Da ordem dos processos e dos processos de competência originária dostribunais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1033-1184
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Caput e §§. A ideia de estabilidade da jurispru-
dência dos tribunais, embora seja elogiável por
propiciar certa segurança jurídica aos jurisdiciona-
dos, encontra barreiras no terreno da realidade, pois
o fenômeno da idiossincracia é algo inerente ao espí-
rito humano, vale dizer, no espírito dos julgadores.
Convém recordarmos que o substantivo estável sig-
nica aquilo que não varia, inalterável, duradouro.
Dessarte, deve-se entender que a norma em exame
esteja a preconizar que a jurisprudência seja estável o
quanto possível; logo, sem caráter absoluto, sob pena,
como dissemos, de confrontar-se com a realidade e
com a dinâmica das relações sociais e jurídicas.
A respeito da conveniência de manter-se a esta-
bilidade da jurisprudência, disse Alfredo Buzaid:
“Na verdade, não repugna aos juristas que os tribu-
nais, num louvável esforço de adaptação, sujeitem a
mesma regra a entendimento diverso, desde que se
alterem as condições econômicas, políticas e sociais;
mas repugna-lhe que sobre a mesma regra jurídica
deem os tribunais interpretação diversa e até contra-
ditória, quando as condições em que ela foi editada
continum as mesmas. O dissídio resultante de tal
exegese debilita a autoridade do Poder Judiciário,
ao mesmo passo que causa profunda decepção às
partes que postularam perante os tribunais” (Uni-
formização de Jurisprudência, Revista da Associação
dos Juízes do Rio Grande do Sul, 34/139, julho de 1885).
O art. 926 do CPC veio, por assim dizer, para
ocupar o espaço que até então era preenchido pelo
incidente de uniformização de jurisprudência, pre-
visto nos arts. 476 a 479 o CPC de 1973.
Seja como for, o art. 926 do CPC não é aplicável
ao processo do trabalho pois a CLT contém norma
expressa acerca do tema da uniformização da juris-
prudência, como evidencia o seu art. 896, §§ 3º a 9º e
13, com a redação dada pela Lei n. 13.015, de 21.7.2014.
Para melhor conhecimento sobre esse incidente,
no âmbito da Justiça do Trabalho, remetemos o
leitor aos nossos “Comentários à Lei n. 13.015/2014
(3. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 40 a 55).
LIVRO III
DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE
IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
TÍTULO I
DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS PROCESSOS DE
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra
e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os
tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os .tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas
dos precedentes que motivaram sua criação.
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Comentário
Caput. O texto estabelece algumas situações que
deverão ser observadas pelos juízes e pelos tribunais.
Para logo, devemos dizer que, tirante os incisos
II, o caput do art. 927, conjugado com os incisos III a
V, são, a nosso ver, inconstitucionais.
Com efeito, somente as denominadas súmulas vin-
culantes, oriundas do STF, podem ter efeito vinculante
em relação aos demais órgãos do Poder judiciário. E
isso somente se tornou possível por força do expres-
samente disposto no art. 103-A, da Constituição da
República. O que estamos a argumentar, portanto, é
que somente a Constituição da República pode au-
torizar um tribunal a adotar súmula ou construção
jurisprudencial vinculativa dos outros órgãos inte-
grantes do Poder Judiciário brasileiro, ou normas de
caráter genérico, abstrato, impositivas. No caso do
art. 927, incisos III a V, não há autorização constitucio-
nal para autorizá-lo a exigir observância, por parte de
juízes e tribunais, do disposto nos incisos III a V. Uma
coisa é a norma infraconstitucional pretender unifor-
mizar a jurisprudência dos tribunais, e, outra, impor,
de modo geral, o acatamento a essa jurisprudência.
Reforcemos nosso argumento com um registro
histórico, extraído da própria Justiça do Trabalho. O
art. 902, da CLT, facultava ao TST adotar prejulgados
— na forma do seu regimento interno —, que, uma
vez estabelecidos, obrigavam os Tribunais Regionais
do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento
(atuais Varas do Trabalho) e os juízes de Direito in-
vestidos na jurisdição trabalhista a acatá-los. Tempos
depois, o Procurador-Geral da República ingressou
no STF com representação de inconstitucionalidade
dos prejulgados, por entender que somente a Consti-
tuição Federal poderia impor norma de acatamento
geral pelo Poder Judiciário. Embora o STF não tenha
admitido a representação, por ter sido dirigida aos
prejulgados, e não ao art. 902, da CLT, mandou um
“recado” ao TST, dizendo que, de qualquer modo,
não reconhecia efeito obrigatório (vinculativo, portan-
to) nesses prejulgados. Foi o quanto bastou para
que o TST: a) não mais adotasse prejulgados; b) pela
Resolução n. 1/1982 convertesse os prejulgados em
súmulas. Logo a seguir, a Lei n. 7.033, de 5 de outu-
bro de 1982, revogou o art. 902 da CLT, pondo m,
desse modo, ao longo império despótico dos malsi-
nados prejulgados.
Como estamos a sustentar a inconstitucionalida-
de dos incisos III a V do art. 927, isso signica que os
juízes — inclusive os de primeiro grau de jurisdição
— podem arguir, nos casos concretos, de maneira
incidental (controle difuso), o contraste do precitado
artigo da CPC com a Constituição da República, dei-
xando, em consequência, de aplicá-lo.
Inciso I. Controle de constitucionalidade. No Bra-
sil, o controle jurisdicional da constitucionalidade
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I — as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constituciona-
lidade;
II — os enunciados de súmula vinculante;
III — os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV — os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional
e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V — a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando
decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento
de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal
e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode
haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese
adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação
adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da
confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão
jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
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das leis e dos atos normativos do Poder Público é
exercido sob as formas: a) difusa; e b) concentra-
da. A primeira é realizada de maneira incidental,
competindo a qualquer órgão do Poder Judiciário,
inclusive, de primeiro grau; a segunda é efetua-
da por meio de ação direta, para cuja apreciação o
Supremo Tribunal Federal detém competência ex-
clusiva.
É no tocante às decisões proferidas pelo STF no
controle concentrado que se refere o art. 927, I, do
CPC.
Inciso II. Súmulas vinculantes. São editadas pelo
STF. Estão previstas no art. 103-A, da Constituição
Federal, assim redigido: “O Supremo Tribunal Fe-
deral poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços de seus membros, após reite-
radas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
ocial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração públi-
ca direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, bem como proceder à sua revisão ou can-
celamento, na forma estabelecida em lei”.
O desrespeito a essas súmulas ensejará reclama-
ção ao STF (CPC, art. 988). Dispõe a esse respeito
o art. 156 do Regimento Interno do STF: “Caberá
reclamação do Procurador-Geral da República, ou
do interessado na causa, para preservar a compe-
tência do Tribunal ou garantir a autoridade das
suas decisões”.
Consta, ainda, da norma interna corporis do
Excelso Pretório: “Art. 161. Julgando procedente a
reclamação, o Plenário ou a Turma poderá: I — avo-
car o conhecimento do processo em que se verique
usurpação de sua competência; II — ordenar que lhe
sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso
para ele interposto; III — cassar decisão exorbitante
de seu julgado, ou determinar medida adequadaà
observância de sua jurisdição”.
Inciso III. Incidente de assunção de competência. In-
cidente de resolução de demandas repetitivas. Recursos
extraordinário e especial repetitivos. Os acórdãos profe-
ridos nesses casos também devem ser acatados por
juízes e tribunais, ressalvada a nossa opinião quanto
à inconstitucionalidade do preceito legal sub examen.
O CPC disciplina esses procedimentos nos se-
guintes artigos:
Incidente de assunção de competência: art. 947;
Incidente de resolução de demandas repetitivas:
arts. 976 a 987;
Julgamento de recursos extraordinários e espe-
ciais repetitivos: arts. 1.036 a 1.041.
Com vistas ao processo do trabalho, podemos in-
cluir também o julgamento dos recursos de revistas
repetitivos, mencionados no art. 896-B, da CLT, que
manda aplicar, no que couber, as normas do CPC
que regulam o julgamento dos recursos extraordiná-
rios e especiais repetitivos, vale dizer, os arts. 1.036
a 1.041.
Inciso IV. Súmulas do STF e do STF. As súmulas
do STF em matéria constitucional, assim como as do
STJ em matéria infraconstitucional devem ter os res-
pectivos enunciados acatados por juízes e tribunais,
ressalvando, também neste caso, o nosso entendi-
mento quanto à inconstitucionalidade do preceptivo
em questão.
Podem ser aqui incluídas as súmulas do TST so-
bre matéria infraconstitucional.
Inciso V. Plenário ou órgão especial. As orientações
adotadas pelo tribunal, seja pelo seu plenário, seja
pelo órgão especial, devem ser observadas pelos
magistrados que se encontrarem vinculados a esses
órgãos. A norma também é inconstitucional.
Devemos, nesta altura, enfrentar uma questão
deu nova redação ao art. 896, § 3º, da CLT, para de-
terminar que os Tribunais Regionais do Trabalho
procedessem, em caráter obrigatório, à uniformiza-
ção de sua jurisprudência. A grande polêmica que
se formou, a contar da vigência dessa normal legal,
foi quanto a saber se a súmula uniformizadora da
jurisprudência deveria, ou não, ser acatada por to-
dos os magistrados vinculados ao tribunal, inclusos
os de primeiro grau. Quando ainda estava a viger
o CPC de 1973, lançamos um opúsculo sob o título
“Comentários à Lei n. 13.015/2014”, no qual susten-
tamos o ponto de vista de que a referida súmula não
teria caráter obrigatório, fosse quanto aos magistra-
dos do tribunal, vencidos na votação do incidente,
fosse quanto aos de primeiro grau, pois a única sú-
mula com efeito vinculativo era a adotada pelo STF,
nos termos do art. 103-A, da Constituição da Repú-
blica. Pois bem. Entra em vigor o novo CPC, cujo
art. 927, V, estabelece que os juízes e tribunais de-
verão observar “a orientação do plenário ou órgão
especial aos quais estiverem vinculados”. Caso se
venha a entender que esse preceptivo do CPC pos-
sa, por analogia, alcançar o art. 896, § 3º, da CLT, na
parte em que teria tornado obrigatório o acatamento
às sumulas produzidas nos incidentes de uniformi-
zação da jurisprudência regional, a única conclusão
a extrair-se é de que essa dispositivo da CLT seria
inconstitucional, pelas mesmas razões que dessa
eiva está comprometido o art. 927, do CPC, em seus
incisos III a V.
§ 1º O que parágrafo está a expressar é que o
juiz, quando for decidir com fulcro no art. 927,
deverá: a) estabelecer um contraditório prévio,
ouvindo as partes (art. 10); b) fundamentar a sua
decisão, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX), a
que o art. 489, § 1º, do CPC, com certo eufemismo,
considera “não fundamentada”. Os §§ 1º a 3º do
art. 489 do CPC, todavia, são incompatíveis com o
processo do trabalho.

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