Da imparcialidade do julgador à luz do novo código de processo civil

AutorReis Friede
Páginas442-476
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 1. Janeiro a Abril de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 442-476
www.redp.uerj.br
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DA IMPARCIALIDADE DO JULGADOR À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL1
THE JUDGE'S IMPARTIALITY UNDER THE PERPECTIVE OF THE 2015 CODE
OF CIVIL PROCEDURE
Reis Friede
Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em
Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (UNIRIO). E-mail:
assessoriareisfriede@hotmail.com
RESUMO: O presente artigo analisa a questão inerente à imparcialidade do julgador,
debruçando-se, inicialmente, sobre sua disciplina normativa pretérita, examinando os
aspectos relativos ao impedimento e à suspeição. Posteriormente, enfoca as principais
alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015 nestes institutos, destacando
os aspectos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Imparcialidade. Suspeição. Impedimento. Código de Processo
Civil de 2015.
ABSTRACT: This article examines the issue of impartiality of the judge initially focusing
on its pre-normative discipline, examining aspects related to impediment and surmise.
Subsequently it focuses on the main changes promoted by the 2015 Code of Civil
Procedure in these institutes highlighting the doctrinal and jurisprudential aspects on the
subject.
KEYWORDS: Impartiality. Surmise. Impediment. 2015 Code of Civil Procedure.
1 Artigo recebido em 11/12/2017 e aprovado em 30/04/2019.
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1 INTRODUÇÃO
O caráter de imparcialidade2 do julgador (pessoa física do juiz), assim como a
de seus auxiliares (diretor de secretaria, escrivão, oficial de justiça, depositário, contador
etc.), desponta como condição sine qua non para o legítimo exercício da atividade
jurisdicional, considerando que o Estado-juiz coloca-se entre as partes em litígio e,
sobretudo, acima delas, objetivando a solução final do conflito de interesses originário, -
sem, em nenhum momento, propender para qualquer das partes -, visando em última
instância, não só à realização do direito objetivo material3, mas fundamentalmente a
preservação da ordem jurídica (e, por extensão, a necessária credibilidade) e, por
conseqüência, a imposição da segurança das relações sociopolítico-econômicas, como bem
assim, a própria paz social. Em outras palavras, “(...) a imparcialidade do julgador é
importante para que este, mantendo-se imparcial no trato da lide, assegurar a credibilidade
da ordem judicial4.
O atributo da imparcialidade, portanto, é inseparável do órgão da jurisdição
(do juízo que engloba não só o juiz (seu titular) mas todos os demais serventuários e
auxiliares), como verdadeiro pressuposto de validade processual. É exatamente neste
sentido que a doutrina costuma afirmar que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente
capaz.
A primeira e mais importante qualidade de um juiz é a imparcialidade.
Investido da alta missão de decidir acerca dos mais relevantes interesses
das partes, munido de amplos poderes para esse fim, é indispensável que
o juiz realmente julgue sem ser influenciado por quaisquer fatores que
não o direito dos litigantes.
2 Qualidade de imparcial (de in + parcial), adj.: "que julga desapaixonadamente; reto, justo" (FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed., Ed. Nova Fronteira, 1986. p.
920).
3 GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo, 9ª ed., Malheiro s, Ed., SP, 1993, p. 115.
4 LIEBMANN apud SILVA, Ovídio B. da. Estudos Sobre o Processo Civil Brasileiro, Saraiva, SP , 1947.
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O despreparo cultural ou a morosidade do juiz pode preocupar o litigante.
Mas o fator que é realmente capaz de intranqüilizá-lo, de fazê-lo descrer
na justiça humana, é a falta de confiança na isenção do juiz.5
2 CAPACIDADE SUBJETIVA DO JULGADOR E LEGITIMAÇÃO DA ATUAÇÃO
DO ESTADO-JUIZ
A ausência de capacidade subjetiva do juiz (que se origina da suspeita de sua
eventual parcialidade) afeta profundamente a relação processual, pondo dúvidas na
própria legitimidade do escopo de atuação do Estado-juiz (por meio da atividade
substitutiva de cunho jurisdicional), diminuindo a credibilidade social na parcela estatal
exercente da função julgadora (Poder Judiciário) e, acima de tudo, permitindo a
possibilidade de inviabilização do objetivo último do Estado, que é exatamente a de
moderador de conflitos em nome da estabilidade social e política de toda a coletividade.
A esperança nos juízes é a última esperança.6
Somente o equilíbrio, a serenidade, a busca, no senso exato, da interpretação da
lei, a virtusa que se referiam os romanos, são capazes de conduzir o ser humano (a pessoa
física do julgador) à exata aplicação do direito, traduzindo a necessária credibilidade que
deve gozar o Poder Judiciário.
O Poder Judiciário é o desaguadouro natural de todos os conflitos, é o
último refúgio dos injustiçados, o anteparo derradeiro de que pode dispor
o cidadão para ter assegurado os seus direitos.
O Poder Judiciário mais do que qualquer outra instância estatal, há de ser
merecedora de plena credibilidade (...).7
Um Judiciário digno é condição primeira da democracia, não podendo
haver, sem ele, tranqüilidade e segurança para ninguém.8
5 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 5ª ed., Ed. Forense, 1983., p.
546-547.
6 BARBOSA, Rui. Ob ras Completas de Rui Barbosa. Publicado pelo Ministério de Educação e Saúde, 1942,
p. 130.
7 MACHADO, Hugo de Brito. Ser e Parecer, Rev. AJUFE, dez./91, p. 54.
8 DELGADO, José Luiz. A Democracia e o Judiciário, Diário de Pernambuco, 18/0 9/91, p. A-11.

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