Da Investigação Judicial Eleitoral (AIJE)

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas261-275

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1 Noções
1. 1 Noções

São muito comuns durante a fase de campanha eleitoral – embora possam ocorrer desde a fase pré-eleitoral ou se estender para a pós-eleitoral – denúncias, normalmente exploradas pelos meios de comunicação, de candidatos, correligionários, simpatizantes ou simples cabos eleitorais praticando irregularidades que, de alguma forma, poderão influenciar no resultado das eleições, especialmente por meio de propaganda extemporânea ou captação proibida de sufrágio – compra de votos travestida em forma de benesses para eleitores com o fim de coarctar-lhes a vontade e lhes obter o voto.

A Lei de Inelegibilidades institui, em casos como esses, uma investigação judicial para apurar o uso indevido ou abuso do poder econômico ou de autoridade, ou, ainda, a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político, a ser realizada pela Justiça Eleitoral:

Art. 22 Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

Trata-se, verdadeiramente, de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), a cujas finalidades originárias sobrevieram outras, desde logo introduzidas pela Lei das Eleições ou leis posteriores que a alteraram. Entre essas, a Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999, que acrescentou o art. 41-A na Lei das Eleições, instituiu a investigação para apurar captação ilícita de sufrágio, popularmente conhecida como “compra de voto”, assim dispondo:

Art. 41-A Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

Essa mesma lei modificou a redação do § 5º do art. 73 da Lei das Eleições, sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, assim dispondo: “Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação

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do registro ou do diploma.”. Desse modo, como a mesma Lei ampliou o rol das condutas cuja violação sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma, por identidade de razão adota-se o idêntico procedimento investigatório para apuração.

Também abriu ensejo à instauração de investigação a hipótese instituída pela Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006 – minirreforma eleitoral –, específica para apuração de irregularidades na arrecadação e gastos de recursos financeiros nas campanhas eleitorais, assim dispondo o art. 30-A Lei das Eleições: “Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos”. Esse dispositivo seria alterado posteriormente, pela Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, a qual impôs prazo de quinze (15) dias para a representação com a seguinte redação: “Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos”.

1. 2 Coexistência das cinco investigações judiciais eleitorais

Logo, coexistem a investigação judicial eleitoral da Lei de Inelegibilidades (art. 22, XV263) e as da Lei das Eleições: a) apurar unicamente condutas ilegais relacionadas à arrecadação e gastos de recursos de campanhas eleitorais (art. 30-A)264; b) apurar compra de voto, denominada tecnicamente de “captação ilícita de sufrágio”, pode ser objeto de investigação com fundamento no art. 41-A265; c) apurar violação às condutas vedadas aos agentes públicos no art. 73 da Lei das Eleições266; d) apurar a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas nos três meses anteriores às eleições (art. 77).

Nas cinco hipóteses, trata-se de procedimento investigatório desenvolvido pelo Poder Judiciário em forma de inquérito, que acabou ganhando contornos de verdadeiro processo judicial, todos se caracterizando como providência mais ampla que a anterior, prevista no art.

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237, §§ 2º e 3º, do Código Eleitoral, pela qual se permitia apenas produzir prova para uso em recurso contra diplomação, sem se revestir da autonomia marcante da ação de investigação judicial – AIJE.

2 Autonomia das investigações judiciais eleitorais

Ao contrário da medida prevista no velho Código Eleitoral e a despeito de ser inquérito, a investigação judicial goza de autonomia e dela poderá resultar a aplicação de penalidades, como a cassação do registro de candidatura e a declaração de inelegibilidade nos casos previstos no art. 22 da Lei de Inelegibilidades, ou a denegação ou cassação do diploma, no art. 30-A da Lei das Eleições, assim como em multa e cassação do registro ou do diploma, na hipótese de compra de voto (art. 41-A). A prática de conduta vedada (art. 73) pode sujeitar o infrator a suspensão dela, além de multa e cassação do registro ou do diploma, enquanto a participação em inaugurações, pena de cassação do registro ou do diploma.

3 Efeitos da investigação judicial eleitoral
3. 1 Efeito previsto originariamente na Lei de Inelegibilidades

Em sua primitiva redação, a Lei de Inelegibilidades distinguia os efeitos da investigação judicial conforme o momento do julgamento, variando desde a cassação do registro da candidatura e a declaração de inelegibilidade ou simplesmente a produção de prova para uso futuro no recurso contra a diplomação ou na ação de impugnação de mandato eletivo – AIME. A eleição era o divisor de águas, constando a solução diferenciada nos incisos XIV e XV do art. 22, in litteris:

XIV - julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos três (3) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

XV - se a representação for julgada procedente após a eleição do candidato, serão remetidas cópias de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, para os fins previstos no art. 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal, e art. 262, inciso IV, do Código Eleitoral.

Em síntese, da investigação judicial fundada no art. 22 da Lei de Inelegibilidades julgada procedente podiam resultar as seguintes providências:
a) se antes da eleição, assim considerada a data da sentença, e não a do recurso que a confirme, a Justiça Eleitoral declararia a inelegibilidade do candidato e de todos quantos houvessem contribuído para a prática do ato, para eleições que se realizassem nos três
(3) anos subsequentes à eleição em que se verificou. Além disso, deveria cassar o registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso de poder de autoridade. Essas penalidades podiam ser cumpridas mesmo que o trânsito em julgado ocorresse posteriormente, já no curso do mandato, pois tinham por pressuposto condenação anterior;

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  1. se após a eleição, o resultado valeria apenas como prova para instruir recurso contra diplomação ou ação de impugnação de mandato eletivo267, não se prestando para cassar candidaturas nem para declarar inelegíveis os infratores.

3. 2 Alteração do efeito pela “lei da ficha limpa”

A Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 – “lei da ficha limpa” –, alterou a sistemática ao reunir os efeitos da condenação no mesmo dispositivo e, com isso, acabar com a variação conforme o momento do julgamento, não mais importando se antes ou depois da eleição. O novel dispositivo passou a ter a seguinte redação:

XIV Julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de...

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