disso, na esfera processual trabalhista, a resposta é ato de audiência (art. 847 da CLT).

Nesse sentido, ensina Jorge Luiz Souto Maior8:

“No direito processual trabalhista a revelia advém do não comparecimento do reclamado à audiência e não propriamente do fato de não ter apresentado defesa ou não ter dado mostras de que pretendia se defender (art. 844, da CLT). Com efeito, revelia, embora seja palavra de origem duvidosa, mais provavelmente tem sua origem ligada à palavra espanhola ‘rebeldia’. Assim, revelia ‘é o desatendimento ao chamamento citatório’, que, no processo do trabalho, se faz pela notificação e tem como determinação principal o comparecimento à audiência, na qual o citado poderá, dentre outras medidas, oferecer defesa.”

Nesse sentido, destaca-se a seguinte ementa:
“Revelia — Ausência da parte. Comparecimento do advogado munido de procuração e defesa. Nos estritos termos do art. 844, consolidado, a revelia caracteriza-se pelo não comparecimento da reclamada na audiência, ao contrário do que acontece no Processo Civil, que em seu art. 319, entende que a revelia decorre da falta de contestação.” (TRT – 10a R. – 2a T. – RO
n. 702.2002.019.10.00-3 – rela Maria Piedade B. Teixeira – DJDF 21.2.2003 – p. 18) (RDT
n. 3 – março de 2003)

Pelo exposto, no nosso sentir, a revelia, no Processo do Trabalho, conceitua-se como sendo a ausência do reclamado, imotivadamente, regularmente notificado, à audiência em que poderia apresentar resposta.

3. Dos efeitos da revelia no Direito Processual do Trabalho

A revelia, no Processo do Trabalho, somente tem relevância se o autor comparecer à audiência. Do contrário, ainda que não compareça o réu, o processo é arquivado, o que equivale à extinção sem resolução do mérito, não havendo qualquer consequência...

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