Da Ação Civil Pública

AutorFrancisco Antonio de Oliveira
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito do Trabalho , Pontifícia Universalidade Católica de São Paulo ? PUC/SP
Páginas759-773

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14.1. Da execução do compromisso de ajustamento de conduta na Justiça do Trabalho

Tem a natureza jurídica de título extrajudicial prestigiado pelo art. 585, II, do CPC, e pelo art. 5e, § 6e, da Lei n. 7.347, de 24.7.1985 (Lei n. 8.078/90, art. 113).

Com a nova redação dada ao art. 876 (Lei n. 9.958/2000), a CLT deu dignidade de título extrajudicial ao compromisso de ajustamento de conduta: "As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo".

14.2. Do compromisso de ajustamento de conduta

Como dissemos em nossa obra Ação civil pública - enfoques trabalhistas, p. 188, item 16.4, o compromisso de ajustamento de conduta não traduz nenhuma transação, uma vez que o legitimado ativamente não abdica de nada, apenas e tão somente aceita da parte uma espécie de promessa de que dali por diante modificará o comportamento desta. Vale dizer que existe um "reconhecimento implícito da ilegalidade da conduta e promessa de que esta se adequará à lei".1 É, pois, uma espécie de carta de intenção, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. O legitimado ativo da ação civil pública não abre mão, nem poderia abrir mão, de qualquer direito para formalizar o ajuste. Apenas, de comum acordo, são concedidos prazo e condições para que o réu possa se conduzir ao caminho da legalidade, evitando com isso a proposição da ação.

O objetivo da lei é evitar que se prossiga na discussão com a propositura da ação civil pública para somente após o julgamento e o trânsito em julgado ter em mãos um título executivo, já agora judicial.

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É, pois, uma iniciativa extrajudicial da parte inadimplente, na qual reconhece que a conduta até então desenvolvida não estava conforme as exigências legais, comprometendo-se, a partir de então, a prestigiar o primado da lei, submetendo-se à imposição de cominações pecuniárias (astreintes), tendo o compromisso de ajustamento o valor de título executivo extrajudicial.

Ao contrário do que poderá parecer prima fade, a cominação pecuniária, em caso de inadimplência, será feita por meio das astreintes, e não de multa. Aquelas, concei-tualmente diversas desta (Dec. n. 22.626/33 - Lei de Usura, art. 8S), traduzem pressão económica irresistível, obrigando ao cumprimento, pois o valor acumulado da cominação pecuniária, diverso da multa, não tem o beneplácito do art. 412 do Código Civil.

14.3. Da executoriedade do compromisso na Justiça do Trabalho

O tema aguçou a discussão e podemos delinear o surgimento de três vertentes: a) não executoriedade baseada no princípio de que na Justiça do Trabalho os acordos extrajudiciais não têm executoriedade; b) a execução deve ser implementada por meio da ação monitoria; c) a execução é possível.

Da primeira vertente - Não são executáveis na Justiça do Trabalho os acordos extrajudiciais. Os defensores desta corrente buscavam alento no art. 876 da CLT, que comandava, in verbis: "As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos, serão executados na forma deste Capítulo".

A interpretação é compreensível até certo ponto, já que dirigida à defesa dos direitos individuais. Todavia, não se pode relegar ao oblívio de que referido preceito fora concebido nos idos de 1943, quando concebida a CLT. Do que se infere de imediato que referido art. 876 não poderia dispor para o futuro um instituto que seria concebido em 1985 (Lei n. 7.347), com o escopo de proteger interesses difusos, coletivos e individuais homogéneos.

Por outro lado, o objetivo do legislador, nos idos de 1943, foi o de proteger o hipossuficiente de possíveis fraudes, uma vez que poderia firmar acordo que lhe fosse desvantajoso, sem possibilidade de reversão, se dada a executoriedade. Daí não se admitir a executoriedade do acordo extrajudicial.

Todavia, a realidade que se apresenta em sede de compromisso de ajustamento de conduta é bem outra. Não existe aqui a defesa do hipossuficiente, mas da coletividade, tendo à frente das negociações o Ministério Público, órgão de indiscutível competência.

A interpretação subjetivista levada a efeito por esta vertente desaguava numa timidez nociva, quando retirava do âmbito da Justiça do Trabalho a competência para executar o compromisso de ajustamento de conduta.

O intérprete há de cuidar para que o trabalho interpretativo não desprestigie regras estruturais da língua (interpretação gramatical); não traga desalento à lógica do sistema jurídico (interpretação lógico-sistemática); não prescinda do alento que lhe sopra a

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própria realidade, com influências sociológicas, culturais, sociais, que deitam influência ao ato por ocasião da interpretação (interpretação evolutiva). Evidente em caso a lacuna, permite-se o preenchimento por meio do método ontológico ou o axiológico.

Da segunda vertente -A execução seria implementada por meio da ação monitoria. Não vemos nessa vertente a lógica interpretativa. A ação monitoria "é instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo extrajudicial, para que possa requerer em juízo expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu direito".2

Tem-se, por outro lado, que o compromisso de ajustamento de conduta firmado pela parte e Ministério Público lhe concede a dignidade de título executivo extrajudicial, nos exatos termos do art. 585, II, CPC e art. 5°, § 6°, Lei n. 7.347/85. Do que resulta que o compromisso não necessita seguir a trajetória da ação monitoria para ganhar executoriedade -já a tem no seu nascedouro.

Uma outra vertente poder-se-ia registrar, afora aquelas inicialmente indicadas, que seria a incompetência da Justiça do Trabalho para a cobrança das astreintes, ou multas, segundo alguns. Vale dizer que a competência seria somente para a matéria trabalhista. Também esta vertente é preconceituosa. A execução deverá ser levada a efeito pela Justiça do Trabalho e o produto das astreintes será remetido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Mesmo porque esta parte constitui acessório do principal. E seria no mínimo inusitado executar-se o principal e remeter-se o acessório para outro juízo, numa bipartição incompreensível da competência.

O apego desmesurado aos preceitos anteriores ao art. 876 da CLT nos afigurara inoportuno saudosismo romântico em completo divórcio da realidade. Repito: o art. 876 fora concebido com a CLT nos idos de 1943; o art. 585 do CPC teve a sua redação alterada pela Lei n. 8.953, de 13.12.1994, para dar executoriedade de título extrajudicial ao compromisso de ajustamento de conduta. De resto, o tema já estava superado pelo art. 5°, § 6°, da Lei n. 7.347/85 e hoje pela nova redação do art. 876 da CLT.

14.4. Da discussão anterior à nova redação do art 876, CLT

Dispunha o referido artigo que "as decisões passadas em julgado, ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos, serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo", redação modificada pela Lei n. 9.958/2000.

O raciocínio de que o tema "acordo" já estaria previsto no referido artigo e de que, portanto, a incursão subsidiária não seria possível, se ressentia de acentuado estrabismo. Primeiro, porque aquela norma antecedeu a Lei n. 7.347/85 em quarenta e dois anos; segundo, o referido preceito normatiza desenganadamente para os direitos individuais.

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Daí ser paralógico o raciocínio que impedia o prestígio subsidiário. Partia de premissa falsa, usava preceito individual para socorrer direitos metaindividuais e individuais homogéneos.

De outra parte, pelo princípio da adequação da norma no tempo, o raciocínio mais razoável seria o de considerar-se presente, no âmbito genérico do vocábulo "acordos", a existência do acordo judicial e do extrajudicial (art. 126, CPC).

Dir-se-ia, todavia, que a inexecutoriedade do acordo extrajudicial constitui matéria aceita na doutrina e na jurisprudência. E é verdade. Mas assim é pelo fato de cuidar-se de direito individual, âmbito em que o princípio do pacta sunt servanda é relativizadoemface do princípio protetivo do hipossuficiente, que tornou o trabalhador relativamente capaz.

Também o princípio da rebus sic stantibus foi relativizado e se apresenta como iter de mão única, valendo somente contra o empregador, já que o empregado não corre o risco do empreendimento nem tem qualquer ingerência administrativa. É certo que a regra geral foi excepcionada pelo art. 1-, XIII, CF, e pelos arts. 502 e 503, CLT.

Entretanto, não se pode comparar o "acordo extrajudicial" levado a efeito pelas partes...

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