Da imputabilidade penal

AutorFrancisco Dirceu Barros - Antônio Fernando Cintra
Ocupação do AutorMestre em Direito, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral, Doutrinador e especialista em Direito Penal e Processo Penal - Advogado criminalista há vinte e nove anos. Procurador do Estado, pós-graduado em Direito Público, escritor com sete o livros lançados
Páginas119-130

Page 119

· (Obs.: Entendemos que há um erro na confecção original do Código Penal, pois o título III trata da "imputabilidade penal"; o correto seria "da inimputabilidade penal").

Inimputáveis

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

· Vide art. 97, CP.

· Vide arts. 149 a 154, 386, V, e 411, CPP.

Redução de pena

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

· Vide art. 387, CPP.

· Vide arts. 171 a 179, Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

1. Explicação didática

1.1. Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado

Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Page 120

Inimputáveis são aqueles que não são capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Como desenvolvimento mental retardado compreende-se a oligofrenia, em suas formas tradicionais - idiotia, imbecilidade e debilidade mental. No magistério de Aníbal Bruno, são formas típicas, que representam os dois extremos e o ponto médio de uma linha contínua de gradações da inteligência e vontade e, portanto, da capacidade penal, desde a idiotia profunda aos casos leves de debilidade, que tocam os limites da normalidade mental. São figuras teratológicas, que degradam o homem da sua superioridade psíquica normal e criam, no Direito punitivo, problemas de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída em vários graus.

Em várias passagens do Código Penal encontramos:

Exclusão de ilicitude. O fato é típico, mas não antijurídico.

- Excludentes da culpabilidade. O fato é típico e antijurídico, mas não se pode atribuir culpa.

- Inimputabilidade. Há crime, mas não se pode aplicar pena. Será aplicada medida de segurança (louco) ou medida socioeducativa (menor).

- Escusas absolutórias. Há crime e há criminoso, mas não há pena (art. 181).

- Extinção da punibilidade. Há crime, há criminoso, há pena; mas não há o cumprimento.

1.2. Causas excludentes da culpabilidade

São as seguintes as causas excludentes da culpabilidade:

  1. ) erro de proibição (art. 21, caput);

  2. ) coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte);

  3. ) obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte);

  4. ) inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput);

  5. ) inimputabilidade por menoridade penal (art. 27, sendo que essa causa está contida no "desenvolvimento mental incompleto");

  6. ) inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º).

    Seguimos a orientação formulada por Zaffaroni, colocando as causas de exclusão da culpabilidade no campo da inimputabilidade e do erro de proibição, e as causas exculpantes nos demais casos de inexigibilidade de conduta conforme o Direito.

    1.3. As causas de exclusão da imputabilidade

  7. ) doença mental;

  8. ) desenvolvimento mental incompleto;

  9. ) desenvolvimento mental retardado;

  10. ) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

    Excluem, por consequência, a culpabilidade.

    1.4. A imputabilidade penal do índio

    Apesar de inexistir dispositivo legal expresso, os índios não assimilados, autores de crime, conforme a doutrina e a jurisprudência dominantes, são considerados inimputáveis ou semi-imputáveis, de acordo com sua total ou parcial incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em vista de desenvolvimento mental incompleto (art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal). Referido posicionamento decorre do disposto na Exposição de Motivos, do Ministro Francisco Campos, para o Código Penal de 1940, a qual esclarece que a "referência especial ao desenvolvimento mental incompleto ou retardado" dispensa "alusão expressa aos surdos-mudos e silvícolas inadaptados".

    Nos casos de crimes praticados por índio não assimilado, deve ser verificada a possibilidade de ele conhecer o caráter ilícito de sua conduta, admitindo-se as situações de erro, escusáveis ou não. Geralmente, tratar-se-á de erro de proibição. Assim, ou haverá isenção de pena, ou esta será reduzida (art. 21 do Código Penal).

    1.5. Critérios para a definição da inimputabilidade penal

    Leva-se em conta apenas o desenvolvimento mental do acusado (quer em face de problemas mentais ou da idade do agente).

    Considera-se apenas se o agente, ao tempo da ação ou omissão, tinha a capacidade de entendimento e autodeterminação.

    Considera inimputável aquele que, em razão de sua condição mental (causa), era, ao tempo da ação ou omissão, totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento (consequência).

    Page 121

    1.6. Os surdos-mudos: imputáveis versus inimputáveis

    De acordo com o caso concreto pode haver três situações diferentes:

  11. ) Se, em consequência da surdo-mudez, o sujeito não tem capacidade de compreensão ou de autodeterminação, no momento da prática do fato, cuida-se de inimputável, aplicando-se a regra do art. 26, caput.

  12. ) Se, em consequência da anomalia, o sujeito possui diminuída a capacidade intelectiva e volitiva, trata-se de semirresponsável, aplicando-se o disposto no art. 26, parágrafo único (responde pelo crime com pena diminuída).

  13. ) Se, embora surdo-mudo, o sujeito possui capacidade de entender e de determinar-se, responde pelo crime, sem qualquer atenuação (em relação à pena abstrata).

    2. A visão do STF sobre os inimputáveis:

    · A instauração do incidente de insanidade mental

    A instauração do incidente de insanidade mental requer estado de dúvida sobre a própria imputabilidade criminal do acusado, por motivo de doença ou deficiência mental. Dúvida que há de ser razoável, não bastando a mera alegação da defesa. A falta de realização da perícia médica só configura a nulidade do respectivo processo--crime em casos excepcionais. Casos em que avulta a ilegalidade - ou manifesta arbitrariedade - no indeferimento do incidente de insanidade mental, mormente quando evidenciada situação capaz de colocar em xeque a capacidade de autodeterminação do acusado (imputabilidade, portanto). No caso, o pedido de instauração do incidente foi indeferido ante a constatação de que o paciente, no momento da prisão, desenvolvia normalmente suas atividades laborais e de que nem sequer havia relatos de surtos paranóicos ou psicóticos, assim como nada se sabe sobre dependência química dele, paciente, ou quanto à precedência de tratamento médico do gênero. (HC 101515, Relator(a): Min. Ayres Britto, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010).

    · Interdição no juízo cível. Independência entre a inca-pacidade civil e a inimputabilidade penal

    O Código Penal Militar, da mesma forma que o Código Penal, adotou o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do acusado. A circunstância de o agente apresentar doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico) pode até justificar a incapacidade civil, mas não é suficiente para que ele seja considerado penalmente inimputável.

    É indispensável que seja verificar se o réu, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico). A incapacidade civil não autoriza o trancamento ou a suspensão da ação penal. A marcha processual deve seguir normalmente em caso de dúvida sobre a integri-dade mental do acusado, para que, durante a instrução dos autos, seja instaurado o incidente de insanidade mental, que irá subsidiar o juiz na decisão sobre a culpabilidade ou não do réu. (HC 101930, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 27/04/2010).

    · A imputabilidade e o alcoolismo

    A imputabilidade se consubstancia mesmo que o paciente sofra de alcoolismo, pois a doença, em si, não gera inimputabilidade, e sim os efeitos que ela even-tualmente opere sobre o agente, ao tempo do crime. O fato de ter o paciente sido considerado inimputável em outros processos, pelo mesmo crime, não significa que o seja indefinidamente, pois deve ser observado se, no caso concreto, ele não possuía a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O habeas corpus não é o meio adequado para análise aprofundada acerca da capacidade de discernimento do paciente à época dos fatos a ele imputados, pois isso dependeria de profundo exame de matéria probatória, inviável nessa via. (HC 85721, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 28/06/2005).

    · Indispensabilidade de perícia

    O art. 149 do CPP expressa que, em havendo qualquer dúvida sobre a integridade mental do acusado, será este submetido a exame pericial. Trata-se de meio legal de prova, que não pode ser substituído nem mesmo pela inspeção pessoal do juiz, que, sobre a saúde psíquica do réu, só poderá formar juízo em laudo psiquiátrico produzido por médicos especialistas. (RTJ 63/70).

    3. A visão do STJ sobre os inimputáveis:

    · A diminuição da pena em razão da semi-imputabilidade deve considerar o grau de perturbação da saúde mental

    A diminuição da pena em razão da semi-imputabilidade deve considerar o grau de perturbação da saúde mental do réu, avaliando-se a extensão de seu entendimento. Reconhecida pelas instâncias ordinárias que a semi--imputabilidade do réu era reduzida, tendo em vista o seu elevado grau de discernimento, embora fosse usuário de drogas, mostra-se correta a redução na fração mínima de 1/3 (um terço), conforme dispõe o art. 26, parágrafo único, do Código Penal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT