Da penhorabilidade e da impenhorabilidade de bens na execução trabalhista

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas289-296

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A teoria do diálogo das fontes admite a compreensão de absoluta convergência no campo da interpretação das normas, adotando como regra a capacidade de incorporação e de absorção da legislação e não a de sua exclusão. Permite ordinariamente a análise sistêmica do conjunto de leis, de modo a adotar a inserção de dispositivos, em verdadeiro regime de coexistência.

No âmbito do direito processual do trabalho, apontada teoria assume caráter de profunda relevância, dada a constante necessidade de busca de um campo de legislação para além daquele positivado pela regra processual trabalhista, situações especialmente previstas dentro do processo de execução.

O processo de execução decorrente de obrigação reconhecida em sentença ou em acordo firmado e homologado pelo Judiciário, encontra-se disciplinado, previamente, em capítulo próprio (capítulo V), dentro da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Como regra, por expressa disposição legal, além daquelas hipóteses relativas aos procedimentos a serem atribuídos dentro do processo de execução, a CLT autoriza, em dois momentos, a incidência de legislação suplementar às regras previstas em seu capítulo. É, pois, a hipótese de remessa ao art. 769 da CLT, ao reconhecer que: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.” Situação posteriormente consolidada pelo emprego do art. 15 do CPC/2015. Além de apontados comandos legais, e de maneira mais determinante, pois inserido no capítulo que trata da execução, o art. 889 da CLT, na mesma medida, remete de forma específic, complementaridade da legislação suplementar aos procedimentos a serem aplicados dentro do processo de execução, ao autorizar que “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.

A par do tema tratado, penhorabilidade e impenhorabilidade de bens dentro da execução trabalhista, a leitura a ser empregada, faz-se fundamental median-te as perspectivas da interpretação conjugada das legislações que refogem àquela especificamente tratada pelo processo de execução trabalhista. Isso porque, no capítulo destinado aos procedimentos de execução, decorrentes de decisões; acordos descumpridos; termos de ajuste de conduta e/ou termos de conciliações firmados em Comissões de Conciliação prévia – reproduzindo aqui as definições presentes na regra processual trabalhista -, (art. 876 da CLT), inexiste título que verse acerca da penhorabilidade ou da impenhorabilidade de bens do devedor.

De acordo com os dispositivos de lei anteriormente referidos, tanto a CLT, quanto o CPC/2015, autorizam a introdução, dentro da interpretação hermenêutica e do diálogo das fontes, fundados, por certo, o primeiro no reconhecimento da existência de lacunas quando analisada a norma processual trabalhista, no âmbito da execução e o segundo na perspectiva da coexistência e de absorção das normas de maneira harmônica.

O caso oferece, antes de adentrar-se especificamente nas hipóteses a que este estudo alude, necessi-dade de análise das situações que a doutrina reconhece como passíveis de se atribuir aplicação de legislação di-versa àquela existente no âmbito do direito do trabalho.

Analisando, então, a partir de mencionada premissa se está diante de lacuna normativa (ausência de legislação processual celetária), na medida em que, não obstante a CLT trate do processo de execução, não disciplina às hipóteses de penhorabilidade ou de impenhorabilidade de bens do devedor. Mesmo se compreendida a remessa que o art. 889 da CLT realiza a Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/1990). Significa dizer

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que inexiste legislação processual do trabalho que trate a respeito, bem assim, dentro da subsidiariedade de que trata o art. 889 da CLT, mesmo a Lei n. 6.830/1990 não se presta a exaurir a matéria a esse mesmo respeito.

Idêntica compreensão se obtém dentro da teoria do diálogo das fontes, pois existe absoluta harmonia dentro do sistema legislativo capaz de admitir a busca de dispositivos legais, fora do campo do processo do trabalho, tendentes a regular hipóteses para as quais a legislação trabalhista não se cuidou em regulamentar.

Do quadro apresentado e na perspectiva de incidência do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC, alcança incidência, dentro do processo de execução do trabalho, a integral admissão da legislação processual civil que trata da matéria. Contudo, sem que se olvide – conforme será tratado –, da necessária interpretação que se confere a apontadas regras, na perspectiva do crédito trabalhista e do ramo em relação ao qual se coloca o direito do trabalho, e sua busca pela efetividade dos direitos sociais, consolidados e ratificados pela Constituição Federal, o que, na mesma medida, não afronta a incidência da teoria do diálogo das fontes.

1.1. Dos bens impenhoráveis

O art. 833 do CPC consagra as restrições à penhora, assim prescrevendo como impenhoráveis:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

V – os livros, as máquinas ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI – o seguro de vida;

VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

Ainda, a Lei n. 8.009/1990, reserva e disciplina, expressamente, a impenhorabilidade do bem de família.

De plano, há de se destacar que a interpretação a ser conferida aos itens destacados pela legislação processual civil e pela legislação complementar (Lei
n. 8.009/1990) é de numerus clausus, ou seja, de compreensão absolutamente restritiva não sendo permitida a admissão de hipóteses além das tipificadas. Entretanto, mesmo dentre aquelas que a legislação civil prevê mister o aprofundamento em relação a alguns dos itens trazidos, quer pela sua especificidade, ou mesmo pela necessidade de se impor esta regra oriunda do direito processual e do direito civil à ciência do direito material do trabalho. Isso porque, em que pese se trate o processo de mecanismo a ser utilizado, como meio de regras e de formas para que se atinja determinado objetivo, mediante a intervenção do Estado, está a assim trabalhar para a satisfação, no caso do processo do trabalho, de direito material do trabalho reconhe- cido, via de regra, mediante decisão judicial ou acordo inadimplido. Insere-se, o direito material do trabalho tratado, como elemento de efetivação de direitos sociais, como anteriormente dito, não apenas como estatuído pela CLT, mas, sobretudo, pelo reconhecimento alçado pela Constituição Federal.

Com efeito, a própria CLT consagra dispositivo expresso que assegura ao Juiz do Trabalho a possibilidade de impor, dentro do processo, nele incluído o de execução, a interpretação necessária à validação e à efetivação dos direitos sociais. Senão o art. 765 da CLT autoriza ao Juiz do Trabalho e aos Tribunais “(...) ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”

Não se olvide que a positivação de referida regra, socorre, sem dúvidas, a possibilidade de que a prudente hermenêutica se faça presente sob o prisma da execução trabalhista, lacunas existentes e a incidência da regra processual civil, porém, sempre, e insiste pelo seu caráter prevalente, da efetivação de direitos sociais.

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Por certo, de todos os itens impassíveis de penhora o que revela maior debate se trata do bem de família, por isso tratado previamente, dada a sua natureza e o relevante conceito ao mesmo atribuído (bem de família), notadamente como traz Mauro Schiavi:

A impenhorabilidade do bem de família tem fundamento no princípio da humanização da execução e proteção da dignidade da pessoa humana do executado. Desse modo, o imóvel residencial, se for o único, não pode ser penhorado.1

Para tanto, a Lei n. 8.009/1990, em seu art. 1º...

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