Da Liquidação de Sentenças

AutorFrancisco Antonio de Oliveira
Ocupação do AutorDesembargador Federal do Trabalho aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
Páginas180-213

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3.1. Das sentenças ilíquidas

Diz-se ilíquida a sentença condenatória em que ainda não se apurou o quantum debeatur. Existe o título declarando o direito de forma abstraía, mas ainda não existe a declaração do valor. Diz-se que existe o an debeatur, mas o quantum debeatur ainda será objeto de apuração. Ao contrário da sentença líquida, em que a condenação indica o direito e o valor correspondente, na sentença ilíquida o valor será obtido por meio da liquidação de sentença ou fase de acertamentos. Embora o art. 286, caput, do CPC (art. 324, §§ 1º, 1ºII, 1ºIII, NCPC) seja de aplicação subsidiária em sede trabalhista (art. 769, CLT) e preceitue que "o pedido deve ser certo ou determinado", o mesmo artigo também admite que "é lícito, porém, formular pedido genérico: I — nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados; II — quando não for possível determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou do fato ilícito; III — quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu". Sempre que possível, deve a parte formular pedido líquido para que a sentença também seja prolatada de forma líquida.

No processo do trabalho, existe uma dificuldade maior, uma vez que o pedido, como regra, é composto de inúmeras verbas, v. g., aviso-prévio, férias vencidas e proporcionais, 13º salário vencido e proporcional, repouso semanal remunerado, verbas do Fundo de Garantia não depositadas nas épocas próprias, adicional de insalubridade e/ou periculo-sidade, horas extras, adicional noturno, multa pelo não pagamento das verbas rescisórias em tempo hábil, multas dissidiais, indenização pela estabilidade, por danos morais etc. Tendo em conta que, se provados, o trabalho extraordinário, o adicional noturno e o adicional de insalubridade ou de periculosidade comporão a base de cálculo, o trabalho liquidatório, por ocasião do pedido pericial, se torna, em princípio, ocioso, uma vez que certamente os cálculos deverão ser refeitos, e o juiz reitor do processo certamente não prolatará sentença líquida, mesmo porque, nos grandes centros, aí incluída a 2- Região, isso demandaria muito tempo, e o excessivo número de processos distribuídos diariamente não permitiria, nem o magistrado dispõe de tanto tempo.

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Nada obstante, a Lei n. 9.957/2000, que instituiu o "procedimento sumaríssimo", exige que o pedido deve ser certo ou determinado, devendo também indicar o valor correspondente (art. 852-B, I, não existe correspondente). Comanda o § 1º do referido artigo que o não atendimento, pelo autor, do disposto nos incisos I e II importará no arquivamento da ação, com condenação em custas sobre o valor da causa. A verdade é que a drasticidade da lei por ocasião do ajuizamento não é seguida pelos juizes por ocasião das sentenças, quase sempre, por absoluta impossibilidade. Suponham-se hipóteses em que a parte pede adicional de insalubridade de 40% e o laudo pericial indica apenas 10%, ou verbas de Fundo de Garantia não depositadas ou depositadas de forma irregular. Diante do laudo pericial ou da documentação juntada aos autos pela empresa, salta à evidência a impossibilidade da prolação de sentença líquida.

Oportuna se nos apresenta uma crítica à referida lei. Não obstante oportuna, o legislador foi muito tímido ao fixar o valor em quarenta salários mínimos. No tocante ao procedimento, ainda foi pior. A pressa e a celeridade buscada na prolação da sentença primária não se fez sentir durante todo o procedimento, já que, prolatada a sentença, o procedimento se transforma em ordinário trabalhista, com a possibilidade de todos os recursos, inclusive os recursos extraordinários para o TST e o STF, neste em havendo matéria constitucional. Apenas se acrescentou o § 6º ao art. 896, CLT (Lei n. 9.957/2000), em que se restringe a subida do recurso de revista por contrariedade à súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho e violação direta da Constituição da República. Para que se dê verdadeira eficácia à sentença proferida no rito sumaríssimo celetista, é necessário que se eleve para sessenta salários mínimos o valor paramétrico e que se dê uma alçada especial de quarenta salários mínimos valorizando a decisão primária e evitando que as jurisdições ad quem se assoberbem de recursos, em sua grande maioria, protelatórios. O Tribunal Superior do Trabalho deverá ser menos tímido ao elaborar e enviar anteprojetos de lei. O processo trabalhista sempre foi de vanguarda. Não há razão para timidez. Há o PL n. 4.732, originário do TST, desde 2004, para a elevação do parâmetro sumaríssimo para sessenta salários mínimos e para que o recurso de revista fique limitado à violação de lei ou desrespeito à jurisprudência sumulada do TST. Lamentavelmente, a alçada continua a mesma, dois salários mínimos na fase cognitiva e na execução não existe alçada. Isso significa que na fase executória existe a possibilidade, em tese, de a parte em todos os procedimentos, aí incluído o sumaríssimo, utilizar-se de todos os recursos, inclusive para o TST e ao STF, quando houver discussão envolvendo matéria constitucional. Na prática, procedimento sumaríssimo só será julgado rapidamente em primeiro grau na fase de conhecimento, retornando à esteira comum de julgamento nos Regionais, onde não existem turmas especializadas para a apreciação, não obstante a lei autorize. A alçada recursal de dois salários mínimos restou neutralizada pela realidade, superando a lei de 1970 (Lei n. 5.584, que somente tem aplicação, repita-se, na fase de conhecimento).

3.1.1. Natureza jurídica

A liquidação de sentença constitui fase intermediária entre a fase de conhecimento e a de execução. Esta tem o seu marco inaugural com a citação para o pagamento do

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quantum, em 48 horas, ou garantia da execução, sob pena de penhora (art. 880, CLT). Nesta parte, tem plena aplicabilidade o art. 475-J do CPC (art. 523, §§ 1s e 3º, NCPC) no que determina a aplicação da multa de ofício pelo juiz, decorridos os 15 (tempusjudicati) dias da intimação da decisão liquidatória. A aplicação dá-se em sede de complementa-riedade da norma trabalhista prevista no art. 880 da CLT. Diversamente do comando civilista, o devedor será citado para pagamento e, em caso negativo, terá 48 horas para oferecer bens à penhora. Esse procedimento celetista em nada prejudica a aplicação da multa em sede de complementariedade.

O STJ decidiu na 4- Turma que a multa não deve ser aplicada na hipótese de execução provisória, sob o argumento de que a multa deverá ser aplicada nas execuções definitivas. A orientação é correta. Se a execução está posta em sede de provisoriedade, não existe possibilidade de exigir o pagamento da multa de 10%, direito que somente se decantará com a presença da coisa julgada material. A multa posta na sentença é um direito sujeito à condição suspensiva, isto é, que o direito se torne autoexecutável, caso, sendo exigível, o devedor não efetue o pagamento em 15 (quinze) dias do valor apurado na liquidação de sentença. Determinar o pagamento da multa antes do trânsito em julgado afronta o direito de recorrer onde a matéria está posta em discussão. Todavia, caso o recurso interposto não contemple a discussão da multa, haverá o trânsito em julgado e, nessa parte, a execução será definitiva mas não exigível, porque ainda subsistirá a condição suspensiva. Nesse caso, três hipóteses poderão surgir: primeira, o tribunal confirma o valor apurado em liquidação e esse será a base para aplicação da multa; segundo, o tribunal dá provimento parcial e a base para a aplicação da multa será modificada; terceira, o tribunal dá provimento total ao recurso, e não haverá base para o cálculo da multa. De resto, aplica-se aqui o princípio de que o acessório segue o principal. Não havendo principal, não haverá acessório.

A liquidação de sentença constitui incidente da fase cognitiva. Sua natureza é de-claratória, posto que apenas o an debeatur é conhecido. Há incerteza no que respeita ao quantum. Conhecido este, ela se torna integrativa da execução.

O Código atual seguia a mesma orientação do Código de 1939, que, por sua vez, adotara a mesma orientação do Regulamento n. 737, de 1850 (arts. 503-505). Essa mesma orientação verificava-se no ordenamento lusitano de 1939, mantida nos textos de 1961 e 1967. Todavia, a Lei n. 11.232/2005 trouxe transformação estrutural e conceituai na liquidação por quantia certa. A liquidação de sentença deixou de ser ação para figurar como simples incidente declaratório do quantum debeatur. A decisão proferida não tem mais a dignidade de sentença recorrível por apelação, mas de decisão interlocutó-ria recorrível por agravo de instrumento (art. 475-H, CPC, art. 1.015, parágrafo único, NCPC). Os embargos à execução deram lugar ao incidente de "impugnação" (art. 475-L, CPC, art. 525, § 1s, NCPC). Da decisão no incidente de impugnação, cabível o agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação (art. 475-M, § 3º, CPC, art. 1.015, NCPC). A nova sistemática adotada em sede civilista aproxima-se das regras trabalhistas. Todavia, repita-se, no processo do trabalho — fases cognitiva e executória —, as interlocutórias são irrecorríveis e o agravo de instrumento tem âmbito operacional restrito ao desatrelamento em todas as jurisdições de recursos não processados (art. 897...

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