Da intervenção humanitária

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas336-342

Page 336

1. Explicação inicial

O tema para o mundo moderno é de vital importância, porquanto o Direito Internacional passa a contabilizar, estudar e inferir os princípios e regras decorrentes da existência desse fato, uma vez que, em princípio, tal intervenção contrariaria a pedra sobre a qual foi construída a vida internacional dos Estados: a soberania.

Os Estados são soberanos e independentes e o princípio maior a ser seguido é o da não intervenção nos assuntos internos dos Estados. Todavia, por razões humanitárias seria possível intervir, como por exemplo, quando constatado o excesso de injustiça e de crueldade, em casos extremos, pois a humanidade é uma só e não está adstrita às fronteiras do Estado para ter respeitado o direito a vida, em todas as suas formas e em todos os sentidos.

O tema pode causar alguns melindres, diante dos conceitos clássicos de Direito Internacional e gerar dúvidas e desconianças, porque quem estaria autorizado a intervir em determinada situação e em dado momento? Os Estados mais fortes militar e tecnologicamente? Somente as Organizações Internacionais, ou somente a ONU?

A ideia básica é a de que tal intervenção, em casos extremos, é possível desde que a intervenção seja decidida pela própria sociedade internacional, no conjunto dos sujeitos internacionais.

2. Conceito

A intervenção humanitária signiica em palavras simples e objetivas a possibilidade da sociedade internacional por intermédio de seus órgãos ou pelo conjunto dos Estados, ou ainda pela grande maioria dos Estados agir sobre um determinado território que está sobre o domínio de uma soberania, em virtude de violações graves dos princípios do Direito Internacional, principalmente os referentes aos Direitos Humanos.

Page 337

3. Elementos

Dois elementos são encontrados nessa igura da intervenção humani-tária: a interferência na jurisdição de um Estado e a coerção, como uso da força.

Observe-se que os dois elementos supramencionados, normalmente são contrários ao Direito Internacional. A ordem internacional não admite a interferência de um Estado ou mesmo de um conjunto de Estado e/ou de um organismo internacional em outro Estado soberano e muito menos que se faça uso da força, da coerção para essa ou mesmo para qualquer outra inalidade.

A sociedade internacional é uma sociedade de cooperação constituída por iguais, não se admitindo o domínio jurídico, político, militar, econômico e tecnológico por um ou mais Estados em detrimento dos demais. Todo progresso, em uma ou mais das áreas mencionadas, ou em todas, deve reletir um progresso da própria humanidade. Ainda que não se possa dividir tal progresso com todos os Estados e povos existentes no mundo, não se admite que possam servir de instrumento de coação a terceiros, de prejuízos e de sofrimento.

4. Algumas justiicativas teóricas e históricas para a intervenção

De certa forma podemos ver o fundamento da intervenção na justiicativa da guerra, recurso legítimo para o pensamento medieval: guerra justa.

Santo Agostinho (354/430 — A Cidade de Deus): as guerras seriam conduzidas para conseguir a paz. A guerra não é boa ou má, é um fato, que pode justiicar-se teleologicamente. A paz não seria a ausência de guerra, e a guerra não signiicaria que a paz está totalmente ameaçada, podendo até implementá-la.

São Tomás de Aquino (1225/1274 — Suma Teológica); é justo o que promove e conserva a felicidade e todos os requisitos para a convivência política. Há a lei eterna (o mundo é regido pela divina providência), a lei natural (é a participação da lei eterna na criatura racional) e a lei humana (parte dos preceitos da lei natural e de princípios gerais para estabelecer suas proposições e a guerra deve ter preenchido alguns requisitos para ser considerada justa: autoridade competente; justiça da causa e intenção reta. Livro que pode ser citado:

Francisco de Vitória (1483/1546 — De Jure Belli Hispanorum in bárbaros): a ideia correta é o das “gentes” (direito das gentes), e não exatamente o homem; o jus gentium deriva do Direito Natural; tem vigência no pensamento de Vitória a ideia de comunidade internacional (totius orbe), laços universais

Page 338

de sociabilidade. Desenvolve sua teoria em torno das conquistas dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT