Da Lei Penal no Tempo

AutorIrving Marc Shikasho Nagima
CargoEspecialista em Direito Criminal Assessor de Desembargador
Páginas31-38

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A plica-se a lei penal vigente ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio tempus regit actum. Quer-se dizer que a lei penal (só) produzirá efeitos, em regra, no período da sua vigência, de acordo com a lei vigente na época do fato. Assim, praticado um crime, por exemplo, na data de 22 de julho de 2013, reger-se-á a pretensão punitiva estatal, a princípio, de acordo com as regras vigentes nesta data. Exceção à regra supracitada ocorre nos casos de extra-atividade da lei penal, que abrange a retroatividade da lei mais benéfica e sua ultra-atividade.

Em síntese: “O fenômeno jurídico pelo qual a lei regula todas as situações ocorridas durante seu período de vida, isto é, de vigência, denomina-se atividade. A atividade da lei é a regra. Quando a lei regula situações fora de seu período de vigência, ocorre a chamada extra-atividade, que é a exceção” (Capez, 2007, p. 54).

Princípios constitucionais

Três são os fundamentais princípios aplicados no instituto da eficácia da lei penal no tempo: a) legali-dade, no sentido de anterioridade; b) irretroatividade e c) retroatividade da lei mais benigna.

Não há infração ou sanção penal sem lei anterior, isto é, sem lei prévia. Esse desdobramento do princípio da legalidade traduz a ideia da anterioridade penal, segundo o qual, a para a aplicação da lei penal, exige-se lei anterior tipificando o crime e prevendo a sua sanção.

O segundo princípio constitucional (irretroatividade), descrito no art. 5º, XL, da CF, dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, impondo-se, assim, a irretroatividade da lei penal, salvo quando a lei nova seja benéfica ao acusado. Destarte, nas palavras de Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli, “qualquer que seja o aspecto disciplinado do Direito penal incriminador (que cuida do âmbito do proibido e do castigo), sendo a lei nova prejudicial ao agente, não pode haver retroatividade” (Gomes e Mazzuoli, 2008, p. 125).

Por fim, quanto à retroatividade da lei mais benigna, “é indispensável investigar qual a que se apresenta mais favorável ao indivíduo tido como infrator. A lei anterior, quando for mais favorável, terá ultratividade e prevalecerá mesmo ao tempo de vigência da lei nova, apesar de já estar revogada. O inverso também é verdadeiro, isto é, quando a lei posterior foi mais benéfica, retroagirá para alcançar fatos cometidos antes de sua vigência” (Bitencourt, 2007,
p. 162). O Supremo Tribunal Federal tem adotado entendimento literal do princípio: “A lei nova é lex in melius e por isso deve retroagir, por força do disposto no art. 5º, inc. XL, da Constituição: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar. Precedentes: HHCC 110.040, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2a. Turma, DJ e de 29/11/11; 110.317, Rel. Min. Carlos Britto, (liminar), DJe de 26/09/11, e 111.143, Rel. Min. Dias Toffoli (liminar), DJe de 22/11/11” (STF. HC 113717 / SP. Rel. Luiz Fux. 1a. T. Julg. 26/02/2013).

Legislação aplicável

CF, Art. 5º, XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

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CADH, art. 9º. Princípio da legalidade e da retroatividade. Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.

CP, art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

CP, art. 3º. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a deter-minaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência.

CP, art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Tempo do crime

Há três correntes quanto à determinação do momento da prática do crime (tempus delicti). São elas: a) da atividade; b) do resultado e c) mista.

Para a teoria da atividade, também chamada de teoria da ação, considera-se o momento do crime quando o agente realizou a ação ou a omissão típica. Ou seja, considera-se praticado o crime no momento da conduta do agente, não se levando em consideração o momento do resultado, se diverso.

Essa é a teoria adotada pelo Código Penal, em seu artigo 4º.

Cezar Roberto Bitencourt cita algumas exceções à teoria adotada. Ensina que “o Código, implicitamente, adota algumas exceções à teoria da atividade, como, por exemplo: o marco inicial da prescrição abstrata começa a partir do dia em que o crime consuma-se; nos crimes permanentes, do dia em que cessa a permanência; e nos de bigamia, falsificação e alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato torna-se conhecido” (Bitencourt, 2007, p. 172).

A segunda corrente (do resultado, do evento ou do efeito), defende que o momento do crime é aquele em que ocorreu o resultado. Deste modo, considera-se praticado o delito no momento em que ocorre o resultado, o efeito da conduta ilícita. Damásio leciona que “não é de aceitar-se a teoria do evento, principalmente quando a ação ocorre antes de entrar em vigor uma lei que define um crime ex novo e o resultado se produz no período de sua vigência. Se a conduta é lícita perante o ordenamento jurídico, lícito é o resultado, ainda que ocorra sob a eficácia da lei nova que define o fato (conduta e evento) como crime. Mesmo que a ação ocorra durante o lapso da vacatio e o resultado após a entrada da lei em vigor, a solução é a mesma: o fato se considera cometido ao tempo da lei antiga, que não o considerava crime, aplicando-se o princípio da reserva legal” (Jesus, 2006, p. 104).

A última corrente (mista, ubiquidade ou unitária) sustenta que o tempo do crime é o da ação ou da omissão quanto o do resultado. Assim, conforme ensinamento de Régis Prado “o tempo do crime pode ser tanto o da ação como o do resultado” (Prado, 2010, p. 46).

Sucessão (conflito) de leis no tempo

Em uma situação ideal, de normalidade, a lei penal vigente na época do fato delituoso é a que embasará o julgamento e a execução penal do agente (tempus regit actum). Noutras palavras, praticado o ilícito, fixa-se a lei penal aplicável, que perdurará enquanto não extinta, revogada ou modificada. A lei penal da época do fato dará supedâneo para a aplicação das sanções penais e forma de execução.

Porém, nem sempre haverá estabilidade (no sentido de manutenção) da lei penal; nem sempre a lei penal vigente na época do fato regulará toda persecução penal do fato criminoso. Assim, entre a data do fato e o término do cumprimento da pena poderá haver alteração das leis penais, ocorrendo a sucessão ou conflito de leis penais no tempo. Nesse caso, “torna-se necessário encontrar qual a norma que é aplicável ao fato; se aquela que vigia quando o crime foi praticado, ou a que entrou depois em vigor” (Delmanto, 2010, p. 85).

Para resolver esses casos de sucessão de lei, basta observar um único critério: aplica-se a regra penal mais benéfica ao acusado, na forma retroativa ou ultra-ativa. A lei penal mais favorável é aplicada mesmo que o fato punível tenha sido julgado, com trânsito em julgado (retroatividade) ou mesmo que tenha sido revogada com o advento da lei nova (ultra-atividade).

Consequentemente, a lei penal será irretroativa quando colocar o agente em situação pior àquela pre-vista por outra lei anterior. Desta maneira, “toda lei penal, que, de alguma forma, represente um gravame aos direitos de liberdade, que agrave as consequências penais diretas do crime, criminalize condutas, restrinja a liberdade, provisoriamente ou não, caracteriza lei penal mais grave, e consequente-

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mente, não pode retroagir” (Biten-court, 2007, p. 163).

A fim didático, separar-se-á em tópicos a forma de sucessão de leis penais no tempo: a) abolitio criminis; b) novatio legis incriminadora;
c) novatio legis in pejus; d) novatio legis in mellius.

Abolitio criminis

Haverá abolição de crime quando a lei nova deixa de considerar crime/contravenção penal o fato anteriormente tipificado como ilícito penal. Nesse caso, o legislador retira a ilicitude da conduta, descriminalizando o ato que outrora era considerado delito.

O instituto da abolitio criminis está descrito no caput do art. 2º do Código Penal, sendo causa de extinção de punibilidade (art. 107, inciso III, do CP).

Para Rogério Sanches Cunha, “a abolição do crime representa a supressão da figura criminosa. Trata-se de revogação de um tipo penal pela superveniência de lei descriminalizadora” e ocorre “sempre que o legislador, atendendo às mutações sociais (e ao princípio da intervenção mínima), resolve não mais incriminar determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa, julgando que o Direito Penal não mais se faz necessário à proteção de determinado bem jurídico” (Cunha, 2013, p. 100).

Releva esclarecer que o instituto da abolitio criminis não ofende a...

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