Da ação penal

AutorFrancisco Dirceu Barros - Antônio Fernando Cintra
Ocupação do AutorMestre em Direito, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral, Doutrinador e especialista em Direito Penal e Processo Penal - Advogado criminalista há vinte e nove anos. Procurador do Estado, pós-graduado em Direito Público, escritor com sete o livros lançados
Páginas347-373

Page 347

Ação pública e de iniciativa privada

Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

· Vide arts. 19 e 24 a 62, CPP.

· Vide art. 227, Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

§ 1º A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

· Vide arts. 5º, § 4º, 24, 25, 38 e 39, CPP.

· Vide art. 1º, Lei 5.249/1967 (Ação Pública nos Crimes de Responsabilidade).

· Vide art. 88, Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais).

§ 2º A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

· Vide arts. 5º, § 5º, 30 a 38 e 73, CPP.

§ 3º A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

· Vide art. 5º, LIX, CF.

· Vide art. 29, CPP.

§ 4º No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

· Vide arts. 24, § 1º, e 31, CPP.

1. Explicação didática e exemplos didáticos

1.1. Divisão da ação penal

A ação penal divide-se em:

1) Pública. O titular da ação penal pública é o Estado, pertencendo a este o jus puniendi. Pode ser:

a) condicionada à representação ou requisição;

b) incondicionada (não depende de nenhuma condição).

2) Privada. A titularidade da ação penal pertence à vítima ou a seu representante legal.

1.2. Condições da ação penal

1.2.a) Condições genéricas

- Possibilidade jurídica do pedido. O Estado somente pode pretender a punição de uma pessoa se esta, efetivamente, praticar uma conduta prevista na lei como crime.

- Legitimidade para agir. Somente o titular do interesse, cuja proteção é pretendida, tem legitimidade para agir.

- Interesse de agir. Lesão ou ameaça a um direito. Muito argutamente, Mirabete anotou que:

Exige-se a possibilidade jurídica do pedido, ou seja, é necessário que seja admissível, em tese, o direito objetivo material reclamado no pedido de prestação jurisdicional penal. Não se pode instaurar a ação penal, por exemplo, se o fato narrado na denúncia ou queixa "evidente mente não constitui crime" (art. 43, I, do CPP); não se pode pedir a prestação jurisdicional para a imposição de pena em caso de fato que, pela inicial, não é previsto na lei como crime. (Cf. Marques, José Frederico. Ob. cit, p. 75).

Ada Pellegrini Grinover, porém, contesta tal exemplo, afirmando que a tipicidade é matéria de mérito, desvinculada da matéria relativa ao processo (condição da ação). Mirabete afirma que não tem razão a referida autora, uma vez que na própria

Page 348

inicial se descreve fato atípico, a prestação jurisdicional não é devida: há falta de possibilidade jurídica do pedido. Ademais, como bem acentua aquele festejado autor, não é impossível uma condição de procedibilidade estar ligada a uma questão de mérito.

Vicente Greco Filho acrescenta as hipóteses em que o pedido é de uma sanção penal não pre-vista na ordem jurídica brasileira, sendo formulado quando há um fato impeditivo do exercício da ação, ou falta alguma condição especial para a propositura, inclusive condição de procedibilidade.

Dispondo o art. 648, I, do CPP que há coação ilegal (inclusive na ação penal), quando "não houver justa causa", conclui José Frederico Marques que só há legitimação para agir (interesse de agir), no processo penal condenatório, quando existir o fumus boni iuris que ampare a imputação. (Apud Tucci, Rogério Lauria. "Progressão na execução das penas privativas de liberdade; breve estudo sistemático", v. 630, p. 272).

Entendemos como Mirabete, no sentido de que só há interesse de agir no pedido idôneo, amparado em elementos que convençam o juiz de que há fundamentos para a acusação. Ada Pellegrini Grinover discorda de tal posição, afirmando que o interesse de agir não pode dizer respeito à existência do direito alegado, nem à sua aparência, já que distintos o direito de ação e o direito material; para a autora, o interesse de agir, ou seja, de pedir o provimento jurisdicional, na ação penal condenatória, é inerente ao próprio direito de ação. Verdadeiramente, o interesse de agir está implícito em toda acusação, porquanto o Estado não pode impor a pena senão mediante as vias jurisdicionais. Nega, assim, a aplicação do interesse de agir, como condição de admissibilidade de ação penal condenatória.

Afrânio Silva Jardim afirma existir, na ação penal, uma quarta condição da ação: a justa causa, ou seja, um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado.

1.2.b) Condições específicas

As condições de procedibilidade são as que condicionam o exercício da ação penal.

Afirma o amigo Tourinho Filho que:

Por isso é que tais condições são denominadas específicas. Quais são elas? Sem a pretensão de querer indicar todas, procuramos mostrar as mais comuns:

a) a representação, exigida para algumas infrações penais, conforme tivemos oportunidade de ver;

b) a requisição do Ministro da Justiça; (também exigida para determinadas infrações)

c) a entrada do agente no território nacional. Nos crimes cometidos fora do território nacional, de que tratam as letras "a" e "b" do inc. II do art. 7º do CP, bem como na hipótese do § 3º do art. 7º do mesmo estatuto, a aplicação da lei penal brasileira fica condicionada à "entrada do agente no território nacional". Logo, tal condição é de procedibilidade. Nesse sentido, as lições de Frederico Marques e Ottorino Vannini, entre outros. De Vannini, estas palavras: "Sono condizioni di procedibilità (...) lá presenza del colpevole nel território del Stato, nei casi previsti dagli articoli 9º e 10º" (Manuale, cit., p. 24). Contra: Pannain (Manuale, p. 128 e 273);

d) o trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento (cf. art. 236, parágrafo único do CP);

e) a autorização da Assembleia Legislativa, pelo voto de 2/3 dos seus membros, para ser instaurado processo contra Governador de Estado, seja nos crimes comuns, seja nos de responsabilidade (art. 49 da Constituição Paulista, entre outras);

f) a autorização da Câmara dos Deputados para poder ser instaurado processo, por crime comum ou de responsabilidade praticado pelo Presidente, Vice--Presidente da República e Ministros de Estado (CF, art. 51, I);

g) as novas provas a que se o parágrafo único do art. 414 do CPP;

h) O exame pericial de que trata o art. 525 do CPP;

Insta acentuar que não existe mais, em nosso ordenamento jurídico, a autorização da Câmara dos Deputados e do Senado para a instauração de processo penal em relação a Deputados Federais e Senadores, respectivamente, e que se aplicava, por força do art. 27, § 1º, da CF, aos Deputados Estaduais, pois a Emenda Constitucional nº 35, de 20/12/2001, dando nova redação ao art. 53 da CF, aboliu aquela licença prévia do órgão legislativo.

Em todas essas hipóteses, o exercício da ação penal fica subordinado à determinada condição (representação, requisição ministerial etc.). Sem ela, a ação não pode ser promovida.

Page 349

Parte da doutrina entende que o trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento (CP, art. 236, parágrafo único) é mera condição objetiva de punibilidade. Temos, para nós, tratar-se de condição de procedibilidade.

1.3. Características diferenciadoras da ação penal pública e ação penal privada

Se o Código, ao descrever o delito, silenciar no TÍTULO em que está o tipo penal ou a norma extravagante qual o tipo de ação penal, esta será pública incondicionada.

Se definir o delito e fizer referência expressa à necessidade de representação, o crime é de ação penal pública condiciona. Fazendo referência expressa de que "somente se procede mediante queixa", a ação é privada.

Dicas importantes

Veja agora algumas dicas para melhor se identificar o tipo de ação penal:

A maioria da doutrina aponta uma solução que entendemos, data maxima venia, ser equivocada e que pode confundir ainda mais o aprendiz de Direito.

Por todos, veja-se a opinião do Prof. Damásio de Jesus:

Quando o CP, na Parte especial, após descrever o delito, silenciar a respeito da ação penal, será pública incondicionada. Ex.: no art. 155, que descreve o furto, não há qualquer referência à ação penal. Logo, é de natureza pública incondicionada. O seu titular pode exercê-la sem a necessidade de qualquer requisito.

Para identificar a ação penal, devem-se também, em casos excepcionais, observar as remissões que o artigo faz às leis extravagantes.

Exemplos didáticos:

Preconiza o Código Penal: Lesão corporal. Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Lesão corporal culposa: § 6º. Se a lesão é culposa. Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

Veja-se agora que no Título I, do Código Penal, não há qualquer referência à ação penal do art. 129, caput, e 129, § 6º. Pergunta-se: A ação é pública incondicionada?

Resposta: Não. A ação penal depende de representação. Observe-se que afirmamos: "Se o Código, ao descrever o delito, silenciar no TÍTULO em que está o tipo penal ou na NORMA EXTRAVAGANTE...."

Veja o art. 88 da Lei nº 9.099/95, in verbis: "Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas".

1.4. Ação penal pública incondicionada

A titularidade da ação penal pública incondicionada pertence ao Estado, não necessitando, assim, da manifestação de vontade externa para ser iniciada.

O órgão do Estado-Administração é representado por promotores e procuradores de Justiça, que promovem a ação penal pública desde a peça inicial (denúncia) até os termos finais. No entanto, por tratar-se de um órgão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT