Da responsabilidade patrimonial

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas164-198

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1. Conceito

A responsabilidade patrimonial é uma categoria fundamental no estudo da tutela jurisdicional executiva. Trata-se de um instituto intimamente ligado à própria evolução dessa função jurisdicional, porque diretamente relacionado à substituição da execução pessoal pela execução patrimonial1.

Na legislação brasileira, a execução não é pessoal, mas atinge os bens do devedor (art. 591 do CPC).

O art. 5º, LXVII, da Constituição Federal2 diz que não há prisão civil por dívida, exceto no caso de prestação alimentar e do depositário in?el. Desse modo, somente quando o texto constitucional admitir, a execução pode ser pessoal, ou seja, incidirá na pessoa do devedor, privando-o da liberdade. Não se trata de prisão de caráter penal, e sim de natureza civil, a ?m de forçar o devedor de prestação alimentícia a cumpri-la e o depositário, entregar o bem que estava em sua posse.

Ensina Cândido Rangel Dinamarco3 que responsabilidade patrimonial ou responsabilidade executiva se conceitua como “a suscetibilidade de um bem ou de todo um patrimônio a suportar os efeitos da sanção executiva”.

Pensamos ser a responsabilidade patrimonial um vínculo de direito processual, pelo qual os bens do devedor ?cam sujeitos à execução e a serem destinados à satisfação do crédito do exequente.

O patrimônio do devedor responde pelas dívidas e também pela satisfação do processo, tanto os bens presentes como os futuros, segundo a regra do já citado art. 591 do CPC.

Conforme Manoel Antonio Teixeira Filho4,

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(...) o conceito de patrimônio, com vistas à responsabilidade a que está submetido o devedor, pode ser tomado a Rosenberg: “é a soma das coisas que têm valor pecuniário e direitos do devedor, e compreende bens móveis e imóveis, créditos e outros direitos, também expectativas, sempre que sejam já direitos subjetivamente disponíveis”. O conceito desse ilustre jurista tem o mérito de destacar que foram excluídos do campo da responsabilidade do devedor determinados bens, como os que não possuem valor econômico; além disso, há aqueles que a lei considera absolutamente impenhoráveis (...).

2. Da responsabilidade patrimonial secundária

O Código de Processo Civil atribui responsabilidade patrimonial a certas pessoas que, embora não constem do título executivo, poderão ter seus bens sujeitos à execução. Tal responsabilidade vem sendo denominada na doutrina como responsabilidade patrimonial secundária.

Como destaca Humberto Theodoro Junior5:

Bens de ninguém respondem por obrigação de terceiro, se o proprietário estiver inteiramente desvinculado do caso do ponto de vista jurídico. Há casos, porém, em que a conduta de terceiros, sem levá-los a assumir posição de devedores ou das partes na execução, torna-os sujeitos aos efeitos desse processo. Isto é, seus bens particulares passam a responder pela execução, muito embora inexista assunção da dívida constante do título executivo. Quando tal ocorre, são executados bens que não são do devedor, mas de terceiros, que não se obrigou, e, mesmo assim, responde pelo cumprimento das obrigações daquele. Trata-se, como se vê, de obrigação puramente processual.

Não há violação do contraditório ou da ampla defesa em executar bens de pessoas que não constem do título executivo, pois a responsabilidade que lhe foi atribuída se justi?ca em razão de manterem ou terem mantido relações jurídicas próximas com o devedor de cunho patrimonial que podem comprometer a e?cácia da execução processual, e daí a lei lhes atribuir tal responsabilidade, visando à garantia do crédito. Além disso, os responsáveis secundários podem resistir à execução, por meio dos meios processuais cabíveis, como os embargos de terceiro e os embargos à execução.

A Consolidação das Leis do Trabalho não disciplina a hipótese; desse modo, resta aplicável à execução trabalhista o disposto no art. 592 do CPC:

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução de sentença proferida em ação fundada em direito real; II – do sócio, nos termos da lei; III – do devedor, quando em poder de terceiros; IV – do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida; V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.

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3. Dos responsáveis secundários na execução no processo do trabalho (hipóteses típicas)
3.1. Sucessão de empresas (empregadores)

Nas palavras de Coviello6, sucessão, em sentido jurídico, consiste na substituição de uma pessoa por outra na mesma relação jurídica: a identidade da relação e a diversidade dos sujeitos caracterizam a verdadeira sucessão.

Sob o enfoque trabalhista, conceitua Mauricio Godinho Delgado7:

Sucessão de empregadores é ?gura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT. Consiste no instituto justrabalhista em virtude do qual se opera no contexto da transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de crédito e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos. (grifos do autor)

Alguns doutrinadores preferem utilizar a expressão sucessão de empregadores8, pois a alteração se dá em face do empregador, e não da empresa que continua. Outros sustentam a possibilidade de haver sucessão de empresas9.

Segundo a melhor doutrina, a sucessão trabalhista, disciplinada nos arts. 10 e 448 da CLT, tem fundamento nos princípios da continuidade do contrato de trabalho, despersonalização do empregador, e na inalterabilidade do contrato de trabalho. Por isso, quem responde pelo crédito trabalhista é a empresa, e não quem esteja no seu comando.

Dispõe o art. 10 da CLT:

Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

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No mesmo sentido é o art. 448 da CLT:

A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

Como bem adverte Wagner D. Giglio10, “responsável pelo pagamento da condenação é, portanto, a empresa, ou seja, o conjunto de bens materiais (prédios, máquinas, produtos, instalações etc.) e imateriais (crédito, renome etc.) que compõe o empreendimento. São esses bens que, em última análise, serão arrecadados através da penhora, para satisfazer a condenação, pouco importando quais são as pessoas físicas detentoras ou proprietárias deles”.

São hipóteses típicas de sucessão para ?ns trabalhistas: a transferência de titularidade da empresa, fusão, incorporação e cisão de empresas, contratos de concessão e arrendamento e também as privatizações de antigas estatais.

Para a doutrina clássica, são requisitos da sucessão para ?ns trabalhistas: a) transferência de uma unidade empresarial econômica de produção de um titular para outro; b) inexistência de solução de continuidade do contrato de trabalho, vale dizer: o empregado da empresa sucedida deve trabalhar para a empresa sucessora11. Para a moderna doutrina, à qual me ?lio, com apoio da atual jurisprudência dos Tribunais, não há necessidade de que o empregado ou o reclamante em processo trabalhista tenha prestado serviços para a empresa sucessora, basta apenas que tenha havido a transferência total ou parcial de alguma unidade de produção de uma empresa para outra, para que ocorra a sucessão para ?ns trabalhistas.

Nesse sentido, destaca-se a seguinte ementa:

Sucessão. A sucessão é a transferência total ou parcial, provisória ou de?nitiva da titularidade de empresa, pública ou privada, desde que haja continuidade, pelo sucessor, da atividade-?m, explorada pelo sucedido. Apoiam-se nos princípios da continuidade da relação de emprego, da despersonalização da pessoa jurídica e da intangibilidade salarial, tendo como escopo a regra dos arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (TRT – 1a R. – 5a T. – RO n. 6.605/2000 – rel. João Mário de Medeiros – DJRJ 28.6.2001 – p. 223) (RDT 07/2001 – p. 65).

Pensamos estar correta a moderna doutrina ao exigir apenas o requisito da transferência da unidade econômica de produção de um titular para outro para que se con?gure a sucessão, pois os arts. 10 e 448 da CLT não exigem que o empregado tenha trabalhado para a empresa sucedida. Além disso, tal interpretação está em consonância com o princípio protetor e propicia maior garantia de solvabilidade do crédito trabalhista.

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Nesse mesmo diapasão, adverte Jorge Luiz Souto Maior12:

A circunstância de não ter o empregado prestado serviços para a nova pessoa jurídica constituída é totalmente irrelevante, apesar de se ter ?rmado na doutrina trabalhista o entendimento de que a sucessão trabalhista somente tem lugar quando se dá o fenômeno da continuidade da prestação de serviço por parte do trabalhador para a nova pessoa jurídica. Uma leitura atenta dos arts. 10 e 448, da CLT, entretanto, desautoriza tal entendimento.

No mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado13:

(...) a sucessão pode se veri?car sem que haja, necessariamente, a continui-dade na prestação de serviços. Tal singularidade é que foi percebida nos últimos anos pela jurisprudência, ao examinar inúmeras situações novas...

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