Da avaliação biopsicossocial do benefício de aposentadoria dos deficientes

AutorAdriano Mauss - José Ricardo Caetano Costa
Páginas122-164

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Pericia biopsicossocial: notas introdutórias

Se é correto afirmarmos que a Aposentadoria Especial dos Deficientes, ora analisada, é uma especie derivada do género Aposentadoria por Tempo de Contribuigáo e da aposentadoria por idade, também parece ser correto que guarda, no método de avaliagáo, uma relagáo com os benefícios assistenciais, justamente pela presenga da PERÍCIA BIOPSICOSSOCIAL.*58

Esta avaliagáo conjunta, já realizada há vários anos na dinámica da concessáo dos benefícios de prestagáo continuada da LOAS, é trazida como método de avaliagáo, embora bem mais complexa, como veremos adiante.59

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Como já vimos alhures, náo é mais possível, a partir da CIF-2001 e da Convencáo de Nova Iorque, de 2007, entendermos o ser humano, suas relacóes com o trabalho, a doenca, a falta de saúde e outros aspectos, em uma dimensáo unicamente unívoca, a partir de suas estruturas fisiológicas.

A constatacáo da deficiencia, bem como de seus graus ou níveis, é resultado de uma avaliacáo médica e social, sendo a primeira realizada pelos peritos médicos e a segunda pelos Assistentes Sociais.

Vejamos, mais detidamente, cada uma destas searas do saber, seus desafios e perspectivas em face dessa nova avaliacáo biopsicossocial.

O repensar da pericia médica tradicional

A Perícia Médica a cargo da Previdencia Social (INSS), até entáo, vinha tendo um papel bastante reduzido na avaliacáo dos segurados, na busca da constatacáo de suas patologias e, portanto, incapacidade laboral, invalidez ou deficiencia.

Em perícias rápidas, sem a análise mais detida de cada segurado e suas circunstancias, os médicos, nem sempre especialistas nas áreas respectivas, emitiam seus vereditos de forma também rápida, por vezes contraditória e lacunosa.

O sistema pericial, historicamente, passou a ser vinculado a um servico técnico, frio, insensível á dor e ao sentimento humano dos segurados. O distanciamento dos peritos, inclusive aconselhável para a obtencáo de um melhor resultado, fizeram com que o ato pericial se tornasse um ato mecánico: o segurado é ou náo é incapaz ou inválido para o trabalho.

Os segurados, por seu turno, passaram a ser vistos com certa descon-fianca, como se fossem usurpadores do sistema, sempre tentando ludibriar o mesmo para obter os benefícios. Essa desconfiaba, recíproca entre os envolvidos no processo, predominou e talvez ainda predomine até os dias atuais.

Por outro lado, é necessário que se diga que se na avaliacáo dos pedidos feitos nos pedidos ordinatórios de auxílio-doenca, em que a incapacidade laboral é a determinante para concessáo ou náo destes benefícios por incapa-cidade temporária, no caso das aposentadorias por deficiencia, a questáo é mais complexa. Isso porque o que está sendo avaliado náo é a incapacidade ou náo dos segurados para o trabalho mas sim as dificuldades com que estes segurados exercem seus misteres.

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Neste sentido é a orientagáo trazida pela Portaria Interministerial AGU/ MPS/MF/SEDH/MP n. 1, de 27.1.2014. Citamos alguns pontos importantes, para os fins ora desejados, desta Portaria.

— A pontuagáo dos níveis de independencia de cada atividade deverá refletir o desempenho do individuo e náo a sua capacidade.

— O desempenho é o que ele faz em seu ambiente habitual, e náo o que ele é capaz de fazer um uma situagáo ideal ou eventual.

— A única excegáo a essa regra é se a pessoa responder que náo realiza a atividade por um motivo pessoal.

Diante disso podemos afirmar, sem dúvidas, que o referencial do "mundo do trabalho" e sua relagáo para com o segurado, em termos de falta de saúde para o exercício de alguma atividade, náo serve para avaliar este novo benefício.

Náo importa se o segurado deficiente esteja com falta de saúde. Importa, isso sim, qual é o nivel de dificuldade que ele apresenta na consecucáo de determinada tarefa.

Por óbvio que é de menor complexidade a avaliagáo da falta de saúde para determinado trabalho do que as condicóes, limites e dificuldades com que os segurados deficientes exercem determinadas atividades.

Para romper com esse paradigma retrogrado da avaliagáo médica ba-seada unicamente no Código Internacional de Doengas (CID)que a Portaria n. 1/2014 estabeleceu parámetros de avaliagáo médica baseado nas barreiras funcionais que o segurado precisa transpor para desenvolver seu trabalho. Tal critério é baseado na CIF e seu produto gera o índice de funcionalidade Brasil — Aposentadoria, o IFBrA, do qual falaremos melhor no transcorrer desse trabalho.

A pericia social como parte da avaliagáo biopsicossocial

O Servigo Social sempre esteve ligado ás políticas sociais, como um todo, e aos direitos previdenciários em particular, especialmente a partir da constituigáo das Caixas de Aposentadorias e Pensóes (1930) e dos Institutos de Aposentadorias e Pensóes (a partir de 1933).

Esse embricamento, como todas as questóes que envolvem as políticas sociais, náo é pacífico ou linear, eis que "os primeiros Assistentes Sociais —

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especialmente aqueles do núcleo de Sáo Paulo — constantemente explicitam uma aguda desconfianza em relacáo ao seguro e previdencia estatais"60. Pairava sempre uma desconfiaba da utilizacáo do trabalho dos AS numa perspectiva de manobra por parte do Estado, seja para mitigar os animos das classes trabalhadoras, seja para legitimar as políticas do Estado — especialmente o estado-novista.

De outro lado, mesmo que em alguns IAPs já apresentassem no rol de seus benefícios a assistencia social, incorporando em seus quadros técnico -administrativos Assistentes Sociais61, data de 1942 a primeira experiencia de implantacáo do Servico Social na estrutura do Seguro Social. A Portaria n. 25, de 1943, lavrada pelo Conselho Nacional do Trabalho, cria a Secáo de Estudos e Assistencia Social, cuja tarefa de direcáo foi reservada a Luis Carlos Mancini, formado pela primeira turma da Escola de Servico Social de Sáo Paulo.62

Esta Secáo de Estudos e Assistencia Social tinha por incumbencia pesquisar o modo e o meio de vida dos segurados, sendo que, fruto dessa pesquisa, deveria aportar os métodos e técnicas protetivas utilizadas no Seguro Social.63

As pesquisas realizadas neste período lancam luzes e olhares sobre questóes ainda náo resolvidas no ínsito da Previdencia Social. Citamos algumas delas, que, a nosso ver, merecem ser investigadas hodiernamente: a) aplicacáo dos modelos importados sem nenhuma reflexáo crítica; b) distanciamento das políticas sociais previdenciárias dos seus signatários; c) desconhecimento, dos segurados e seus dependentes, de seus direitos previdenciários e, d) humanizacáo do Seguro Social, face á frieza e rigidez de sua estrutura burocrática.

Note-se que os Assistentes Sociais tiveram, no segundo quartel da década de 1940, do século passado, uma participacáo especial junto á elaboracáo do Seguro Social. Foi neste período a I Semana de Previdencia e Assistencia Social, realizado pelo Instituto de Direito Social, em 1944 e, um ano após, a tentativa de Vargas na uniformizacáo dos benefícios e unificacáo dos servicos através do Instituto de Servicos Sociais do Brasil — ISSB64.

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O adensamento da participagáo dos Assistentes Sociais na estrutura político-administrativa da Previdencia Social ocorre a partir de 1945, quando o próprio Ministério do Trabalho, através de Portaria Ministerial, cria cursos intensivos de Servigo Social para os funcionários das CAPs e dos IAPs65 (Iamamoto e Carvalho, 2006). Até esta data, a participagáo dos Assistentes Sociais restringia-se a algumas dessas Instituigóes, normalmente para atender nos conjuntos residenciais (especialmente dos IAPIs) que surgiam no Brasil.

De outro lado, é importante sinalizar para a mudanga dos desígnios da Previdencia Social a partir de 1950. Vejamos a tese adotada por Amélia Cohn:

A nosso ver, a questáo dos vínculos económicos da previdencia social, no caso brasileiro, reside em que até entáo ela estava mais voltada para investimentos em áreas estratégicas para o projeto de industrializante, enquanto que, sobretudo a partir da segunda me-tade da década de 1950, pelo próprio estágio de desenvolvimiento industrial do país, ela se vé forgada a voltar-se para a preservagáo da capacidade produtiva da forga de trabalho empregada bem como da sua reprodugáo.66

O aumento da demanda, em torno dos servigos sociais (seja atinentes á previdéncia stricto sensu, seja em relagáo aos servigos e a própria assisténcia) sugeria um maior investimiento no aparato técnico-burocrático-administrati-vo. Decorre daí a importáncia da participagáo dos AS na gestáo e organizagáo das políticas públicas de previdéncia social, pois desde o seu nascedouro os AS tinham a desconfianca de que a "frieza" da burocracia terminasse por reinar dentro do sistema67.

Se, por um lado, os governantes e as classes dirigentes tivessem por intuito, mesmo que veladamente, utilizar o Servigo Social e os AS para apaziguar o confuto entre capital e trabalho, neste período de industriali-zagáo em nosso país, por outro houve um despertar da consciéncia crítica

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de grande parte destes agentes, de modo a auxiliar a populacáo usuária na busca de seus direitos.

A Matriz-94 fornece tres etapas nesta caminhada da participacáo do SS na Previdencia Social, antes obviamente da fase constitucional trazida pela CF/88. Vejamos:

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