Da Licitação e do Contrato Administrativo

AutorEdson Jacinto da Silva
Páginas427-492

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A matéria concernente à Licitação prevista na Lei 8.666/93, além de complexa e extremamente vasta, constitui um verdadeiro pesadelo para aqueles que, por um motivo ou outro, estão obrigados a lidar com a referida lei, porque o tão importante diploma jurídico nasceu mal elaborado, e as tentativas de corrigir seus erros culminaram por torná-la ainda mais confusa, conforme a maioria dos atuais doutrinadores.

Ao estudar tal matéria, vimo-nos obrigado a inúmeras consultas, na tentativa de elucidar os intermináveis questionamentos que a envolvem.

Além das opiniões doutrinárias encontradas, aprofundamo-nos na análise das decisões judiciais colhidas sobre o tema, o que nos levou a um resultado que muito poderá auxiliar os estudiosos da matéria, pelas informações e questionamentos que passaremos a abordar.

A palavra “licitação”, embora comporte vários significados, traz como ideia central o sentido de concorrer, oferecer, arrematar, disputar o preço sobre a coisa.

Licitação é um procedimento administrativo, preliminar aos contratos celebrados pelo Estado, que busca a melhor proposta para se atingir o interesse público, a partir de nomes preestabelecidos em um instrumento convocatório, aos quais irão definir a forma de agir das autoridades administrativas e dos particulares interessados neste processo de seleção.460Licitação é o procedimento administrativo destinado à escolha de pessoa a ser contratada pela Administração ou a ser beneficiada por ato administrativo singular, no qual são assegurados tanto o direito dos interessados à disputa como a seleção do beneficiário mais adequado ao interesse público”.461

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Bom lembrar que na legislação brasileira prevaleceu durante longo tempo a expressão concorrência, significando procedimento adotado pela Administração “para selecionar, entre serviços ou bens ao Estado, a que mais atende ao interesse da coletividade”.462

Entre nós a terminologia mais consagrada é licitação, que abrange todas as modalidades do procedimento. Licitação (do lat. licitatio, licitationis): ato ou efeito de licitar, oferta de lances num leilão ou hasta pública.

Licitação, no Direito Administrativo brasileiro, nada mais é que um procedimento administrativo, por meio do qual a Administração Pública seleciona quem mais convenientemente se apresentar, à luz de critérios estabelecidos e divulgados previamente, tendo em vista a eventual celebração de contrato atinente a serviços, obras e bens.

Vários publicistas brasileiros têm se pronunciado sobre o conceito, com as mais variadas anotações. O magnífico mestre Celso Antônio Bandeira de Mello a afirma:

(...) o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.463Para Adilson Abreu Dallari:

Licitação é um procedimento administrativo unilateral, discricionário, destinado à seleção de um contratante com a Administração Pública para a aquisição ou a alienação de bens, a prestação de serviços e a execução de obras464.

No conjunto dos publicistas brasileiros notamos que, embora se utilizem diferentes palavras, as ideias são muito idênticas. Definem licitação, entre outros, Hely Lopes Meirelles, Antônio Marcello da Silva, Seabra Fagundes, Carlo Medeiros Silva e Carlos Barros Júnior.

Em resumo, Licitação é um procedimento administrativo preparatório da vontade contratual, pelo qual o ente público, no exercício da função

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administrativa, seleciona os interessados que, sujeitando-se aos pré-requisitos fixados em edital, lançam propostas dentre as quais será selecionada e aceita a mais conveniente.

Para o Prof. Toshio Mukai, a licitação pode ser conceituada como: um cotejo de ofertas (propostas), feitas pelos particulares ao Poder Público, visando à execução de uma obra pública, a prestação de um serviço, um fornecimento, ou mesmo uma alienação pela administração, donde se há de escolher aquela (proposta) que maior vantagem oferecer, mediante um procedimento administrativo regrado, que proporcione um tratamento igualitário aos proponentes, findo o qual poderá ser contratado aquele que oferecer a melhor proposta.465A Licitação surge como um ato jurídico, sob a forma de procedimento administrativo, editado por princípios balizadores da função administrativa e vocacionado à seleção de um eventual contratante.

A licitação inicia-se por uma fase que a Doutrina denomina de Fase Interna da Licitação. Esta fase é composta pelas etapas preparatórias para a publicação do edital de licitação. É naquele momento que se especifica o objeto a ser contratado por meio da elaboração do projeto básico, para que sejam definidos os requisitos para o recebimento de propostas dos participantes da licitação.

Destaca-se a importância desta fase para o bom resultado da contratação, que, na visão da doutrina dominante, há que ser atendida na íntegra, e apenas para oferecer uma compreensão superficial, de natureza intuitiva, sobre a matéria; vale a pena reproduzir, pela ordem, os comentários de Toshio Mukai, citados por Carlos Pinto Coelho Motta,466bem como os de Celso Antônio Bandeira de Mello467, verbis:

Os procedimentos da licitação compõem-se de uma fase interna que vai até a elaboração do edital ou da carta-convite, e de uma fase externa, que se inicia com a publicação do edital ou expedição da carta-convite e termina com a adjudicação do objeto da licitação (normalmente).

As licitações possuem uma etapa interna e uma externa. A interna é aquela em que a promotora do certame pratica todos os atos condicionados à sua abertura; antes,

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porém, de implementar a convocação dos interessados. A etapa externa – que se abre com a publicação do edital ou com os convites – é aquela em que, já estando estampadas para terceiros, com a convocação de interessados, as condições de participação e disputa, irrompe a oportunidade de relacionamento entre a Administração e os que se propõem a afluir ao certame.

A fase interna é, portanto, anterior à abertura da licitação propriamente dita. Antes de instaurar procedimento licitatório, a Administração Pública definirá o objeto a ser contratado, com suas quantidades e especificações, e, nesse momento, justificará (é a chamada justificação prévia) a necessidade da contratação.

O processo administrativo demarca o início da licitação, como determina a Lei 8.666/1993, assim deverá ser autuado, protocolado e numerado. Deverá ainda conter a autorização da respectiva autoridade competente do órgão, a indicação sucinta de seu objeto, e a fonte dos recursos designados para execução da despesa. O processo será composto por todos os documentos gerados ao longo do procedimento licitatório, como a documentação, memórias de cálculo, dentre outros.

É, também, na fase interna que será definida a modalidade de licitação aplicável à hipótese.

Daí a suma importância da fase interna da licitação, pois eventuais ilegalidades praticadas nesta etapa induzirão à inexorável nulidade da fase externa, quando é instaurado o procedimento licitatório.

Tem o objetivo de identificar as reais necessidades da contratação, sendo considerada de suma importância para orientar a decisão de licitar.

Consiste ainda em identificar as necessidades, estimar os recursos disponíveis e optar pela melhor alternativa para o atendimento dos objetivos propostos. É considerada ainda fator preponderante para evitar desperdícios de recursos públicos pela impossibilidade de execução da obra ou ainda por dificuldades em sua conclusão.

Nessa fase é que se concentram os atos que definirão os rumos da licitação, isto é, o planejamento da licitação.

Segundo o Ministro Ubiratan Aguiar do TCU:

Identifica-se a necessidade, motiva-se a contratação, para então partir-se para verificação da melhor forma de sua prestação. Ou seja, a decisão pela contratação direta, por inexigibilidade ou dispensa, é posterior a toda uma etapa preparatória que deve ser a mesma para qualquer caso. A impossibilidade, ou a identificação da possibilidade da contratação direta como a melhor opção para a administração, só surge

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após a etapa inicial de estudos. Como a regra geral é a licitação, a sua dispensa ou inexigibilidade configuram exceções. Como tal, portanto, não podem ser adotadas antes das pesquisas e estudos que permitam chegar a essa conclusão.468O saudoso Hely Lopes Meirelles legou-nos lição lapidar:469“Licitação sem caracterização de seu objeto é nula, porque dificulta a apresentação das propostas e compromete a lisura do julgamento e a execução do contrato subseqüente”.

Para encerrar diga-se que as fases interna e externa da licitação são conceitos elaborados pela doutrina, que foram albergados pela legislação brasileira. Têm caráter didático. São conceitos que organizam, sistematizam a licitação, como bem aponta Carlos Pinto Coelho Motta:470Adoto com plena anuência essa classificação em fases, porquanto, além de tecnicamente correta, permite a elaboração de um roteiro operacional para o gerenciamento rápido da licitação, evitando erros, atrasos e conflitos desnecessários. O estudo minucioso e a estrita observância dos passos legais da fase interna (“processo”) conduzirão à otimização da fase externa (“procedimento”), sem impugnações, recursos ou denúncias que possam inibir ou retardar o resultado final – expresso em boa e competente adjudicação.

O Ilustre doutrinador Marçal Justen Filho leciona:

“A exaustão da discricionariedade cada fase da licitação culmina com uma decisão. Mesmo nas fases ditas internas (tais como “definição do objeto a ser licitado” e “elaboração do edital”)...

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