Da transmissão das obrigações

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas145-161

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11. 1 Apresentação

Um imóvel pode ser adquirido à vista ou a prazo. A aquisição a prazo é feita através do contrato de compromisso de compra e venda. Enquanto o compromissário comprador não pagar a totalidade do preço, não tem direito à escritura pública definitiva, que é o título hábil para a mutação da propriedade no seu nome, ato que é feito no Cartório de Registro de Imóveis. O compromissário comprador é apenas detentor de um direito e da posse do imóvel; pagando a totalidade das prestações, tem ele direito à escritura definitiva.

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Caso o compromissário comprador deseje transferir o compromisso de compra e venda a terceiro, é realizado um contrato de cessão do compromisso de compra e venda ou de promessa de cessão, conforme o caso. Dá-se, aí, uma substituição do compromissário comprador por um terceiro. Quem cede é o cedente que é o compromissário comprador, é aquele que aliena um direito; quem recebe o direito é o cessionário, o terceiro. Deu-se uma cessão onerosa, um negócio jurídico pelo qual o cedente transferiu a terceiro sua posição na relação obrigacional existente. Os direitos do cessionário são os do cedente, tanto que este não pode transferir mais direitos do que tem.

É a mesma situação que ocorre na cessão de direitos hereditários. Na herança, enquanto indivisa, o herdeiro tem apenas direitos na propriedade nova que surgiu com a abertura da sucessão, mas ele não tem a propriedade inscrita no Registro de Imóveis e, portanto, não é proprietário dos bens que compõe a herança; não pode alienar a herança. Só pode ceder, transferir seus direitos hereditários, seus bens imateriais.

Portanto, basta ser titular de um direito, para que se possa fazer a cessão do mesmo. Haverá, então, "uma sucessão ativa, se em relação ao credor, ou passiva, se atinente ao devedor, que não altera, de modo algum, a substância da relação jurídica, que permanecerá intacta, pois impõe que o novo sujeito (cessionário) derive do sujeito primitivo (cedente) a relação jurídica transmitida".98

Cessão significa transferência de direitos. "Quando a alienação tem por fim bens imateriais, - explica Sílvio Venosa - toma o nome de cessão".99É um ato entre vivos, uma operação jurídica que consiste em transmitir um direito a alguém, a título gratuito ou oneroso.

Figuram na cessão o cedente e o cessionário. O primeiro é aquele que transfere seus direitos, seus bens imateriais e o segundo, aquele que os adquire. Com essa mudança, o cessionário passa a ostentar, perante o devedor, a mesma posição jurídica do titular primitivo.

Cessão - explica De Plácido e Silva - "deriva do latim cessio, de cedere (ceder, transpassar); em sentido lato quer dizer todo ato pelo qual a pessoa cede ou transfere a outrem direitos ou bens imateriais que lhe pertencem, sendo, assim, perfeita alienação, ou transmissão entre vivos100. Eis a razão pela qual Antônio Chaves ensina que o vocábulo cessão "alcança todo

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ato em virtude do qual uma pessoa transfere a outra direitos ou bens que lhe pertençam".101Por exemplo, para a aquisição dos direitos de uso de assinatura da linha telefônica é feito um instrumento particular de cessão onde o cedente cede e transfere seus direitos de uso da linha para uma terceira pessoa, o cessionário. Colocou-se no lugar do sujeito de direito, "uma outra pessoa, de tal forma que o direito deixe de integrar o patrimônio de um (cedente) para ingressar no do outro (cessionário)" - escreve Maria Helena Diniz.102Com

base na lição de Serpa Lopes, finaliza a ilustre professora: "O ato determinante dessa transmissibilidade das obrigações designa cessão, que vem a ser a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, deveres e bens, com conteúdo predominantemente obrigatório, de modo que o adquirente (cessionário) exerça posição jurídica idêntica à do antecessor (cedente)".103

O atual Código colocou a transmissão das obrigações logo após as modalidades das obrigações e antes de tratar dos efeitos e da extinção, diferentemente do Código anterior, colocando a cessão de crédito como última matéria da parte geral das obrigações, após tratar da extinção e de suas conseqüências, o que não foi lógico. É que a obrigação nasce sob uma modalidade e transmite antes de se extinguir por uma das causas previstas.

11. 2 Espécies de transmissão

Em toda relação jurídica obrigacional aparecem dois sujeitos: o ativo ou o credor e o passivo ou o devedor. Havendo a sucessão em créditos mudando-se o credor, ter-se-á a cessão de crédito. Na sucessão em dívida mudando-se o sujeito passivo, aparecerá a cessão de débito (assunção de dívida). Existindo um contrato, com prestações recíprocas para ambas as partes, mudando-se uma delas, surgirá a cessão de contrato. Portanto, existem três espécies de transmissão:

  1. a cessão de crédito

  2. a cessão de débito

  3. a cessão de contrato

O Código Civil de 1.916 não tratou dessas três modalidades;

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disciplinou apenas a cessão de crédito. O atual trata, além da cessão de crédito, da cessão de débito (assunção de dívida).104Deixou de lado a cessão de contrato, da qual trataremos, embora sucintamente.

11. 3 Conceito de cessão de crédito

"Sendo a cessão de crédito o negócio jurídico pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional, os direitos do cessionário são os do cedente (credor), vez que o crédito transfere-se com todas as vantagens e riscos" (in RT 726/327).

A ementa do acórdão destacado mostra que a relação obrigacional primitiva foi conservada: transfere-se com todas as vantagens e riscos. O credor (cedente) transmitiu o seu crédito a uma terceira pessoa (cessionário).

Realmente, uma operação de crédito se dá, inter vivos, quando alguém efetua uma prestação presente contra a promessa de uma prestação futura. Essa promessa de receber do devedor coisa equivalente no futuro pode ser cedida, transferida para uma terceira pessoa. Cessão de crédito - escreve De Plácido e Silva - é "a transferência, feita pelo credor, de seus direitos sobre um crédito, a outra pessoa".105"Se o avalista pagou a cambial e, em seguida, cede o seu crédito a terceiro é parte ilegítima ad causam para cobrar do co-avalista a metade do prejuízo. O direito do avalista sub-rogado - decidiu o tribunal - passou ao cessionário" (in RT 469/55).

"Chama-se cessão de crédito - conceitua Caio Mário da Silva Pereira - o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias"106; ou como diz o saudoso Prof. Orlando Gomes: "A cessão de crédito é negócio jurídico pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional".107Com isso, fica mantida a relação obrigacional primitiva existente.

Cessão de crédito se dá a título oneroso ou gratuito.

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11. 4 Requisitos para a validade da cessão de crédito

Devido ao seu caráter patrimonial, o crédito pode ser negociado ou transferido. Se o credor ceder o crédito a outrem, a título oneroso ou gratuitamente, mesmo sem o consentimento do devedor, temos um negócio jurídico, e como tal, para a sua validade, são necessários os requisitos como para qualquer negócio jurídico: sujeito capaz, objeto lícito e forma legal (CC, art. 104).

1) CAPACIDADE DAS PARTES:

O cedente para poder ceder seu crédito, deverá ser capaz; caso contrário, a cessão só será possível com prévia autorização judicial, pois tratase de ato que ultrapassa os limites da simples administração do pai, do tutor ou do curador. Se no ato da cessão, o cedente estiver sendo representado por procurador, o instrumento de procuração deverá conter poderes essenciais e ser expresso nesse sentido. "Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos" (CC, art. 661, § 1.º). Se o crédito envolver direito real de garantia, como por exemplo, uma hipoteca, a outorga uxória será da substância do ato.

Há casos em que uma pessoa não pode adquirir certos créditos, não porque não tenha capacidade, mas porque lhe falta legitimação. Por exemplo, o tutor, mesmo com autorização judicial, não pode, sob pena de nulidade, constituir-se cessionário de crédito contra o pupilo. Analise o 1.749, III, do CC: "Ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade: III - constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor". Na mesma situação estão todas as pessoas, bem como os testamenteiros, curadores ou administradores, que não podem, por força de lei, comprar os bens que lhe são confiados para guarda ou administração (CC, arts. 497, I e 498).

2) OBJETO LÍCITO:

O objeto da cessão de crédito é o direito ao crédito existente na época da cessão. O novo credor passa a ter direito à prestação, como se fora o credor primeiro. Se tal crédito for lícito, lícita será a cessão. O objeto ilícito da cessão virá a ser o objeto ilícito da obrigação do cedido. Nesse caso, o negócio padecerá de nulidade.

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Todos os créditos, de modo geral, podem ser objeto de cessão, principalmente quando se referirem à prestação de dar coisa certa e determinada, que provenham de contrato ou de qualquer outra fonte de obrigação. Não há qualquer restrição à cessão de crédito, desde que - como se observa do art. 286 do CC - "se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor". Portanto, a intransferibilidade pode...

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