Da Boa-Fé das Partes na Execução Trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Universitário (Graduação e Pós-Graduação).
Páginas121-153

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1. Dos deveres das partes e procuradores

Na linguagem popular, diz-se que o processo não é instrumento para se levar vantagem, por isso, todos os sujeitos que nele atuam, principalmente os atores principais (juiz, advogados, autores e réus), devem se pautar acima de tudo pela ética e honestidade. Assim, os capítulos do Código de Processo Civil que tratam dos deveres das partes e dos procuradores, bem como da litigância de má-fé, ganham destaque na Justiça do Trabalho, como inibidores e sancionadores de condutas que violem os princípios da lealdade e boa-fé processual.

Como destaca Calamandrei, o processo se aproximará da perfeição quando tornar possível, entre juízes e advogados, aquela troca de perguntas e respostas que se desenrola normalmente entre pessoas que se respeitam, quando, sentadas em volta de uma mesa, buscam em benefício comum esclarecer reciprocamente as ideias.

Lealdade é conduta honesta, ética segundo os padrões de conduta aceitos pela sociedade. É agir com seriedade e boa-fé.

Leonel Maschietto1, em excelente obra sobre o tema, nos define o conceito de boa-fé:

Conceituar-se boa-fé não se faz por tarefa fácil, principalmente por se tratar de questão do ramo metafísico, cuja existência varia de acordo com os juízos de valor de cada comunidade jurídica. Na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a boa-fé nada mais é do que a certeza de agir com amparo da lei, ou sem ofensa a ela, com ausência de intenção. É a ausência de intenção dolosa.

Prossegue o professor Maschietto2, diferenciando a boa-fé subjetiva da objetiva:

(...) boa-fé subjetiva envolve conteúdo psicológico, confundindo-se com o instituto da lealdade e fundamentada na própria consciência do indivíduo,

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que teria sua íntima e particular convicção, certa ou errada, acerca do Direito; boa-fé objetiva, instituto que engloba toda gama de valores morais da sociedade, adicionados à objetividade da atenta avaliação e do estudo das relações sociais.

Conforme Ernesto Eduardo Borba, citado por Américo Plá Rodriguez (Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 420), "a boa-fé não é uma norma - nem se reduz a uma ou mais obrigações -, mas é um princípio jurídico fundamental, isto é, algo que devemos admitir como premissa de todo o ordenamento jurídico. Informa sua totalidade a afiora de maneira expressa em múltiplas e diferentes normas, ainda que nem sempre se menciona de forma explícita".

A boa-fé é um princípio geral de Direito, aplicável principalmente na esfera do direito material do trabalho, mas também se destaca na esfera do direito processual do trabalho, considerando-se o caráter publicista da relação jurídica processual trabalhista e também o prestígio do processo do trabalho na sociedade capitalista moderna, como um meio confiável e ético de resolução dos confiitos trabalhistas.

O Código Civil Brasileiro disciplina a boa-fé como princípio fundamental dos contratos. Com efeito, dispõe o art. 422 do Código Civil Brasileiro:

Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Ficou expressamente normatizado o princípio da boa-fé objetiva. No aspecto. ensina Maria Helena Diniz, "a boa-fé subjetiva é atinente ao fato de se desconhecer algum vício do negócio jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), impedindo o exercício abusivo de direito por parte de um dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente" (Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 406).

Sob o aspecto processual, nos ensina Daniel Mitidiero3:

A força normativa da boa-fé no processo civil no seu aspecto ideológico pode ser sentida a partir de quatro grupos de casos: a) a proibição de criar dolosamente posições processuais; b) a proibição do venire contra factum propriam; c) a proibição de abuso dos poderes processuais; e d) a supressão (perda de poderes processuais em razão do seu não exercício por tempo suficiente para incutir no outro sujeito a confiança legítima de que esse poder não será mais exercido).

Dispõem os arts. e 77 do CPC:

Art. 5º, CPC: Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

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Art. 77 do CPC: Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.

§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.

§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.

§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário mínimo.

§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.

§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.

Diante dos referidos dispositivos legais, a boa-fé torna-se um princípio fundamental do direito processual civil e do novel Código de Processo Civil, aplicando-se não só às partes do processo, mas a todos que nele possam intervir ou participar.

Diante de tal previsão, busca-se que as partes confiem entre si e no órgão jurisdicional, que deve estabelecer uma relação de confiança e lealdade com elas, buscando-se amenizar o clima manifestamente adversarial que observamos nos processos trabalhistas, onde as partes atuam em clima de contínua desconfiança nos atos da parte contrária e também do próprio magistrado.

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Como bem adverte J. E. Arruda Alvim4:

Trata-se da boa-fé objetiva, enquanto padrão de conduta que deve ser observado por uma parte, em certa circunstância, baseado na confiança e no respeito, imprimindo no espírito da outra o mesmo comportamento, sem que o interesse de ambas constitua obstáculo a que o econômico se sebreponha à ética. Nada mais é a boa-fé objetiva do que um standard de comportamento alicerçado na confiança e lealdade, em que os agentes defendem os seus interesses sem olvidar que estão em jogo, interesses recíprocos, estando ambos amparados pelo ordenamento jurídico.

A CLT não contém disposição semelhante a respeito, portanto, pensamos inteiramente aplicável ao Processo do Trabalho o disposto nos arts. e 77 do CPC, uma vez que há compatibilidade com os princípios que norteiam esta esfera do Direito Processual.

No mesmo diapasão, sustenta com propriedade Carlos Henrique Bezerra Leite5:

"O conteúdo ético do processo encontra fundamento no princípio da probidade processual. A CLT é omissa a respeito da ética processual, razão pela qual impõe-se, a nosso ver, a aplicação subsidiária do CPC".

Nos termos do art. 78 do CPC: "é vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados. § 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra. § 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada."

Conforme o referido dispositivo legal, a lealdade e respeito entre todos que atuam no processo também deve...

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