Da pessoa jurídica de Direito Privado

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas155-184

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10. 1 considerações introdutórias

"As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros (art. 20 do CC-16), daí que não é possível a penhora de bens da sociedade, quando o executado é o seu sócio, sendo possível, no entanto, a penhora das quotas deste, pois integram o seu patrimônio particular" (in RT 738/411).

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Elucidativa a ementa do acórdão destacado. Retrata uma hipótese em que a pessoa jurídica tem existência independente das pessoas físicas que a compõem. O Código Civil de 1916 já dizia em seu art. 20, que "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros". Este princípio não aparece no atual Código Civil, mas é considerado um dos princípios gerais do direito. Com base neste princípio, o tribunal já decidiu: "O que é devido pelos sócios não o é pela sociedade; e o que a sociedade deve não é devido pelos sócios" (in RT 736/315).

10. 2 Conceito de pessoa jurídica de direito privado

O ser humano é eminentemente social e para atingir certos objetivos que sozinho não conseguiria, une-se, geralmente, a outros homens dando origem a um agrupamento. A esse grupo de pessoas o Direito pode conferir personalidade e capacidade jurídicas, tornando-se o grupo sujeito de direitos e obrigações para poder atuar na vida jurídica ao lado das pessoas naturais que vivem em sociedade, com personalidade diversa da dos indivíduos que a compõem. Surgem, assim, as pessoas jurídicas de direito privado compostas de pessoas, criadas na forma da lei, dotadas de personalidade própria para poder realizar seus fins comuns.

Efetivamente, um agrupamento de pessoas pode se tornar uma pessoa jurídica, um sujeito de direitos e de obrigações, isto porque não é qualquer sociedade que o Direito reconhece como personalidade no mundo jurídico, mas somente aquela que tem o seu ato constitutivo registrado no órgão peculiar. Veja o que determina o art. 45 do CC, in verbis:

"Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".

É no exato momento do registro do contrato ou do estatuto social que a entidade ganha vida, recebe denominação, nacionalidade, domicílio e passa a ter patrimônio próprio. É na condição de pessoa que ela passa a gozar de direitos patrimoniais (ser proprietária), de direitos obrigacionais (poder contratar) e até de direitos sucessórios (adquirir por causa mortis). É nesse

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exato momento que ela se separa das pessoas que a compõem, visando atingir certos objetivos que o homem isoladamente não consegue.

Deixando de lado as fundações, que também podem ser pessoas jurídicas de direito privado, por surgirem da destinação de bens de uma pessoa, assunto que analisaremos no capítulo seguinte, pessoa jurídica de direito privado é um conjunto de pessoas físicas e/ou jurídicas, com objetivo comum, instituída por meio de um contrato social, ou estatuto social, criada na forma da lei pelo registro do seu ato constitutivo, passando a ter personalidade para agir como se fosse qualquer pessoa natural, um sujeito de direitos e obrigações. Assim, a pessoa jurídica deve possuir contrato social ou estatuto social (ato constitutivo) registrado em órgão que lhe peculiar. "Não tem uma exteriorização, uma aparência física, - explica Levenhagen - mas a sua existência, embora abstrata, é juridicamente reconhecida para conferir o exercício de direitos e assumir compromisso na ordem civil".106Enfim, é uma criação do legislador.

Se a sociedade for de natureza que não visa ao lucro, como é o caso da associação ou da fundação, o estatuto é registrado no "Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas", consoante prevê a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73, art. 114); se for uma sociedade que visa ao lucro, como as empresárias, é registrada na Junta Comercial.

Aqui, neste capítulo, trataremos da pessoa jurídica como agrupamento de pessoas.

10. 3 Da sociedade em comum ou de fato

"O chamado comerciante de fato, que não tem sua firma inscrita no registro do comércio, ou a sociedade irregular, cujos atos constitutivos não estão ali registrados, - decidiu o Tribunal - não adquire legitimidade para postular em juízo o pedido de falência de seu devedor" (in RT 676/107).

A idéia de sociedade pressupõe a pluralidade de pessoas e quando ela obtém o registro de seu ato constitutivo na repartição própria, no plano do direito passa a ser um ente com vida própria, adquirindo personalidade jurídica. A essa sociedade o Direito dá a denominação de pessoa jurídica.

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Se o agrupamento de pessoas não registra seu ato constitutivo, não será uma pessoa jurídica. Como essa sociedade constitui uma realidade que o direito não pode ignorar, para distingui-la da regularmente constituída, dá-se a ela o nome de sociedade em comum ou de fato.

As sociedades em comum ou de fato não têm, portanto, personalidade jurídica e, conseqüentemente, não têm patrimônio próprio nem existência distinta da dos seus membros componentes. Só a pessoa jurídica se distingue dos indivíduos que participam de sua constituição. O artigo 20 do CC-16 era límpido: "As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros".

Por exemplo, se o devedor é o sócio, não pode o credor desejar receber da pessoa jurídica, porque são dois patrimônios distintos ou duas pessoas distintas; se a devedora é uma sociedade de fato, o credor pode receber dos sócios.

As sociedades de fato, não podendo alinhar-se no rol das pessoas, não têm direitos (não podem ser proprietárias de imóveis, não podem ter conta bancária etc.); só têm obrigações, porque, no fundo, formou-se uma comunhão, cujos bens de cada comunheiro respondem pelas obrigações da sociedade. Os terceiros que tratarem com elas, podem acionar seus integrantes pelas obrigações contraídas, ou seja, os credores de sociedade sem registro - escreve Fábio Ulhoa Coelho - poderão promover a execução das obrigações desta sobre o patrimônio particular de seus sócios, sem qualquer limite.107

10. 4 A denominação da pessoa jurídica

A expressão "pessoa jurídica" serve para dar nome a um grupo personalizado de pessoas, embora essa denominação seja ambígua, como afirma o saudoso Professor Orlando Gomes, "porque, propriamente falando, todas as pessoas são jurídicas, no sentido de que a personalidade é conceito jurídico e seus atributos se regulam pelo Direito. Mas, apesar de sua impropriedade, incorporou-se definitivamente ao vocabulário jurídico".108

Portanto, repita-se: duas são as pessoas distintas que atuam no campo dos negócios como sujeitos de direito: a pessoa física e a pessoa jurídica.

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10. 5 Começo da existência legal da pessoa jurídica

A pessoa jurídica de direito privado tem sua origem em uma manifestação humana, ocasião em que os sócios se reúnem formando um contrato ou estatuto, por escrito particular ou público, que é o seu ato constitutivo. Depois vem o registro. É nesse exato momento que a pessoa jurídica surge, adquirindo personalidade jurídica. Nesse sentido o art. 45 do CC é expresso, in verbis:

"Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".

Bem se está a ver que algumas sociedades, em virtude do risco que a sua atividade representa ao sistema financeiro ou à economia, necessitam, além do registro, autorização do Poder Executivo para seu funcionamento. É o caso dos estabelecimentos de seguro, cooperativas, bancos etc., que precisam dessa autorização, sob pena de lhes ser negada personalidade civil.

Deixando de lado a referida autorização, o registro declarará:

I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;

II - o nome e a individualização dos fundadores ou institui-dores, e dos diretores;

III - o modo pelo qual se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à adminis-tração, e de que modo;

V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio nesse caso (CC, art. 46).

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10. 6 Representação da pessoa jurídica

"A manifestação volitiva da pessoa jurídica somente se tem por expressa quando produzida pelos seus "representantes" estatutariamente designados. No caso de ser o ato praticado pela pessoa jurídica representada por apenas um dos seus sócios, quando seus estatutos determinam seja ela representada pelos dois sócios em conjunto, o que ocorre não é deficiência na representação, no sentido técnico-jurídico, que aceita convalidação, mas ausência de consentimento da empresa, por falta de manifestação de vontade, requisito fático para formação do ato. O ato jurídico para o qual não concorre o pressuposto da manifestação de vontade é de ser qualificado como inexistente, cujo reconhecimento independe de pronuncia-mento judicial, não havendo que se...

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