Da Intervenção de Terceiros no Direito Processual do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.
Páginas423-447

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1. Da intervenção de terceiros e princípios que a orientam

Alguns autores utilizam a expressão participação em processo, que significa o gênero do qual o litisconsórcio e a intervenção de terceiros são espécies.

Ensina Cândido Rangel Dinamarco1:

Intervenção de terceiros é o ingresso de um sujeito em processo pendente, entre outros, como parte.

Intervir é entrar no meio. Por isso, intervir em um processo significa ingressar na relação processual, fazendo-se parte: não constituem intervenções certos casos em que o terceiro toma alguma iniciativa paralela à das partes do processo pendente, mas dando formação a um processo novo, sem ingressar naquele2.

No tocante às partes no processo, vigora, no direito processual civil brasileiro, o princípio da singularidade. De acordo com este princípio, compõem os polos da relação jurídico-processual somente autor e réu. Nos casos expressamente previstos na legislação, cabe a intervenção de outras pessoas no processo.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart3:

"Parte é aquele que demandar em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e aquele outro em face de quem essa ação deve ser atuada. Terceiro interessado será, por exclusão, aquele que não efetivar semelhante demanda no processo, mas, por ter interesse jurídico próprio na solução do confiito (ou, ao menos, afirmar possuí-lo), é autorizado a dele participar sem assumir a condição de parte."

Terceiro é rigorosamente toda pessoa que não seja parte no processo. Todos aqueles que não são partes consideram-se, em relação àquele processo, terceiros (Liebman). São terceiros interessados, por exemplo: o sócio que se retirou da sociedade há menos de 2 anos; seguradora que vem ajudar o segurado etc.

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O fundamento da intervenção de terceiros é a proximidade entre certos terceiros e o objeto da causa, podendo-se prever que por algum modo o julgamento desta projetará algum efeito indireto sobre sua esfera de direito4.

Como bem adverte Wagner D. Giglio5, "não seria razoável multiplicar o número de processos e exigir que terceiros que tenham interesse jurídico na solução de uma lide devam mover outra ação. É por isso que terceiros, nessas circunstâncias, podem intervir em processo já existente, a título de economia processual."

Para Athos Gusmão Carneiro6, terceiro só o é até que intervenha; ao intervir, converte-se em parte.

A intervenção pode ser:

  1. espontânea (voluntária): assistência, oposição;

  2. provocada (ou coacta): denunciação à lide e chamamento ao processo.

2. Da compatibilidade da intervenção de terceiros com o procedimento trabalhista

Como visto, o procedimento trabalhista é oral, sintético e célere, visando à rápida satisfação do crédito do trabalhador. Atualmente, podemos dizer que há, na Justiça do Trabalho, três tipos de procedimentos: o ordinário (comum)7, o sumaríssimo8 e o especial9.

Em razão das peculiaridades do processo do trabalho, principalmente de seus princípios basilares, muitos questionam a possibilidade da intervenção de terceiros no processo do trabalho.

No procedimento sumaríssimo trabalhista, não cabe tal intervenção em razão dos princípios da celeridade e da simplicidade do referido procedimento. Embora a Lei n. 9.957/00 não vede expressamente a possibilidade de intervenção de terceiros, o art. 10 da Lei n. 9.099/9510, aplicável subsidiariamente ao procedimento sumaríssimo trabalhista, veda expressamente tal intervenção11.

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No rito ordinário, há grandes controvérsias sobre a possibilidade ou não da intervenção de terceiros.

Na doutrina, alguns autores sustentam a viabilidade da intervenção de terceiros no Processo do Trabalho mesmo antes da edição da EC n. 45/04. Dentre eles, destacamos a posição de Ísis de Almeida12:

Em sucessivas edições do nosso ‘Manual de Direito Processual do Trabalho’ (1º Volume), vimos afirmando que não haveria como negar a possibilidade de uma intervenção de terceiro no processo trabalhista, do momento em que a coisa ou direito a elas referentes, em litígios, estivessem vinculados a um contrato de trabalho, havendo, portanto, empregado e empregador na lide. A tal respeito devem acrescentar aqui que a entrada do terceiro não poderia implicar o deslocamento ou a aplicação da demanda, no sentido de ter o juízo de pronunciar-se sobre qualquer questão, entre o empregador e o integrante da lide, que não estivesse diretamente afetada pela execução ou dissolução do contrato de emprego. Enfim, o terceiro teria de estar, de alguma forma, inserido também na relação jurídico-processual das partes originais, e seu interesse, conexo com o interesse delas, ao ponto de a decisão definitiva, a ser proferida, vir a afetar seus direitos e seu patrimônio. Como é fácil concluir, tudo estaria dependendo de poder-se manter a competência material da Justiça do Trabalho, e uma íntima conexão entre a pretensão do terceiro e das partes [...] O fato é que diversas situações previstas na lei material o exigem, tais como: a solidariedade do § 2º do art. 2º, da CLT; a sucessão, deduzida dos arts. 10 e 448 também da CLT; o factum principis do art. 486; a responsabilidade subsidiária do empreiteiro principal nos contratos de trabalho concluídos por seus subempreiteiros, como consta do art. 455, etc.

No mesmo sentido, vale transcrever a opinião de Amauri Mascaro Nascimento13:

É cabível na Justiça do Trabalho a intervenção de terceiros em face do princípio da subsidiariedade, uma vez que, sendo o direito processual comum fonte subsidiária do processo do trabalho (CLT, art. 769) e diante da omissão e inexistência de incompatibilidade, segue-se que rejeitá-la implicaria descumprir a lei. A lide denominada paralela na verdade não o é, mas mera questão incidental a ser resolvida pela Justiça do Trabalho, como tantas outras com que se defronta e decide até mesmo

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em dissídios coletivos, quando um sindicato ingressa no processo para afastar sindicato que dele figura como parte, por entender que detém a legitimidade da representação da categoria. Os tribunais do trabalho vêm decidindo sem controvérsia essas questões, em caráter incidental, embora sabidamente a competência originária para sua apreciação venha a ser a justiça comum. [...] Acrescentem-se a funcionalidade do processo e o princípio da economia processual, recomendando a utilização no processo do maior número possível dos confiitos que surgirem para evitar a inútil reprodução de feitos. O fracionamento das questões para que viessem a ser resolvidas em processo e perante justiças diferentes desatenderia a esses princípios e eternizaria as demandas, subordinando o exercício da jurisdição trabalhista à comum enquanto esta não viesse a decidir a questão entre terceiro e parte.

Antes da EC n. 45/04, a jurisprudência havia se firmado no sentido do não cabimento, como regra geral, do Instituto da Intervenção de Terceiros no Direito Processual do Trabalho. Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:

"Denunciação à lide - Justiça do Trabalho - Incompatibilidade. A intervenção de terceiros de denunciação à lide é procedimento incompatível com o processo do trabalho, pois tal ato implicaria a necessidade de dirimir a relação jurídica de natureza civil controvertida entre denunciante e denunciado, refugindo-se, pois, da competência desta Justiça Especializada, nos termos do art. 114 do Texto Fundamental." (TRT 10ª R. - 2ª T. - RO n. 759/2003.018.10.00-7 - relª Flávia S. Falcão - DJDF 8.10.04 - p. 19) (RDT n. 11 - Novembro de 2004)

"Denunciação da lide - Inviável no processo do trabalho. A denunciação da lide constitui ação incidental proposta por uma das partes (da ação principal), em geral contra terceiro, pretendendo a condenação deste à reparação do prejuízo decorrente de sua eventual derrota na causa por lhe assistir direito regressivo previsto em lei ou em contrato. Contudo, não é cabível na Justiça do Trabalho, por ser esta incompetente para resolver a controvérsia decorrente de contrato de natureza civil, firmado entre duas empresas, ou seja, entre o denunciante e o denunciado." (TRT 12ª R. - 3ª T. - RO-V n. 1247/2003.006.12.00-7 - Ac. n. 8.717/04 - relª Lília L. Abreu - DJSC 12.8.04 - p. 215)

Mesmo após a EC n. 45/04, autores há que se mostram totalmente contrários à admissão da intervenção de terceiros. Nesse sentido, é a opinião de Manoel Carlos Toledo Filho14:

A nosso juízo, contudo, sequer da possibilidade de assistência se deve no procedimento trabalhista cogitar. E isto porque ela, afinal, assim como todas as demais modalidades de intervenção, introduz na lide laboral questões novas, adstritas a interessados outros, alheios ao âmago da relação de Direito Material, que poderão ao processo se apresentar inclusive em grande número, tudo isto dificultando a apreciação célere e concentrada

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da demanda, que é justamente a preocupação central a ser perseguida pelo legislador. Neste passo, é oportuno trazer à baila aquilo que existe no procedimento estatuído para os Juizados Especiais Cíveis.

Dentre os argumentos contrários à intervenção de terceiros no Processo do Trabalho apontados pela doutrina e jurisprudência anterior à EC n. 45/04, destacamos:

  1. a Justiça do Trabalho não tinha competência para resolver controvérsias entre terceiros, estranhos às controvérsias entre empregados e empregadores;

  2. incompatibilidade da intervenção de terceiros com os princípios do processo do trabalho, máxime dos princípios da celeridade, simplicidade e...

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