Da improbidade e suas congêneres

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas45-142

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3 Improbidade/corrupção/desonestidade

Os termos improbidade, corrupção e desonestidade caminham juntos. O ímprobo é um ser desonesto e desleal, bem como corrupto. Entretanto, nem todo desonesto ou corrupto é um ser ímprobo administrativamente.

Isso significa que o termo improbidade administrativa é permeado de características particulares, sem as quais não podemos ver configurado o tipo legal, conforme estudaremos a seguir (infra, nº 5.3).

O termo ímprobo deriva do latim ‘probus’ e designa a pessoa devassa, desonesta ou corrupta. Trata-se de um atributo do sujeito. Aliás, uma qualidade negativa do ser humano.

O ímprobo é aquele que desrespeita todas as normas morais, sociais e costumeiras, agindo sempre contra esses princípios. Todo homem ímprobo é privado de idoneidade.

O ser ímprobo é um devasso. Ser devasso significa ser dissoluto, desregrado, sem moral. Enfim, a conduta ímproba representa falta de retidão ou um procedimento malicioso, ou, ainda, uma atuação perniciosa.

4 Improbidade no setor privado
4. 1 Improbidade trabalhista

A qualidade de desonesto não é atributo exclusivo do agente público. O empregado do setor privado também pode ser qualificado como ímprobo. Improbidade configura, até mesmo, falta grave. O que esse ato ensejador de falta grave pode mate-rializar-se de várias formas, tais como por meio de “furto ou roubo de materiais da empresa, a falsificação de documentos para obtenção de horas extras não prestadas, a apropriação indébita de importância da empresa, o empregado justificar suas faltas com atestados médicos falsos, etc.11

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que a punição reservada ao ímprobo, nas relações de trabalho, é a sua dispensa (CLT, art. 482). Pode o

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empregador, em vez de dispensar o empregado, aplicar uma medida disciplinar mais branda, como a advertência (oral ou escrita)12ou suspensão.

Para Dorval de Lacerda13o ato de improbidade está ligado a uma lesão no patrimônio do empregador. Alguns autores chegam a afirmar que ele pode ter sido cometido fora do ambiente de trabalho e mesmo assim ensejar punição, pois teríamos uma quebra de confiança no empregado.

4. 2 Improbidade civil

Entende-se por improbidade civil aquela que não se insere dentro de uma relação de trabalho, mas decorre de uma relação regulada pelas normas de Direito Civil.

A improbidade civil pode estar presente, por exemplo, em um negócio jurídico. Quando uma das partes silencia a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, estamos diante de uma omissão dolosa. Se for demonstrado pela parte interessada que com o conhecimento do fato o negócio não se teria celebrado, a legislação estabelece uma sanção: a anulação (CC, art. 147). O negócio pode ainda ser anulado mesmo que o ato de improbidade seja praticado em favor de terceiro (CC, art. 148).

Podemos ter, como decorrência da improbidade civil, um dano. Nesses casos a legislação prevê a obrigação de repará-lo (CC, arts. 927, 186 e 187).

4. 3 Improbidade comercial

O desvio comportamental representado pelo vocábulo improbidade pode manifestar-se também em uma relação comercial; vale dizer, nascer em uma relação jurídica regida pelas normas de Direito Comercial.

Esses atos de improbidade podem ser dirigidos tanto para os concorrentes como para os consumidores. Em cada caso a legislação estabelece uma sanção específica14.

5 Improbidade no setor público

Já vimos acima que o termo improbidade é muito amplo. Ele engloba todos os atos revestidos de má-fé e de desonestidade.

No setor público podemos classificá-la como improbidade eleitoral, político-administrativa e administrativa. A improbidade disciplinar não deixa de ser uma improbidade dentro do setor público, mas é uma responsabilidade com fundamentos distintos, por isso deixaremos para tratar dela em outro momento (infra, nº 5.3.4).

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5. 1 Improbidade eleitoral

A improbidade eleitoral é uma espécie de improbidade no setor público. No entanto, possui um regramento especial.

O delito eleitoral é classificado como uma espécie do crime político. Crime político seria um gênero, do qual os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social seriam espécies15. Segundo a doutrina, os crimes políticos são aqueles que se dirigem contra a segurança do Estado e a integridade das suas instituições políticas, vale dizer: são crimes praticados contra a ordem política da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios16.

A propaganda pessoal em desrespeito ao que estatui o § 1º do art. 37 da CF17, realizada durante o período eleitoral e com finalidade de fraudar o processo eleitoral, configura infração eleitoral cuja competência é da Justiça Especializada. Por outro lado, a promoção pessoal na publicidade oficial, se praticada fora do período eleitoral, configurará apenas ato de improbidade administrativa, cuja apuração não diz respeito à Justiça Eleitoral.

É importante, desse modo, separar os atos ilícitos que importam em violação das normas eleitorais daqueles que importam na violação apenas da probidade administrativa. Os primeiros são de competência da Justiça Especializada, culminando na aplicação das penas estabelecidas na legislação eleitoral. Os segundos são de competência da Justiça Comum (estadual ou federal)18, sujeitando-se os seus infratores às penas previstas pelo § 4º do art. 37 da CF.

5. 2 Improbidade política ou político-administrativa

O Estado desempenha muito mais do que uma simples atividade administrativa. Estamos falando dos atos de governo ou de gestão, bem como dos atos que a Constituição elege como ou equipara a atos políticos.

Tratando-se de atos políticos, as Constituições estabelecem em seu próprio texto como regra, diante de sua natureza, o regime de responsabilidade correspondente. O

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conteúdo, o grau das sanções e a forma de apuração da responsabilidade são distintos daqueles aplicáveis aos demais agentes públicos.

A improbidade decorrente do exercício de atos político-administrativos no Brasil tem tratamento constitucional próprio e inconfundível com a improbidade prevista no § 4º do art. 37 da CF. Vale dizer: o regime de...

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