Da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil na execução trabalhista e as lacunas da Consolidação das Leis do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas63-80

Page 63

4.1. O Código de Processo Civil de 2015 e o Processo do Trabalho

O Código de Processo Civil é a lei fundamental que rege os processos de natureza civil, aplicando-se às demandas de natureza não penal. Por isso, sua importância é fundamental.

Depois de quase cinco anos de tramitação no Congresso Nacional, a partir da apresentação do Anteprojeto por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal, o Projeto do Código de Processo Civil foi aprovado e sancionado, tornando-se a Lei n. 13.105/15, de 16.3.2015, publicada em 17.3.2015, com vigência inicial para 17 de março de 2016 (art. 1.045, do CPC69).

Além disso, a nova codificação passou por amplo debate tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, com participação de diversos segmentos da sociedade e sua tramitação se deu, integralmente, em regime democrático.

O Código de Processo Civil de 1973, elaborado com refinada técnica processual, vigeu por mais de 40 anos, tendo sofrido muitas reformas ao longo dos anos para que fosse adaptado às mudanças sociais e pudesse dar respostas adequadas aos milhares de processos que tramitam no Judiciário Brasileiro. Diante dessas reformas, o legislativo

Page 64

e segmentos de respeito da doutrina passaram a entender que havia necessidade de um novo Código de Processo, pois o Código de 1973 parecia uma "colcha de retalhos", tendo perdido sua identidade e, em muitos apectos, havia necessidade de mudanças mais contudentes, o que somente seria possível com uma nova codificação.

Valem ser mencionadas as premissas básicas que foram consideradas pelos juristas que elaboraram o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, destacando-se a seguinte passagem da Exposição de Motivos da nova codificação, in verbis:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo. Não há fórmulas mágicas. O Código vigente, de 1973, operou satisfatoriamente durante duas décadas. A partir dos anos noventa, entretanto, sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código revogado significativas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais a mudanças na sociedade e ao funcionamento das instituições. A expressiva maioria dessas alterações, como, por exemplo, em 1994, a inclusão no sistema do instituto da antecipação de tutela; em 1995, a alteração do regime do agravo; e, mais recentemente, as leis que alteraram a execução, foram bem recebidas pela comunidade jurídica e geraram resultados positivos, no plano da operatividade do sistema. O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma consequência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis (= pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito. Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade. Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos institutos introduzidos no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1992 até hoje, criou-se um Código novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos cujos resultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência. Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica, e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo país. Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de confiitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais. Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na comunidade jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade do sistema recursal existente na lei revogada. Se o sistema recursal, que havia no Código revogado em sua versão originária, era consideravelmente mais simples que o anterior, depois das sucessivas reformas pontuais que ocorreram, se tornou, inegavelmente, muito mais complexo. Não se deixou de lado, é claro, a necessidade de se construir um Código coerente e harmônico interna corporis, mas não se cultivou a obsessão em elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em detrimento de sua funcionalidade. De fato, essa é uma preocupação presente, mas que já não ocupa o primeiro lugar na postura intelectual do processualista contemporâneo.

Page 65

A coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental, todavia, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais. O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo. A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa. Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1. estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2. criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3. simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4. dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5. finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão (...).

Muitos dos institutos fundamentais do processo civil, disciplinados no Código de 1973 foram aproveitados na nova codificação, bem como foram incorporados ao texto, a moderna visão da doutrina e muitos entendimentos consagrados na jurisprudência dos Tribunais. Há, também, institutos novos que serão melhor esculpidos pela jurisprudência dos Tribunais e pela visão crítica da doutrina.

Iniciam os primeiros estudos sobre o Novo Código convertido em lei, entretanto, uma compreensão mais profunda e lapidada somente virá daqui há alguns anos, após o novel diploma legislativo encontrar os milhares de processos que tramitam nos Tribunais da Justiça brasileira, e ficar calejado pela prática cotidiana.

A chegada do Novo Código de Processo Civil provoca, mesmo de forma inconsciente um desconforto nos aplicadores do Processo Trabalhista, uma vez que há muitos impactos da nova legislação nos sítios do processo trabalhista, o que exigirá um esforço intenso da doutrina e da jurisprudência para revisitar todos os institutos do processo do trabalho e analisar a compatibilidade, ou não, das novas regras processuais civis. De outro lado, há um estimulante desafio, pois os operadores do Direito Processual do Trabalho podem transportar as melhores regras do novo código para o processo trabalhista e, com isso, melhorar a prestação jurisdicional trabalhista e tornar o processo do trabalho mais justo e efetivo.

Na seara do processo do trabalho, o Novo Código provocará, necessariamente, um novo estudo das normas e da doutrina do processo trabalhista. Institutos já sedimentados serão, necessariamente revisados, pois haverá necessidade de se verificar se as mudanças são compatíveis com a sistemática do processo trabalhista e se, efetivamente, trarão melhoria dos institutos processuais trabalhistas. Será um trabalho árduo, de paciência e coragem. Uma pergunta terá que ser respondida, qual seja: as regras do Processo do Trabalho ainda são de vanguarda, ou já superadas pelo novel diploma processual civil?

Page 66

O fato do Novo Código se aplicar subsidiária e supletivamente (art. 15 do CPC) ao Processo Trabalhista não significa que seus dispositivos sejam aplicados, simplesmente, nas omissões da lei processual do trabalho, ou incompletude de suas disposições, mas somente quando forem compatíveis com sistema trabalhista e, também, propiciarem melhores resultados à jurisdição trabalhista.

Numa análise global do Novo Código, constatam-se as seguintes diretrizes fundamentais:

  1. prestígio dos princípios constitucionais do processo, que norteiam a intepretação e aplicação da lei processual;

  2. aplicação intensa do princípio do contraditório, como forma de tornar o processo mais democrático, participativo e se evitar surpresas;

  3. preocupação com o conteúdo ético do processo, destacando-se os deveres das partes do processo de lealdade, boa-fé objetiva e cooperação;

  4. maior participação das partes e advogados no processo, sob o modelo do processo c...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT